Imbatíveis curiosas

por Natacha Cortêz

Dupla de amigas cria web série que mostra experiências de quem deixou o mundo corporativo pra seguir o coração

Criação da redatora paulistana Juliana Mendonça, 26, e da fotógrafa gaúcha Cristiane Schmidt, 26, continuecurioso é uma web série documental independente que retrata experiências de pessoas que se desprenderam do mundo corporativo pra seguir o coração em projetos autônomos.

Para as duas, essas pessoas são curiosos corajosos, que desafiaram seus sistemas e a si mesmos pra ganhar a vida com o que lhes dão prazer. Por isso, elas dizem: “entrevistamos curiosos”. Uma vez por mês, uma nova historia é publicada e um personagem apresentado. Na última semana, saiu o terceiro episódio, contando a mudança profissional de Juss, que trocou o cargo de diretora de arte em uma agência de publicidade pelo trabalho artesanal como estilista em um pequeno ateliê caseiro.

A inspiração para os programas é autobiográfica. Cristiane e Juliana percorreram caminhos muito parecidos com os dos seus entrevistados. Ambas também deixaram carreiras estáveis, bem remuneradas e regradas a horário e prazos pra se arriscar por conta própria. No caso delas, nada foi fácil, mas tudo mais natural e recompensador do que imaginavam. “Não sabemos qual jeito é o melhor ou se existe um jeito certo. Pra achar respostas, o que encontramos foram perguntas. E não importa quais foram, o que importa é que a gente ainda segue perguntando.”

Pra saber mais sobre a série, seus rumos e respostas até agora, conversamos com sua criadoras dela:

 

Tpm . Pra começar, o que fazem profissionalmente e o que faziam antes?
Juliana - Diretora da web série, redatora e filmmaker. Tudo como freelancer. Graduada em Publicidade e Propaganda, trabalhava em uma agência de publicidade.
Cristiane - Diretora de fotografia e editora da web série, artista, fotógrafa e filmmaker. Freelancer por agora.  Graduada em Artes Visuais, trabalhava fixa em um estúdio de fotografia.

 

Vocês duas largaram seus empregos corporativos pra trabalhar de forma autoral. Quais são as delícias e os pesadelos dessa empreitada?
Ju - A parte boa é sentir que seu trabalho faz realmente parte de você. Também tem um sentimento, que parece muito hippie mas tudo bem, que é: me transformar através do trabalho e também transformar as pessoas ao redor. É algo que não só faz bem pra mim, mas também faz bem pra uma galera que não conheço e provavelmente nunca vou conhecer. Claro que nem sempre é assim. Também tenho os momentos de desilusão, problemas, preocupações com grana. Mas é incrível como tudo acaba se ajeitando quando você dá duro e ainda assim consegue se sentir em paz. 
Cris - No meu caso, o trabalho que eu estava já fazia total parte de mim. Eu adorava o ambiente de estúdio e as pessoas ao meu redor, mas como em todo trabalho que se presta para terceiros, acaba existindo questões que você precisa aceitar e que não necessariamente concorda. Logo comecei a me sentir desgastada, pois tinha vontade de fazer várias coisas diferentes e não via espaço pra isso. Foi quando decidi sair para me dedicar mais aos meus projetos e estudos. Ainda trabalho com fotografia, mas hoje tenho flexibilidade para administrar meu próprio horário. 

 

E como surgiu a ideia de criar o continuecurioso? Teve a ver com a nova forma de trabalho de vocês, certo? Começamos a planejar há 6 meses e filmamos o primeiro episódio no final de 2012. A ideia surgiu da nossa vontade de falar sobre novas maneiras de trabalho e novas maneiras de enxergar o trabalho. Percebemos o quanto o mercado está mudando e quão pouco estão falando sobre isso no Brasil. Vira e mexe vemos um vídeo sobre um jovem que vive no interior dos Estados Unidos fazendo objetos de decoração, ou outro que ganhou milhões criando um site. E no Brasil, isso seria possível? É o que queremos descobrir através dos episódios. No início procurávamos pessoas do nosso círculo de amigos, que sabíamos que estavam vivendo o dia a dia sem trabalho fixo e que acreditavam nesta opção. Agora, muitas histórias chegam até nós através do site. 

 

"Quando a gente tá feliz, nos sentimos mais capazes e seguros, com uma sensação de que tudo é possível"

Vocês trabalham menos hoje? São mais livres?
Ju e Cris
 - Liberdade é uma coisa meio maluca. É variável. Se pensamos no horário ou na hierarquização de uma empresa, sim, com certeza somos mais livres. Por outro lado, mesmo em um trabalho mais autoral, somos as nossas próprias chefes, e a cobrança é muito maior. O legal é que agora temos mais opções. Mas pensando a liberdade como um sentimento, acho que ela tá ligada à felicidade. Quando a gente tá feliz, nos sentimos mais capazes e seguros, com uma sensação de que tudo é possível. Então, mesmo num trabalho convencional, quem é feliz é livre. Acho que liberdade independe do formato de trabalho.  

Fazer do hobby apaixonado profissão é coisa pra quem tem sorte ou pra quem quer?  
Ju - É coisa pra quem tem uma coragem gigantesca. A sorte te leva só até um ponto. Pra continuar, tem que levar nas costas, tem que querer. Não dá pra fazer isso com o pensamento "tentei e não deu certo, desisto, isso é coisa pra quem já nasce com dinheiro". Eu não venho de família rica e divido todas as contas com meu marido. O negócio é ser maleável. Se algo não deu certo, não deu certo em determinado momento. Modificando um pouco aqui e ali, melhorando com paciência tudo pode dar certo. E dar certo não significa ganhar litros de dinheiro. Significa viver bem dentro dos padrões que você estabeleceu.

Hoje em dia, acreditam que a mulher coloca mais peso no trabalho que antigamente? Sentem isso com vocês mesmas?
Ju - Mulher coloca mais peso em tudo hoje em dia. E com certeza trabalho entra no bolo. Acredito que isso aconteça porque trabalhar tem a ver com independência e a conquista de algo. Então no fundo (e no auge da minha filosofia particular) acho que nós, mulheres de hoje, estamos buscando aquilo que está por trás do trabalho, a tal da independência e conquista, deixar uma marca no mundo que ultrapasse ser uma boa mãe ou um dos estigmas femininos.
Cris - Independente de todas questões de gênero e de mercado de trabalho hoje, o mais importante é que tem muita gente se questionando sobre esse desequilíbrio entre o trabalho e a vida. Seja homem ou mulher, ambos estão num processo de repensar o que realmente é importante para cada um.    

Entrevistando os personagens do continuecurioso, o que já aprenderam com eles? 
Ju - Nossa, tanta coisa. O mais legal é saber que tem pessoas que pensam da mesma forma e estão aí, vivendo, ganhando dinheiro e levando a vida que escolheram. Acho que a cada episódio é um reaprendizado daquilo que afirmamos no projeto, que é sobre como o trabalho afeta profundamente quem nós somos e aquilo vamos deixar registrado no mundo.

Aqui, dois dos episódios de continuecurioso. O da estilista Juss, e do Thiago Frias, artista plástico, fala de como foi assumir o hobbie apaixonado como profissão e fonte de renda.

 

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