MacGyver na cozinha

Como fazer quando a fome é grande e a geladeira e armários estão vazios?

Se você já assistia à televisão em meados dos anos 1980 certamente se lembra de Profissão: Perigo. Era um seriado que passava na Globo e que tinha como personagem principal um cara chamado Angus MacGyver. Ele era um agente secreto que conseguia se safar das piores encrencas usando combinações improváveis para reles mortais como nós. Com um canivete suíço, um grampo e um chiclete – digamos assim – ele era capaz de fazer uma bomba. Sempre bonitinho, inteligente e bonzinho. Jamais um ogro.

Honestamente, em matéria de seriado eu preferia Supergatas, com aquelas velhinhas azedas e fervidas. Mesmo assim, a criatividade do MacGyver diante de tantas adversidades ficou marcada em mim (e acho que em todo mundo). Virou quase uma referência. Quem se vira bem, é MacGyver.

E foi exatamente nele que eu pensei quando, na semana passada, há algum tempo sozinha em casa, me peguei morrendo de fome, mas com vontade de sair zero, carteira vazia e geladeira idem. Pior de tudo, minha criatividade não queria dar as caras. A solução? Morrer de fome ou encarnar MacGyver!

Respirei fundo, abri a geladeira e – depois do eco inicial (ela estava vazia assim) - consegui enxergar uma berinjela solitária e ancestral. Não muito longe dali um pote de iogurte também dava mole (e estava quase perto de vencer). Uma ideia começava a brotar na minha cabeça… Só tinha que me certificar que – SIM! – havia uns dentes de alho quase brotando em uma cestinha. E o pão sírio que eu tinha comprado há séculos e não tinha terminado continuava bem razoável. No armário – ainda bem – meu azeite extravirgem ainda não tinha acabado.

No final, meu sivirol rendeu um jantar bem gostoso e leve, bom pra essa hora do dia. Fiz um “misto” de babaganuj – aquela pasta de berinjela árabe – com raita – um molho indiano de iogurte. Traduzindo: cortei a berinjela em fatias verticais, salpiquei com sal para tirar o amargo dela e deixei assim por meia hora. Lavei as fatias e coloquei no meu grill elétrico. Enquanto isso, soquei o alho e amassei umas sementinhas de coentro que tinha na minha coleção de temperos. Juntei os dois ao iogurte, junto com um pouquinho mais de sal, pimenta-do-reino preta e salsinha que eu tinha picada e congelada. Quando as fatias de berinjelas estavam beeem queimadinhas, eu coloquei no pão sírio, cobri com o molho de iogurte e azeite.

Mas pra você não achar que eu estou fazendo a “bonita da criatividade”, fui conversar com outras pessoas sobre o assunto. Mesmo chefs, por exemplo, padecem deste mal (e por que não?). Para Daniela França Pinto, do Marcelino Pan y Vino (SP), o “MacGyver baixou” assim: em pleno domingo à noite, sozinha em casa com os dois filhos e um só hambúrguer de boa qualidade congelado. Com uma cebola sobrevivente, puxada no azeite, ela cozinhou e despedaçou a carne. Jogou água fervente por cima pra fazer um caldo e nele ainda cozinhou um pacote de capelletti de queijo que tinha na geladeira.

A Tatiana Leonardo, do blog Panelaterapia, passou por um perrengue do gênero quando chegou em casa tarde, de viagem. De tão cansada, não conseguia nem pensar em sair. A solução não estava na geladeira inóspita pós-viagem... mas no armário: um pacote de macarrão + uma lata de atum desfiado + uma lata de tomate pelado = adeus, fome! 

Mas será que qualquer um pode “receber o espírito” do versátil agente do seriado na cozinha? Nós achamos que sim. A Daniela acredita que saber cozinhar já é um belo caminho andado. Já a Tatiana aposta em um mínimo de criatividade e completa: “mesmo que os ingredientes não combinem tanto, em geral nesses momentos em que a fome domina, é mais fácil achar tudo mais gostoso! Aceitamos até combinações improváveis em nome da fome! O que acaba acontecendo é que perdemos os “pudores” culinários e ousamos novas combinações que muitas vezes dão certo.”

Eu concordo com as duas. Eu estava va-ra-da de fome e bem propensa a pratos alucinantes. Mas também sei cozinhar, o que é bem prático e ajuda a ter ideias baseadas em técnicas de cozimento e preparo. Mesmo assim, uma coisa que me ajudou muito foi contar com minha memória: das coisas que eu já fiz, já comi ou das coisas que eu vejo por aí e morro de vontade de comer. O meu sanduíche de raita-ganuj acima foi uma mistura de experimentos anteriores, por exemplo.

Mas pra facilitar a inspiração nesses momentos MacGyver tenha sempre ingredientes não que tenham longa vida útil. Para Daniela, você se vira com “cebola, um bom azeite, farinha de trigo e ervas”. A Tatiana, salva pelo macarrão, não poderia tê-lo deixado de lado. E ainda acrescenta: “vale até macarrão instantâneo! Dá para fazer quente ou frio, tipo salada. Enlatados e industrializados por quebram um galho nessas horas, por isso é sempre bom tê-los em casa”.

Eu ainda me safei com três ingredientes quaaase frescos (a berinjela, o alho e o iogurte). Mas estaria mais confortável se tivesse bem estocada de congelados (molhos, vegetais, carnes e até pães). Acho que meu sanduíche também teria ficado ainda mais gostoso se tivesse algumas conservas (tomate seco, alcachofras, abobrinhas etc.).

Neste post antigo – sobre cozinhar para um – você também encontrará dicas de ingredientes mais duradouros, bem válidos para momentos MacGyver assim.

(*) Gabriela Sampaio Fergusson é jornalista e redatora especializada em gastronomia, comportamento, conteúdo para web e redes sociais. Mantém o tumblr Céu da Boca http://ceudaboca.tumblr.com. No Twitter: @gabisampaio

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