por Carol Sganzerla
Tpm #97

As cariocas que mostram suas vidas no seriado de TV Nós 3 são o retrato de uma geração?

Elas têm 20 e poucos anos, são bonitas, cariocas, livres, bem-nascidas, baladeiras, tatuadas, universitárias, lançam tendências – e têm suas vidas exibidas sem censura na TV. Toda semana, entre os meses de outubro e janeiro passados, no horário nobre do canal a cabo Multishow, Cecília, Yasmin e Dinha formaram o Nós 3, reality show que acompanhou o dia a dia das moças por quatro meses, mostrando seus anseios, viagens, faculdades, estágios, namorados, festas, bebedeiras e, como em qualquer amizade entre mulheres, brigas.

Não foram poucos os desentendimentos – e o principal, entre Dinha e Yasmin, culminou na saída da primeira. Ali, nada foi arranjado. Câmera e diretor estavam passos atrás das protagonistas. Tanto que as meninas não se falam até hoje – amigas, amigas, namorados à parte. Entra em cena, então, Amanda, figurante de alguns episódios anteriores, para substituir, aliás, uma de suas melhores amigas na segunda temporada do programa, prevista para julho. “Uma coisa que não esperávamos era a forma como as amizades foram se construindo e se destruindo durante a primeira temporada. Quando elas eram mais novas, as amizades dependiam de poucas coisas. Depois aconteceram algumas mudanças de comportamento”, conta o diretor do programa, Tiago Lins.

Quando se tem 20 e poucos anos, pode ser, sim, que a preocupação da vida de uma menina seja a briga com a amiga que ficou com seu ex-namorado, a roupa que vai à festa ou o quanto os outros gostam de você. Nesse sentido, o reality show foi muito criticado pelos diálogos fúteis, de meninas que, supostamente, têm a vida ganha. “Ao mesmo tempo é o que as pessoas querem ver, não vão achar legal me ver no trabalho, pagando conta no banco. Querem ver barraco, briga, meninas bêbadas na boate. Muita gente diz que o programa não mostra a realidade dos jovens do Brasil, mas essa, querendo ou não, é uma parte da realidade, embora a maioria das pessoas não viva nela. Tenho consciência disso”, solta Yasmin.

“Muita gente diz que o programa não mostra a realidade do Brasil, mas essa, querendo ou não, é uma parte da realidade”

Segundo Diana Corso, da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, essas garotas encarnam coisas que idealizamos. E o fato de serem jovens, ricas e bonitas só potencializa isso. “Elas têm o mundo nas mãos para fazer dele o que quiserem. Em muitos momentos são o que gostaríamos de ser”, explica. “Não escolheram marido, pai do filho, profissão... Têm tudo pela frente, são puro potencial. É bem mais atraente assistir à liberdade de opções do que acompanhar conquistas realizadas. Elas podem ser qualquer coisa porque suas escolhas ainda não foram feitas”, conclui a psicanalista.

De acordo com Tiago Lins, o diretor, dificuldades como falta de dinheiro não eram para ser foco no reality show. “Não queríamos dramas”, comenta ele, enfatizando ainda que o programa “não tem o objetivo de ser educativo, apenas retrata a realidade dessa faixa etária e classe social”.

Girls just wanna have fun.

 

Cecília Papi, a Cix

Ela fez a primeira tatuagem, uma estrela no dedo, aos 15 anos. Hoje, soma mais 14 delas, como uma pata do seu yorkshire Elvis e uma liga de renda que contorna sua coxa esquerda. Difícil desviar os olhos de Cecília na tentativa de descobrir os desenhos que ilustram seu corpo mignon de 24 anos. Por onde anda, olhares são direcionados a ela. “Vejo minhas tatuagens como fases da vida, não me arrependo de nenhuma”, opina ela, que ganhou com o programa um motivo a mais para atrair comentários nas ruas do Rio de Janeiro.

Reservada durante a entrevista e mais desinibida na sessão de fotos no morro da Urca, Cecília confere cada imagem. Ajeita o cabelo sem parar e pede para não ser retratada de frente. Cix, seu apelido desde que criou um fotolog, sabe qual é seu melhor ângulo, já que posta fotos suas na internet desde 2003. Seguindo a ideia de um diário visual, foi com uma câmera fotográfica que começou a registrar as noitadas. Com horas de vídeo em mãos, pedia para o amigo Tiago Lins ajudá-la a editar o material para colocar na internet. O amigo, que trabalhava no Multishow e se tornou um dos diretores do programa, levou um vídeo piloto e o canal comprou a ideia de contar o dia a dia das três amigas. “Do que mais vou gostar daqui a um tempo é ver parte da minha vida registrada. O mais interessante para as pessoas assistirem é a gente saindo, falando besteira, rindo, brigando”, revela a carioca. “Sei que o Nós 3 é criticado por não refletir a realidade. Mas não sou só isso. E em nenhum momento tivemos a pretensão de retratar o Brasil.”

Cecília é a cabeça do trio, a mais velha e a primeira a se formar na faculdade, de design gráfico. Hoje, quer que seu projeto de conclusão de curso, um espaço itinerante de artes, saia do papel e se torne uma de suas fontes de renda. Agora, graduada, ouviu dos pais, advogados, que “a moleza acabou”. Enquanto não acha um trabalho que a agrade, Cix vai fazendo bicos de DJ em festas, junto com Yasmin, com quem também toca um bazar virtual, que põe à venda roupas usadas e acessórios trazidos dos Estados Unidos – para onde vai com frequência, visitar o namorado. Foi lá em San Diego, na Califórnia, que conheceu o norte-americano Nick, dois anos atrás, época em que trabalhou num hostel em troca de hospedagem, seu único emprego até agora. Quando questionada sobre o fato de não ter estagiado durante a faculdade, Cecília diz: “Me sinto pior mais pelos outros do que por mim mesma. Meus pais acham um absurdo eu não trabalhar. Mas cada um tem um tempo”, defende a menina, que quer atuar na área de moda, não pensa em ter filhos e não tem pressa de viver.

 

Amanda Tavares, a Dika

Filha de pai egípcio e mãe mineira, há seis meses Amanda voltou para a casa dos pais depois do término de seu casamento. Com 20 anos, ela disse “sim” a Léo, dez anos mais velho, seu namorado desde os 17. Decidiram casar durante uma viagem pela Indonésia, Malásia, França e Itália. Foram quatro anos de relacionamento – um deles, casados – até os desentendimentos cotidianos botarem fim na história. A menina ainda não se acostumou à nova vida. “Estava feliz na minha casa, pagando minhas contas, voltar a morar com os pais é a experiência mais sinistra do mundo. Depois da separação cresci muito e está sendo um aprendizado”, desabafa. Amanda se vê às voltas de confusões como a divisão do cachorro, Chico, presente de casamento, e das amigas, que também convivem com o ex. Ela acredita que o mau-olhado prejudicou sua relação. “Imagina só, fiz uma viagem maravilhosa por dois meses, fui a primeira amiga a casar, fui morar com meu marido no Jardim Botânico, ano passado ainda fizemos uma viagem para a Disney, isso tudo com 20 anos. É muita inveja”, afirma ela, já de namorado novo.

A nova fase da vida de Dika, como também é conhecida, poderá ser acompanhada na segunda temporada de Nós 3. Ela entra no lugar de Dinha, uma de suas melhores amigas. “Não tomei partido, mas preciso combinar de cada dia sair com uma”, posiciona-se. Atualmente, Dika se dedica ao terceiro ano da faculdade de administração, depois de trancar a de geografia, na PUC. A mudança aconteceu, entre outras coisas, pelo custo alto da faculdade. “Ficou puxado para os meus pais e, na época, como já pensava em morar junto, não achava legal eles pagarem meu curso comigo fora de casa”, conta Amanda, que ainda comemorava sua entrada no reality show quando conversou com a reportagem da Tpm. Não continha o sorriso – sempre aberto – nem a ansiedade.

Pela postura e pelo papo, Amanda transmite maturidade para seus 21 anos. Sabe que a vida não é feita só de alegrias: já viu o pai falir e construir tudo de novo, perdeu um meio-irmão num acidente de carro quando tinha 16 anos e, aos 17, submeteu-se a uma cirurgia para a retirada de volume dos seios. “Não podia ficar 5 minutos em pé sem encostar em algum lugar, porque desmaiava de tanta dor na coluna.”, lembra. O sutiã tamanho 56 passou a ser 46, e só aí ela usou sua primeira regata. “A autoestima foi lá em cima, foram os R$ 6 mil mais bem gastos da vida”, conta Amanda, que vai à academia todo dia, pensa em voltar a dançar jazz, como fazia na infância, e sabe que seu tempo de menina ficou para trás.

 

Yasmin Vilhena

Yasmin levou um susto quando se viu no reality show. “Não tinha noção de que não iriam editar como queríamos. No primeiro episódio estou bêbada, falando para um menino que odiava ele. Fiquei um mês sem aparecer na casa da minha avó, com vergonha”, conta a menina. Com o tempo, a carioca percebeu que o programa servia como terapia. “Você tem que se ouvir para aprender. Vi que várias atitudes não foram legais, serviu para amadurecer”, conclui.

A vida fez Yasmin amadurecer mais cedo. A menina perdeu o pai, artista plástico e engenheiro da Petrobras, aos 4 anos, num acidente. Aos 9, mudou-se para a Suíça por causa do terceiro marido da mãe, porém em dois anos voltaram para o Brasil. Passados mais três anos, um novo relacionamento fez mãe e filha retornarem à Suíça. Aos 17, as duas voltaram para o Rio e, aos 18, Yasmin decidiu seu futuro: a mãe iria e ela ficaria. A menina foi morar com os dois irmãos mais velhos (do primeiro casamento da mãe). “Tem dias em que você está de saco cheio e quer alguém para fazer as coisas para você. Ao mesmo tempo, prefiro minha liberdade. Para mim, ela veio um pouco antes”, acredita ela, que trouxe na bagagem da Europa quatro idiomas: alemão, francês, inglês e espanhol.

A grana com que Yasmin vive vem da pensão indenizatória da Petrobras pela morte do pai, direito concedido a ela até agora, ao completar 21 anos. Por enquanto, guardou dinheiro para cursar publicidade na ESPM, como tanto queria e, até o fim de janeiro, estagiou por seis meses na empresa distribuidora da Melissa. Agora, procura outro trabalho relacionado a marketing. “Me incomodava o programa não mostrar nossa vida toda. Tinha semanas que eu trabalhava muito, e era mostrado um trecho de 2 minutos no trabalho e 10 minutos na balada”, desabafa. Agora, ela planeja uma mostra com os quadros de autoria do pai. Há 17 anos, sua mãe fez uma primeira exposição no parque Lage, e ela quer repetir o feito. Se tudo der certo, Yasmin inaugura a mostra ao mesmo tempo em que estreia a próxima temporada de Nós 3.

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