Eu acredito em Papai Noel

por Elka Andrello

Quem trouxe ele não foram as renas mágicas, mas uma fuga perigosa pelo Himalaia.

Eu encontrei com ele em um lugar inesperado. O velhinho de barba branca que mudou a minha vida para sempre, estava me esperando na livraria Fnac de Pinheiros. Como o ímã de uma bússola encontra o norte certeiro, eu encontrei o meu velhinho de barba branca. Mas o meu não veio do Pólo Norte, ele veio do topo do mundo, do lado de lá das montanhas do Himalaia, do reino do Tibete. Quem trouxe ele não foram as renas voadoras, mas uma fuga perigosa dos chinenes que invadiram o Tibete em 1959.

O nosso encontro já estava marcado no meu coração, vida após vida. Dizem que quando você encontra seu professor, pede para ser sua aluna e ele aceita te ensinar o caminho do meio, ele nunca mais desiste de você, e vida após vida ele te encontra, seja quando for, seja onde estiver. O relacionamento mais íntimo de todos.

Dessa vez foi assim: um dia eu acordei me sentindo muito incomodada e nada do que eu estava acostumada a fazer para ficar feliz funcionava mais. Eu estava procurando uma coisa, mas não sabia o que era. E eu, que estava acostumada a ver a vida pelos olhos, não entendi muito bem aquele zumbido do meu coração. Foi horrível, só piorava, eu me perguntava dèsolè: “cara, o que é isso que eu preciso achar?!”. Um belo dia acordei com a resposta: eu preciso aprender a cantar mantras! Assim, out of the blue. Decidi que precisava aprender a cantar mantras como quem olha no espelho e decide que está na hora de cortar o cabelo. E lá fui eu para o lugar mais óbvio do mundo na minha cabeça, uma livraria, é claro.

A sessão de livros de religião e auto-ajuda era grande e lotada de livros do Dalai Lama e outros gurus. Pedi ajuda para o vendedor que pediu ajuda para o computador, e achamos vários livros de mantras com as mais diferentes finalidades, “como fazer as plantas crescerem com mantras” e por aí vai. Escolhi um livro de mantras, mas o zumbido no meu coração não parou. Do nada, fui até o canto de baixo da prateleira, bem no final, no cantinho, e encontrei um livro preto, com a foto de um velhinho-barbudo-de-cabelo-branco-com-um-coque-no–topo-da-cabeça-mais-incrível-do-mundo na capa. Olhei para a foto como se olha para o retrato de um velho conhecido e levei o livro para casa.

Meses depois fui à casa do meu amigo Marcão, vocalista do Lobotomia, em Visconde de Mauá. Ele morava em uma cabana style de madeira no meio do mato, no melhor estilo iogue da montanha. As paredes eram cobertas por mantras em tibetano, e para a minha surpresa, fotos do velhinho-incrível-do-livro, que , tchanannmmm, era o Chagdud Tulku Rinpoche, um grande mestre de budismo, o professor tibetano que o Marcão sempre falava. Outros tantos meses depois, o Marcão me liga e me convida para conhecer o professor dele, que iria inaugurar um centro de budismo em São Paulo. Topei na hora e fui muito feliz conhecer o tal centro budista. O lugar estava super cheio e tive de esperar um tempão para conseguir entrar e ver o Rinpoche. Um tempão, nesse caso, foram 28 anos nessa vida.

Quando eu finalmente consegui entrar, sentar de pernas cruzadas na frente do Rinpoche e olhar para ele pela primeira vez, a sala ficou brilhante, como se estivesse cheia de pó de pirlimpimpim, e a minha voz falou aliviada em alto e bom som no meu próprio ouvido: “você não precisa mais ter medo, você achou quem você estava procurando”. Isso foi em 2000, mas me lembro como se fosse agora a minha felicidade e sensação de paz. E a vida nunca mais foi a mesma.

O meu "papai noel" não fala “ohohoh”, ele fala “keep going”.Ele me deu o vale-presentes mais valioso de todos. Mais valioso que um diamante, um jato ou uma bola autografada pelo Pelé. Ele me ensinou a “keep going”. Quando tudo está confuso, esquisito ou desconfortável, eu lembro:  “keep going”, e confio que vai passar. E com um sorriso no rosto lembro que nada é permanente, que eu colho o que planto e que a vida é muito curta para perder tempo reclamando.

 

 

 

 

 

 

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