por Fernanda Danelon
Tpm #93

Fundadora do Ballet Stagium, a húngara Marika Gidali ensinou o Brasil a dançar mais

Em 1974, Marika Gidali bailava em cima de um tablado na proa de uma barca que percorria o rio São Francisco. Seus espetáculos encantavam as populações ribeirinhas, com quem depois desenvolvia oficinas de dança e conscientização corporal. “O direito de dançar é o direito de ser”, gosta de afirmar. Os 72 anos bem vividos lhe dão o respaldo de quem dedicou a vida utilizando a dança como meio de inclusão social. Marika está entre os 13 homenageados do Prêmio Trip Transformadores 2009 – que há dois anos homenageia pessoas cujos trabalhos e ações estão transformando a realidade para melhor.

A bailarina se apaixonou pelo Brasil quando por ele “foi abraçada”. Judia de origem húngara, viveu os horrores da guerra até aportar em terras tropicais aos 10 anos. Os pais chegaram a ser presos pela polícia nazista, mas conseguiram fugir e reunir novamente a família. Encontraram no Brasil a liberdade que procuravam. “Quando cheguei a esta terra fui abraçada e me senti livre. Finalmente pude me desprender do medo que estava grudado em mim”, lembra.

Da paixão pelo Brasil, descobriu a dança como profissão e como arte educação, sempre à frente da companhia Ballet Stagium, fundada em 71, com o grande amor de sua vida, Décio Otero, bailarino e coreógrafo, marido e parceiro profissional. Partindo de São Paulo, logo iriam explorar novos palcos, de pequenos teatros no interior do país ao chão de terra batida no Xingu, passando pelo tablado da Barca Juarez Távora, mais conhecida como Barca da Cultura, que, carregando 150 artistas, navegou durante 15 dias pelo rio São Francisco no início de 74. Foi no terreiro, em meio a intrigados índios, que Marika viveu sua lembrança mais bonita. Olhando o céu azul no meio da floresta, entregue nos braços do companheiro durante um pas de deux, Marika viu uma arara de asas magistrais sobrevoar sua cabeça... O amor rendeu ainda mais frutos e Marika tem, além do “filho de barriga” do primeiro casamento, cinco filhos adotados junto com Décio.

As turnês pelos confins do Brasil surgiram da necessidade de sobreviver. A jovem companhia lutava contra o horizonte incerto da dança brasileira. Foi o saudoso Paulo Autran quem apontou o caminho. Aconselhou-os a enviar alguém antes, para pequenas cidades, para vender o espetáculo da companhia. Depois a trupe seguia para se apresentar. E assim foram conhecendo o verdadeiro Brasil: “Viajando, vimos que estávamos longe do que pensávamos ser a cultura brasileira. O povo, a cultura, existia uma simplicidade que nós não tínhamos. Éramos bailarinos eruditos, da escola europeia. Mas a experiência de percorrer o interior do Nordeste nos imbuiu de brasilidade. Resolvemos dançar em português”. E assim realizaram diversas turnês internacionais, abocanhando mais de 15 prêmios no Brasil e no mundo.

Marika diz que, ao percorrer o país dançando, tornou-se “outra coisa, menos bailarina”. Trazendo um caráter social à sua dança, foi pioneira ao inserir a cultura popular brasileira no repertório do Stagium e corajosa ao dedicar seu tempo livre levando o balé a jovens pobres da periferia paulistana. Durante o governo de Mário Covas, ministrou oficinas na antiga Febem. Em 2000, fundou o Projeto Joaninha, ensinando balé a estudantes de escolas públicas estaduais. “Não é só educar, dar aulas, é trabalhar o ser humano com arte e conscientização”, faz questão de observar.

A primeira turma de balé clássico se formou há dois anos. Os alunos saem carregando, além do diploma de bailarino, a autoestima recuperada. Foi a irmã de Marika quem sugeriu o nome Joaninha, quando o projeto ganhou seu primeiro patrocinador. Este ano, o patrocínio se foi. Algumas crianças, sem ganhar o vale-transporte, não puderam mais ir às aulas de balé. Mas Marika persiste, incansável e imbatível: “Quando desanimo e perco a energia, o Décio segura a onda. A gente sempre se ajudou e, assim, os dois juntos, conseguimos levar adiante a nossa história”.

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