por Ariane Abdallah
Tpm #83

A professora de ioga dos clubes chiques de SP revela seus segredos

Se você é habituée dos clubes de São Paulo, certamente já ouviu falar da senhora que, há quase meio século, ensina ioga para a elite da cidade. Se não, vai conhecer agora dona Celeste, que, aos 85 anos, pratica de manhã até a noite – e não abre mão da novela e dos bolinhos de chuva

Para entender Celeste, pense na sua avó. Ou em outra senhora que faça bolinhos de chuva, não perca a novela e passe a vida servindo os outros sem alardear suas mazelas. Pense também em uma monja. Capaz de ficar 21 dias em jejum, dormir quatro horas por noite e levantar antes de o sol nascer para meditar.

Agora some uma mulher que trabalha das sete da manhã às nove da noite e não tem tempo para preparar seu suco de salada ou para curtir os filhos.

Celeste foi a primeira mulher a ensinar ioga em São Paulo.Há 45 anos, quando ela começou a dar aula para a elite dos clubes Pinheiros, Harmonia e Paulistano, esse estilo de vida ainda não era popular no país. Ela bem que tentou, mas logo desistiu de explicar para os alunos filosofias que aprendia em livros estrangeiros. Especializou-se em aulas práticas, em que as pessoas dominassem o corpo e desempenhassem as demais atividades do dia com a mente mais tranqüila.

Muita calma e bucha dura
A ferramenta que Celeste apresenta para seus alunos foi a mesma que lhe deu estabilidade quando se separou do marido, perdeu dois de seus três filhos e fez cirurgias na coluna e nos joelhos – ela leva tombos freqüentes desde a infância. Nunca teve mestres porque não encontrou, mas também nunca teve dúvidas do caminho a seguir. Começou a imitar as posturas de um livro, escondida do marido, 56 anos atrás. “Ele dizia que eu enlouqueceria sem mestre. E tinha razão: fiquei louca pela ioga.” Com os pés no chão, ela aprendeu a ouvir a intuição e a não questionar a disciplina. Logo virou aluna de Shimada, 80, professor de judô de seu marido e primeiro homem a ensinar ioga na capital paulista. Até que virou professora da academia dele. De lá, foi para o Jockey Club de São Paulo (onde ficou 40 anos), para os clubes onde está até hoje e para o curso de pós-graduação em ioga da FMU, há 10 anos. Celeste não se lembra de um dia ter perdido a hora ou cedido à preguiça. Talvez por isso sua vida seja tão simples.

Ela tem a coluna ereta, não toma remédios e há sete anos vai trabalhar com o mesmo motorista de táxi, o Jair, que almoça em sua casa às quartas-feiras. No clube Pinheiros, a professora dá aula com roupa social e colar de contas e corrige os alunos sem cerimônia – “Não é assim!”, exclama, ao mesmo tempo que ajusta as costas da repórter – na prática da tradicional hatha ioga. Enquanto a sala segue concentrada, do lado de fora jovens atletas e bebês com babás desfilam pelos corredores a céu aberto. Na Sociedade Harmonia de Tênis, que tem seletos 4 mil sócios (em comparação a 35 mil do Pinheiros), o esquema é mais familiar. Rodrigo de Lacerda Meirelles, diretor de esportes do clube, tem 35 anos e contato com Celeste “desde que se conhece por gente”. Na verdade, há 30, quando ela foi contratada. “Recentemente, introduzimos o Pilates. Mesmo assim, as aulas da Celeste estão sempre cheias”, garante ele.

Ana Helena E. F. Oliveira tem 26 anos e é formada em administração de empresas. Desde 2001, não abre mão de duas vezes por semana fazer aula com Celeste no Club Athletico Paulistano. “Até tentei outra ioga, mas achei estranho. Ela tem uma serenidade e uma força que me estimulam até a praticar sozinha em casa”, diz a garota. A tradutora Laura Ferrari começou a freqüentar as aulas no mesmo clube aos 16 anos. “Eu era muito mental”, lembra ela, que parou por 18 anos e voltou em 2001. “Encontrei a professora nos mesmos lugar e horário, dando a mesma aula”, conta a agora instrutora de 41 anos. A sobrinha de Celeste, Lídia, 53, também foi e voltou às aulas e hoje é sua assistente. “Ela é minha sucessora, está mais preparada que eu. Além de ter minha orientação, faz cursos”, defende a mestra. Como Lídia, outras alunas sempre assessoram e visitam a orientadora quando necessário. Por exemplo, quando Celeste fez uma cirurgia nos joelhos, em 2008. “Eu só soube que ela ia operar um dia antes”, conta Lídia, que chama a atenção para o perfeccionismo da tia. “Agora ela está se permitindo alguma fragilidade”, observa.

Celeste é ágil para cumprir o que combina com a Tpm, como ligar para o professor Hermógenes, 87, seu amigo e pioneiro na ioga do Rio de Janeiro, e separar fotografias – mas só depois da novela das oito, que vê com Joaquina, a moça que trabalha em sua casa há dois anos e, há um, é sua aluna. “Celeste não se queixa de nada. Só de dor às vezes”, conta a empregada, que sabe que a patroa não gosta da mesma sopa duas noites seguidas. “Ela é uma criatura que come e repousa o mínimo possível e trabalha o máximo possível”, resume Hermógenes, que conheceu Celeste nos anos 50, quando os dois começavam na profissão.

Quando a repórter pergunta o segredo da pele viçosa, pensando que ouvirá conselhos de uma iogue anciã, Celeste solta: “A única coisa que uso é uma bucha bem dura, que comprei nos Estados Unidos”. Sobre a alimentação, ela desmistifica: “Já passei a fase radical, de macrobiótica e vegetariana. Nessa época meus filhos fugiam na hora do almoço”, ri. “Hoje como e bebo o que tiver, mesmo que seja carne e vinho.” Sua preocupação é não dar trabalho para os outros e, ao confessar isso em tom de segredo, não deixa dúvida de sua porção “avó”. Não demora para Leon, de 19 anos (ela tem duas netas e um neto), chegar a sua casa. Ele é herdeiro de Marcel, o único filho vivo de Celeste.

Lançadora de moda
Da última geração da família que era dona das fazendas que hoje representam Monte Verde (SP), Celeste não nasceu em berço de ouro. Na infância, já tinha habilidade para mexer em cabelos, e Nise, 92, uma de suas irmãs, conta que o sobrado da família lotava de fregueses. Ela só virou cliente de salão profissional há um ano, por causa de um problema no braço que a impede de fazer o mesmo coque da vida toda. Por onde passa, é chamada de exemplo graças ao bom humor e à mesma atenção que dispensa para um mendigo, um filho ou um aluno. “Arrumei muito problema com meu marido porque eu levava gente de rua para casa. Dava banho, comida...”, lembra ela, que casou com um artista plástico francês em 1952.

Por causa do casamento, Celeste abandonou o balé, mas não abriu mão de ganhar seu dinheiro como costureira de vestidos, até começar com as aulas de ioga. Como gostava de esportes, se tornou a primeira mulher, entre brasileiros e japoneses, a praticar kendo, uma luta de espadas de samurai. Ela ainda amamentava quando decidiu um campeonato entre São Paulo e Paraná, em três golpes sobre um atleta mais avançado que ela.

Durante os dez anos de casada, sua vida correu sem alterações no tom de voz. “Até que, numa noite, meu marido falou: ‘Nós vamos nos separar’. Fiquei petrificada. E ele: ‘Cansei de família’.” Em seguida, ela soube que ele estava se relacionando com uma modelo. Mas não usa a palavra “ex” enquanto fala do próprio, que morreu há quatro anos depois de ficar cinco numa cadeira de rodas.

Celeste não teve tempo para lamentar a separação, pois já começava a trabalhar fora. Doze anos depois, estava dando aula, quando André, o filho mais novo, morreu num acidente de moto, aos 16 anos. Ela não demorou para reatar com o primeiro namorado, que vivia nos Estados Unidos, e, sete anos mais tarde, eles marcaram o casamento. “Ele viria ao Brasil num dia e, na véspera, morreu dormindo. Acredito que foi de emoção”, diz ela, que recebeu a notícia pelo filho mais velho. O ano era 1987 e, 15 dias depois, também trabalhava quando perdeu mais esse herdeiro, aos 34 anos. Internado com uma intoxicação alimentar, Phelippe foi vítima de um choque anafilático. “Sinto falta de tê-los curtido mais”, confessa Celeste. “Ela trabalhava muito, mas se dedicava à família, e nós a acompanhávamos”, conta Marcel, o filho que vive na França e liga todo domingo para a mãe.

 

Aos 85 anos, Celeste jura não saber quanto ganha, “só vejo se tem dinheiro na conta”. Mas não pretende abrir mão do conforto da casa espaçosa, com jardim, edícula e sala de estar onde também dá aulas. Nem da rotina de viver um dia por vez. “Nunca programei aula. Sinto na hora, pelos alunos, as posturas que devo passar”, explica ela. “Celeste tem a capacidade da generosidade que não é expressa no sentido de partilhar objetos ou oferecer presentes. Ela oferece presença, encoraja quando a gente está fraquejando”, define a argentina Lia Diskin, que é co-fundadora e presidente do Instituto Palas Athena (com o foco em aproximar as culturas oriental e ocidental), em São Paulo, e amiga de Celeste há 30 anos. A Tpm também ouviu depoimentos de funcionários do clube Pinheiros tão antigos quanto Celeste. Camilo, que há 38 anos cuida de eventos muitas vezes preparados pela colega, confessa que a postura dela mudou a maneira dele de agir. “Tenho um temperamento agitado e grosseiro, e a convivência com Celeste me inspira a ser mais calmo”, lembra ele. Ela se emociona ouvindo-o falar. E isso lhe dá mais disposição para seguir sua vida sem titubear.

TPM+ Misture pepino, acelga, beterraba, maracujá... e faça você mesma o suco de salada da Celeste. Veja a receita completa

Suco de Salada da Celeste

Aos 85 anos, a primeira professora de ioga de São Paulo já perdeu a conta de há quantos anos toma o "suco de salada", que virou sua marca registrada entre amigos e familiares. "Em vez de comer os legumes e verduras, bato tudo e tomo", explica ela. Aprenda a receita da mestra

Por Marcela Buquera

Ingredientes
- Acelga
- Tomate
- Pepino
- Cenoura
- Gengibre (em conserva)
- Iogurte natural (ou com sabor neutro, como coco)
- Suco de laranja, abacaxi ou maracujá (preparados da própria fruta)
- Beterraba (que, antes de misturada aos outros ingredientes, passa por um preparo especial)

Preparo da beterraba
Cozinhar a beterraba com água e açúcar a gosto. Depois de pronta, cortá-la em cubos e acrescentar 3 ou 4 cravos, pimenta do reino em grãos a gosto e vinagre de maçã (a mesma quantidade que tiver de água). Espere ferver. Quando começar a borbulhar, desligue o fogo e prove. Se estiver muito ácido, acrescente mais açúcar.

Modo de preparo do suco
- Bater tudo no liquidificador até virar um caldo.
- Manter na geladeira por, no máximo, três dias.
- Beber em temperatura ambiente.

N.R.: as quantidades dos ingredientes variam de acordo com sua preferência e com a quantidade de suco que pretende fazer

 

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