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por Gabriela Sá Pessoa

Recém-lançado no Brasil, ’Cadê você, Bernadette?’ critica os costumes sem perder a piada. Conversamos com sua autora, Maria Semple

A capa da edição brasileira de Cade você, Bernadette? traz estas aspas do escritor Jonathan Franzen: “Devorei este livro”. E logo Franzen, celebrado como “o grande romancista americano” pela revista Time, ganhador de uma série de prêmios literários e autor dos também devoráveis As correções, publicado em 2001, e Liberdade, de 2010.

Uma aprovação (ou vitrine) e tanto. Mas não precisa ser nenhum grande romancista para confirmar a opinião do escritor e se envolver – quase compulsivamente – com Cadê você, Bernadette?. Trata-se do segundo livro de Maria Semple, 49 anos, roteirista das séries Mad about you e Arrested development, que acaba de chegar ao país pela Companhia das Letras. É sobretudo um texto hilário, daqueles que arrancam risos involuntários entre uma e outra página. E uma ironia fina a nós mesmos, à família, às crenças, costumes tecnologias de que tanto gostamos.

Parte do envolvimento que o livro provoca pode ser creditada aos grandes personagens criados por Maria. Suas questões são tão profundas, tão reais e contemporâneas que qualquer um de nós ou de nossos conhecidos poderia povoar a história que se passa em Seattle e começa quando Bee – a filha da arquiteta Bernadette Fox, casada com um alto executivo da Microsoft – se forma no 9º ano com notas excepcionais. Se isso acontecesse, seus pais haviam prometido que ela poderia escolher o presente que quisesse. Em vez de um pônei (como a mãe esperava), ela pede uma viagem de família à Antártida.

É o suficiente para Bernadette entrar em crise. Antes mesmo dos planos para a expedição, ela já evitava sair de casa (inclusive contratou uma assistente remota na Índia com quem troca e-mails o tempo todo) e não se dava nada bem com as outras mães do colégio de Bee. Então ela simplesmente desaparece e movimenta toda a ação do livro – um compilado de cartas, e-mails, documentos e bilhetes recolhidos pela filha a fim de descobrir o paradeiro da mãe.

Nós, leitores, lemos esses registros em ordem cronológica, como se estivéssemos ali, ao lado de Bee, juntando as pistas desse quebra-cabeça. Está aí outra parte do encantamento dessa narrativa que, cheia de viradas, buscas e surpresas, flerta com as técnicas e deduções do gênero policial. A autora é hábil nas mudanças de tom de cada uma dessas vozes que constroem o romance; cada personagem conta sua própria história e se aprofunda em sua própria psicologia a partir dos textos que escreve. Em cada um desses fragmentos da história descobrimos pouco a pouco não só o que aconteceu, mas principalmente quem é essa tal Bernadette. Sua biografia tem tantos mistérios que ninguém ali, separadamente, saberia dizer quem ela é – o que só deixa essa descoberta mais fascinante para quem lê.

Com isso, Maria dispensa a figura de um único narrador, que já sabe de antemão as causas e consequências de cada ponto da história. Chegar a essa técnica, porém, não foi fácil e tampouco automático, como ela nos conta na entrevista abaixo, concedida por e-mail:

Tpm. Em um dos booktrailers de Cadê você, Bernadette?, definir o que é o livro (infanto-juvenil, epistolar etc.) parece um processo difícil, mas também divertido. Como foi a escrita, misturando todas essas formas narrativas?
Quando comecei a escrever, estava passando por muitas questões pessoais… Bastante parecidas com as experiências de Bernadette. Tinha abandonado uma carreira bem sucedida como artista em Los Angeles e tinha acabado de me mudar para Seattle, um lugar de que eu não gostava e sentia que não me encaixava lá. Eu estava incapaz de escrever e de alguma forma culpei Seattle. Por o livro ser tão pessoal, no começo tentei escrevê-lo em terceira pessoa. Porém, depois de mais ou menos 50 páginas, a voz de Bernadette era tão forte e cheia de pena de si mesma e até mesmo tóxica, que não imaginaria que qualquer pessoa aguentaria chegar à próxima página. Eu mal conseguia escrever outra página! E então eu tentei transformar o livro em uma narrativa em terceira pessoa. Mas a energia e a loucura daquela voz tinham se perdido. E só quando escrevi o e-mail de Bernadette para sua assistente indiana, Manjula, que senti um estalo. E, uma vez que escrevi aquela conversa – e amei a energia daquilo --, me ocorreu que talvez eu poderia escrever todo o livro como um romance epistolar. É uma forma que sempre amei. Mas se ia mesmo fazer aquilo, me desafiei a realmente levar as formas ao limite. Queria que as cartas se transformassem em personagens do livro... Queria cartas perdidas, roubadas etc.

 

"Me preocupo com os danos que as mídias sociais estão fazendo com nossos períodos de atenção coletiva, nosso conceito de tempo e nossa habilidade de tolerar o tédio, por exemplo"

 

Assim como Bee, você também estudou no internato Choate Rosemary. E também frequentou o lendário Barnard College (escola liberal de artes só para meninas presidida por Debora Spar, que deu as caras aqui na Tpm #130). Você tem boas lembranças de lá?
Adorei tanto Choate como Barnard. Fui para a Choate de uma pequena cidade no Colorado... Aspen. Naquela época, era uma pequena cidade que atraía esquiadores, não uma capital internacional do jet set como é agora. Então o choque de ir para um colégio interno foi grande. Instantaneamente me vi cercada por crianças espertas e inteligentes da costa leste. Mas logo e alegremente eu me reinventei, então me encaixei bem. A pessoa que sou hoje foi forjada na Choate e sou imensamente grata por essa experiência. Barnard foi maravilhoso. Porque eu já estava longe de casa, morando em um quarto nos meus anos de ensino médio, minha experiência no college foi atípica. Vivia fora do campus, no Greenwich Village, e pegava o metrô para a escolar quarto vezes por semana. Era uma aluna séria, assistia a mais classes do que eu precisava, e tirava sempre A. Barnard foi onde me transformei em uma leitora séria, algo que tem me acompanhado até hoje.

Voltando ao booktrailer, lá você diz que o livro é uma comédia sobre como vivemos agora. Essa vida é diferente de quando você escreveu Barrados no baile ou produziu Arrested development?
Oh, gee, quando disse isso, estava brincando. Não conseguiria começar a analisar a diferença entre como vivíamos antes e como vivemos agora! Mas acho que as mídias sociais estão nos transformando para pior. Estou imensamente alarmada com o quanto todo mundo que conheço está envolvido de maneira cega e sem pensar com o Facebook e o Twitter. Me preocupo com os danos que as mídias sociais estão fazendo com nossos períodos de atenção coletiva, nosso conceito de tempo e nossa habilidade de tolerar o tédio, por exemplo.

Vai lá: Cadê você, Bernadette?, ed. Companhia das Letras, R$ 49,50

Obs.: O site da Maria Semple é uma graça. Além de conhecer a biografia da escritora, vale o clique só pela criatividade da página: www.mariasemple.com

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