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Flora Matos é parte da história do Rap Nacional

por Nana Tucci
Tpm #111

A fauna de Flora: Aos 22 anos, Flora Matos desafia a ordem masculina do rap e se firma uma das maiores MCs do país

Uma garota brasiliense de 22 anos que canta músicas de amor é a atual bombshell do rap nacional. Em quatro anos, Flora Matos passou da menina que fez um remix de uma música da Céu e gravou um CD com Mano Brown para a MC mais cobiçada do país. Sem medo de parecer mulherzinha porque usa minissaia, gosta de maquiagem e rebola à vontade, conseguiu o que muitas outras já tentaram: cativar um público para quem rap era tedioso e agradar rappers como o badalado Emicida: “A gente teve várias minas na história do rap nacional, mas neste momento os ventos têm soprado a favor da Flora”, diz Emicida.

Desde o fim de 2009, com o lançamento de seu CD demo, Flora Matos VS Stereodubs, e os inúmeros shows, ela passa mais tempo viajando do que em casa. A ponto de não ter conseguido escolher o próprio apartamento, onde mora sozinha. Confiou a missão a uma amiga. Ela acertou: o local escolhido é aconchegante e fica num – raro – pedaço silencioso do bairro da Bela Vista, em São Paulo.

O objeto mais cobiçado de sua sala é uma imensa caixa de fósforos, originalmente um presente enviado por uma marca de roupas com um look para ela usar em shows. Há tapetes felpudos por toda parte e um cabideiro central repleto de chapéus bacanas. Com pinta de indie – calça skinny metalizada, jaqueta de couro e tênis de cano alto – a MC recebeu a reportagem da Tpm numa sexta-feira à noite. Aparece com o delineador perfeitamente retocado, um copo de uísque misturado a Red Bull em uma mão e um cigarro na outra. Senta-se em frente ao laptop, do qual não desgruda durante as três horas de conversa, e ignora formalidades: enquanto não está sendo diretamente abordada, checa os e-mails e assiste a trechos de vídeos no YouTube.

Flora está feliz. Os últimos três meses condensaram as principais novidades em sua carreira. Gravou uma música com Seu Jorge para o novo disco do rapper Talib Kweli – dois dos artistas que mais admira –, a convite do próprio astro norte-americano. Depois, viu o videoclipe de sua música “Pretin” virar hit e emplacar no Top 10 da MTV uma semana após seu lançamento. Polemizou por ter trazido elementos pop ao rap: apareceu sexy, de top e minissaia, cantando “pretin, desse jeito cê me deixa louca...”.

“As pessoas ainda estão se acostumando com a ideia de que mulher que canta rap no Brasil pode ser sensual e feminina, mas nunca senti preconceito da parte deles [dos rappers]”

Uma garotinha que dormia embaixo da bateria para não precisar dormir no Fusca. É assim que o músico baiano Renato Matos descreve como era levar a filha ainda bebê para participar dos shows de sua banda Acarajazz, em Brasília. Antes dos 4 anos, a menina já tocava instrumentos e cantava.

E foi a partir dessas experiências que decidiu ser uma cantora obstinada: “Com 11 anos fui fazer backing vocal e desafinei muito. Fiquei dois anos sem subir no palco, mas depois também não quis mais errar”, sorri, fazendo biquinho, uma de suas marcas.

Flora cresceu entre Brasília e Olhos D’Água, cidade de 3 mil habitantes a 105 quilômetros da capital federal. É a quinta de sete irmãos: Jandira, Abaetê, Zé, Caetano, Julia e Daví. Cresceu livre como aparece no vídeo gravado pelo pai, em que dança “Is This Love”, de Bob Marley, na sala da casa com Zé e Caetano, irmãos do mesmo pai e da mesma mãe. “A gente sempre teve um negócio forte na nossa família de os irmãos se admirarem”, declara Caetano, o que fica evidente em letras de Flora como “Não Tive o que não Quis Ter”.

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Nas palavras do pai, aos 12 anos a filha já estava mulher. Ia sozinha a shows de reggae, escondida da mãe, Áurea, auxiliada por uma amiga com o dobro de sua idade. Aos 13, se apaixonou por rap num show dos Racionais. “Fui ajudar essa minha amiga a montar o camarim deles. Comecei a passar a manteiga no pão e eles chegaram. Toquei alguma coisa no meu violão... Aí, sempre que via os caras em alguma quebrada do Brasil, eles diziam: ‘Olha lá aquela menina de Brasília’.”

A menina chegou a fugir de casa e passar uma semana sem dar notícias à família. “Ia para Pirenópolis com uma amiga, mas mudei de ideia e peguei carona com um hippie que estava a caminho do Maranhão. Só que o cara queria me pegar e não era nada disso. Aí ele me largou em Goiânia e levou a minha mala. Eu, sozinha, e tudo o que pensava era: ‘Poxa, minhas roupas...’”, diverte-se, contando que acabou pegando carona de volta para Brasília. Nessa viagem, tatuou um Sol nas costas. Ela levanta a blusa e mostra, com cara de insatisfação. Quer apagar.

“Me liguei que preciso viver paixões para fazer músicas lindas. E elas são o que sobra de mais legal de todas as minhas coisas”

Flora confessava essas e outras histórias em um diário que, certo dia, a mãe leu. Tinha 14 anos e decidiu se abrir com ela. Contou que cabulava aulas, pulava o muro da escola e passava o dia na vizinha Escola de Música de Brasília. Nessa altura, já estava obcecada pelas batalhas de rap do Rio de Janeiro e assistia a elas pela internet. “Falei que não queria mais estudar e pedi pra ela guardar dinheiro e pagar minha passagem pra eu batalhar.”

Rap de mulherzinha

O pedido foi atendido e, em 2006, foi para o Rio. Em uma dessas rodas, conheceu Emicida, para quem Flora tem um potencial criativo incomum. “O grande lance é que ela não é uma mina que fica reclamando que é mina. Tem umas garotas que cantam ‘eu sou mina, mas também represento’, ‘quero meu espaço’, essas coisas. A Flora canta de igual pra igual com qualquer MC, seja o Mano Brown ou um moleque de 15 anos”, acredita.

Flora vive em um meio predominantemente masculino que não disfarça certa misoginia, mas não se sente injustiçada por ter de buscar um espaço que um MC talvez não precise. “As pessoas ainda estão se acostumando com a ideia de que mulher que canta rap no Brasil pode ser sensual e feminina, mas nunca senti preconceito da parte deles [dos rappers].” O que parece incomodá-la de fato é a atitude de certas MCs. “Algumas usam de artifícios sexuais para conseguir as coisas. Isso faz os caras acharem que toda mulher do rap é assim e passa uma mensagem de que a mulher precisa dar para conseguir as coisas”, acredita.

As letras dela falam principalmente de amor. São canções autorais que acompanham as fases da menina virando mulher. No início de 2011, após o término de um namoro, passou por uma transformação visual: emagreceu, renovou o guarda-roupa e andou fuçando em maquiagens. Dessa nova fase brotou a música ainda inédita “Me Apaixonei por Mim”. “Foi aí que me liguei que preciso viver paixões para fazer músicas lindas. E elas são o que sobra de mais legal de todas as minhas coisas”, filosofa.

“A Flora canta de igual pra igual com qualquer MC, seja o Mano Brown ou um moleque de 15 anos” Emicida

A MC está em São Paulo desde 2007, quando foi chamada para gravar o remix da música de Céu junto com o MC Fator. Antes de vir já decidiu que ficaria e “tudo tem acontecido devagarinho, do jeito que deve ser”. Seu pai confia plenamente nela: “Me preocupo mais com filho meu que mora perto do que com ela em São Paulo: ela sabe o caminho, sabe onde atola e onde não atola”, afirma Renato Matos.

Além do remix de “Véu da Noite” e da participação no disco O Jogo É Hoje, de Mano Brown, Flora já gravou com o grupo NxZero, foi indicada na categoria aposta MTV no Video Music Brasil (VMB 2010) e ouviu sua música “Pai de Família” na rádio da BBC, em Londres. Embora não tenha previsão de lançamento, seu disco de estreia já tem nome: Do Lado de Flora. Só falta decidir se vai lançá-lo com selo próprio ou em parceria com uma gravadora.

“Ela é uma figura fantástica. Tem personalidade forte como toda mulher do rap”, resume a amiga e MC Karol Konká. Flora Matos é uma espécie de versão mais jovem da norte-americana Lauryn Hill. Ambas fazem músicas que são verdadeiras explosões sonoras. E seus temperamentos são explosivos. Se algo sai milimetricamente diferente do que foi idealizado, Flora reage no impulso – caso dos comentários negativos do videoclipe de “Pretin”, que foram banidos do YouTube.

Como sente necessidade de ter sempre o controle, é ela quem fecha os contratos de shows, além de optar por não trabalhar com um só DJ. O Cia, seu frequente parceiro, reclama com bom humor que ela é avessa a ensaios. Quem trabalha com ela sabe que é assim, como numa equação simples e rimada: é do lado de Flora ou do lado de fora.

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