por Paula Rothman
Tpm #82

Um quarteto que vai da atriz Fernanda Freitas à mulher que cantou com os Beatles

Da atriz que é mais que um rosto bonito na novela das seis à mulher que dividiu um microfone com John Lennon, quatro cariocas e seus segredos

 

Fernanda trabalha com...

A atriz Fernanda Freitas já fez coisas tão díspares como trabalhar com a Xuxa e atuar em Tropa de Elite. Tem 28 anos e alcançou seus objetivos muito antes de ser atriz de novela das seis (no caso, Negócio da China). A utopia de infância aconteceu em 2000, quando se tornou assistente de palco no Planeta Xuxa. A bailarina dentro de Fernanda falou mais alto, e ela trocou a faculdade de psicologia em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, para se tornar uma das Garotas do Zodíaco do programa. Hoje, com um curso profissionalizante de atuação nas costas, não precisa mais dividir apê com as colegas Sagitário e Escorpião. Depois de novelas e longas (ela também fez Cidade Baixa), viu outro sonho acontecer em 2007: “Estreei no teatro!”. Foi na peça Ensina-me a Viver, em que conheceu o parceiro de futuros trabalhos, o ator Arlindo Lopes. Menina sonhadora, ela quer mais: “Ainda vou correr o mundo!”.

 

...Arlindo, que contracenou com...

Em uma quarta-feira de outubro, Arlindo Lopes, 29, tinha encontro marcado com uma garrafa de champagne. O compromisso tinha seu mérito: comemorar as vitórias da peça Ensina-me a Viver no prêmio Qualidade Brasil. Os troféus de melhor espetáculo, diretor, atriz e, claro, ator enchem o carioca de orgulho. Para viver um adolescente fascinado por cemitérios, Arlindo fez um intensivo: “Passei três dias enfiado em velórios!”, conta, sobre o preparo para a peça que montou. O dinheiro veio do filme Cazuza, onde, de cabelão enrolado, seu personagem ficou idêntico ao baixista do Barão Vermelho. “Até a mãe dele quis ter certeza de que o marido não tinha pulado a cerca com minha mãe”, brinca. Além de sucesso, a carreira trouxe boas amizades, como a de Marya Bravo, que emprestava o sofá para Arlindo dormir em 2006, quando contracenaram no musical Cauby, Cauby. “É danada essa menina...”

 

...Marya, filha de...

Para entender Marya Bravo, você precisa saber primeiro que o tom de seus cabelos muda constantemente – ao longo de 37 anos, todas as cores possíveis passaram pelas madeixas. Segundo que ela, aos 4 anos, já era cantora profissional – era dela a voz do “crem, cremo, cremo,Cremogema”. Prestes a lançar o CD A Vingança É um Prato que se Come Frio, no qual transforma frustrações amorosas em música, declara: “Coloco o que sinto na arte. É assim com minhas tatuagens”. Marya tem quatro delas: nos braços, seu nome e sobrenome; nas costas, o nome da filha de 15 anos (Morgana) e uma coroa, com sete pedras na base, feita quando estrelava o musical Sete. Com o sucesso de Beatles no Céu de Diamante, seu mais recente musical, a próxima tatuagem será um trecho de música dos garotos de Liverpool. “Minha mãe é quem vai ficar feliz. Ela sempre foi fã dos Beatles e, com 15 anos, teve uma oportunidade de gravar com eles, sabia?”

 

...Lizzie

Lizzie Bravo, 57, já cantou com nomes da MPB como Djavan e Milton Nascimento, mas se orgulha mesmo é de ter dividido o microfone por três horas com John Lennon. Lizzie viu os Beatles já no primeiro dia em que pisou em Londres,em 1967. Em frente ao estúdio da banda, com apenas 15 anos, ela teve a certeza de que não usaria tão cedo a passagem de volta ao Brasil. Pelos três anos seguintes, dividiria o tempo como babá em casa de família e fã de porta de estúdio. Assim como dezenas de outras garotas, Lizzie era mais uma a esperar por um autógrafo.“Até que, em 1968, o Paul abriu a porta e perguntou quem poderia sustentar um agudo”, conta. Com o talento de quem nunca precisou fazer aula de canto, ela foi levada para a primeira gravação de “Across The Universe”. Das centenas de fotos inéditas que hoje reúne em um livro ainda em processo de criação, Lizzie não tem nenhuma daquela tarde.“Sonhos, quando acontecem, não precisam de foto.”

TPM+  As peças de Arlindo, o som de Marya e a história de Lizzie, que cantou com os Beatles, no www.revistatpm.com.br

Saiba onde encontrar Arlindo Lopes, que você conheceu na Tpm de novembro

Aos 19 anos, quando assistiu pela primeira vez ao filme Harold and Maude, sucesso em 1971, Arlindo Lopes decidiu que iria adaptar a história para o teatro. Quase uma década depois, ele comprou os direitos autorais da história de amor entre um “senhor” de quase 20 anos obcecado pela morte e uma “jovem” oitentona. Em 2008, Ensina-me a Viver completa um ano em cartaz com a veterana Glória Menezes como protagonista feminina Maude. Ela e Arlindo, que interpreta Harold, venceram o Prêmio Qualidade Brasil desse ano (que premiou ainda o espetáculo e o diretor João Falcão) e já atraiu mais de 100 mil pessoas aos teatros de São Paulo, Porto Alegre e Salvador. Agora está em cartaz no Rio de Janeiro.

Vai Lá: teatro Leblon – Sala Marília Pêra, (21) 2529-7700, r. Conde de Bernadote, 26, Rio de Janeiro. De quinta a sábado, às 21h; domingo, às 20h. Até 21 de dezembro. Nova temporada entre 8 de janeiro e 22 de fevereiro de 2009. Para saber o que mais Arlindo anda aprontando por aí, acesse: www.primeirapaginaproducoes.com.br

 

Conheça a história de Lizzie, que cantou com os Beatles

Meu pai já tinha trazido um disco dos Beatles pra mim de uma viagem aos Estados Unidos, mas a beatlemania entrou de vez na minha vida quando fui ver A Hard Day's Night, ou Os Reis do Iê-iê-iê, pela primeira vez, com meu irmão Ricardo e nossa amiga Helena. Foi ela que insistiu em nos levar ao cinema naquela tarde que mudaria minha vida.

Fiquei fascinada pelo grupo e conheci várias jovens como eu – nossa amizade continua até hoje. Víamos o filme várias vezes ao dia, quase morávamos no cinema e nos escondíamos no banheiro entre as sessões, pois era a única maneira de ver nossos ídolos em movimento. As reuniões na minha casa eram um sucesso porque papai tinha uma aparelhagem de som bastante moderna pra época. Ouvíamos os discos até cansar. Vasculhávamos a cidade em busca de revistas importadas, íamos às rádios, nos programas do Roberto Nunes e do Big Boy, nos reuníamos sempre para trocar informações e recortes, responder aos cadernos de perguntas de cada uma e outras coisas de adolescente daquela época. Quando veio o filme Help!, começou tudo de novo: intermináveis tardes no cinema, novas amizades, grupinhos se formando – cada uma tinha o seu Beatle preferido. Tínhamos 13, 14 anos.

No fim de 1966 os Beatles pararam de excursionar, e ficamos a ver navios. O único jeito de vê-los ao vivo seria ir até a Inglaterra. Minha amiga Denise arquitetou um plano magistral: pediríamos uma viagem a Londres aos nossos pais por conta dos 15 anos que acabáramos de completar. E não é que o plano deu certo? Denise foi pra Londres em janeiro, e eu segui em meados de fevereiro. Como ela já tinha aprendido o caminho das pedras, tive a sorte de ver os quatro Beatles no mesmo dia em que cheguei. Largamos as malas no albergue e voamos pelas escadarias do metrô até o bairro de St. John's Wood, onde ficam os estúdios da gravadora EMI, em Abbey Road. Denise tinha visto o grupo entrar pra gravação de tarde, e então, à noite, aguardamos a hora de sua saída. Ela me mostrou o carro de cada um, passei a mão no carro do John, meu favorito, com minha luva novinha. Guardo a luva e a poeira até hoje, num saquinho plástico, 41 anos depois... Tudo parecia meio irreal, e eu me distraía conversando com minha amiga. Nessa noite ficamos sozinhas: as meninas que estavam lá de tarde já tinham ido pra casa. Sentamos nas escadas, e um tempo depois ouvi uma voz pedindo licença e a Denise me dizendo: “É ele”. Era John. Ela me apresentou dizendo que eu era a amiga que ela tinha comentado com ele que chegaria do Brasil. Não lembro de muita coisa depois disso, por alguns segundos deu branco total. Por sorte a Denise tirou uma foto. Ringo estava com ele, depois saíram George e Paul. Mal Evans, roadie da banda, veio conversar comigo, porque depois disso tudo comecei a chorar. Tive que explicar pra ele que tinha acabado de chegar do Brasil. Ele me deu um chocolate e disse pra eu não chorar, que o John estaria lá de novo no dia seguinte. Voltei para o albergue, sentei na cama ouvindo meu radinho de pilhas e chorei mais um pouco, tentando entender o que acabara de acontecer. Era emoção demais pra um dia só: 15 anos, viajar sozinha pra Londres, conhecer os quatro Beatles. De um dia para o outro eles passaram de vozes num disco, rostos numa revista e protagonistas de filmes a pessoas de carne e osso.

Passei a freqüentar os estúdios diariamente, e como eles estavam gravando o LP Sgt. Pepper's iam pra lá quase todos os dias. Denise e eu fizemos amizade com as fãs inglesas e nos juntamos ao grupo – que já freqüentava a porta dos estúdios e qualquer outro lugar onde eles pudessem estar há mais tempo. Nosso dia-a-dia com eles era vê-los entrando de tarde, tirar fotos, pedir autógrafos pra nós mesmas e para nossas amigas e bater um papinho quando eles tinham tempo. A noite ia caindo e as pessoas voltam para suas casas, mas tinha algumas que ficavam até tarde e até viravam a noite com a gente. Longe dos olhos dos nossos pais, Denise e eu podíamos tudo... Os Beatles eram simples e normais, e nos tratavam com atenção. O clima era descontraído e as muitas horas de espera no frio eram recompensadas com um sorriso e um boa-noite do seu favorito. Pra uma adolescente apaixonada, isso era tudo!

Denise voltou para o Rio para estudar, e eu comuniquei aos meus pais que não ia voltar (coisa que já era certa na minha cabeça desde que saí do Rio). Uma amiga italiana me arrumou um emprego de arrumadeira num hotel meio decadente e eu, que nunca tinha feito uma cama na vida, passei a fazer 28 por dia. Não durei muito nessa ocupação, porque não tinha o pique das outras arrumadeiras. Consegui outro trabalho, dessa vez de “au pair” – quando se mora na casa de uma família e se ajuda nas tarefas domésticas e a cuidar das crianças em troca de casa, comida e uma mesada. Mas todas as tardes, assim que acabava meu trabalho, corria pros estúdios ou para a casa do Paul, que era perto, no mesmo bairro. Não tinha chuva nem neve pra gente, era todo santo dia!

Ser do Brasil naquela época era meio como ser um ET. As pessoas não tinham a menor noção do nosso país e ficavam admiradas de Denise e eu termos viajado de tão longe, tão novinhas. Inclusive o Paul um dia me perguntou se eu não sentia falta da minha mãe...

Um ano depois, em fevereiro de 1968, estávamos esperando no corredor dos estúdios, entre uma porta de vidro e outra (quando éramos poucas e nos comportávamos, o porteiro deixava a gente ficar ali), quando Paul saiu lá de dentro e perguntou: “Alguma de vocês consegue sustentar uma nota aguda?”, e eu, que sempre cantei em coral de colégio, falei que conseguia. Não fazia idéia do porquê ele estava perguntando, a resposta saiu naturalmente. Ele pediu pra esperar, foi lá pra dentro e logo depois eu entrei nos estúdios, onde estavam os quatro Beatles, o produtor George Martin e os dois roadies dos Beatles, Mal Evans e Neil Aspinal, além do técnico de som e seu ajudante. Eles precisavam de uma voz aguda para um coro da musica “Across the Universe”, e John e Paul começaram a me ensinar o que eu tinha que cantar.

Pedi pra chamar minha amiga Gayleen, que também cantava em coro de colégio, porque uma voz só era muito pouco. Denise, que tinha voltado pra Londres nas férias escolares, estava lá fora, mas ela não canta nada e não pude chamar. Começamos a gravar, eu no microfone com John, e Gayleen num microfone de pé, sozinha. Logo Paul pediu pra eu “cantar em brasileiro”, o que eu neguei, e todos achamos graça. Começamos a gravar, depois paramos pra tomar chá. Por várias vezes eles transformaram alguma coisa que foi dita, qualquer frase, num rock. O clima foi de tranqüilidade e descontração. Por sorte Gayleen e eu estávamos acostumadas a vê-los quase todos os dias, e eles a nos ver, e somos pessoas tranqüilas – isso contribuiu pra ficar todo mundo à vontade. Mais adiante Paul me chamou pra cantar no microfone dele.

Embora estivesse com a minha máquina na bolsa – uma caixinha de plástico bem vagabunda com apenas um botão para clicar –, resolvi não acioná-la porque o Mal estava tirando muitas fotos com uma máquina bacana, 35 mm, e achei desnecessário. Mas depois recebi uma carta do escritório dos Beatles avisando que as fotos não tinham saído boas. Depois de duas horas e meia, terminou a nossa parte. Todos nos elogiaram e agradeceram. A “nossa” versão dessa música (são três versões ao todo) saiu num disco da World Wildlife Fund chamado Nothing's Gonna Change Our World, depois saiu num LP dos Beatles chamado Rarities e até hoje pode ser encontrada no CD Past Masters branco.

Em 4 de fevereiro deste ano, 40 anos exatos do dia da gravação, a Nasa lançou a música com os Beatles e nossas vozes de menina para o espaço – pela primeira vez na história. Vai levar mais de 400 anos pra chegar ao seu destino!

Mais adiante, quando surgiu a Apple, passamos a freqüentar a porta dos escritórios porque eles iam pra lá com freqüência. Algumas de nós nos intitulamos “Apple Scruffs”, scruff querendo significar mal-ajambradas, porque as moças que trabalhavam na Apple eram sofisticadas e usavam roupas da moda, enquanto nós, adolescentes, não tínhamos o mesmo estilo. Um dia o George disse que tinha feito uma música pra gente, e anos depois ela saiu no seu maravilhoso LP triplo All Things Must Pass.

Os Beatles já não iam aos estúdios com tanta freqüência, e muitas vezes iam separados. A notícia de sua separação, no ano seguinte, não me surpreendeu.

No fim de 1969, voltei pro Rio, e logo depois comecei a fazer vocal em discos e comerciais e tive o prazer e a honra de cantar com nomes como Joyce, Milton Nascimento, Egberto Gismonti, Toninho Horta, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Ivan Lins, Djavan, Sá & Guarabyra e muitos outros. Meu amor pelos Beatles nunca me impediu de ser fã apaixonada da nossa MPB.

Anos depois, nos Estados Unidos, encontrei Paul McCartney. Ele me cumprimentou e perguntou: “Por que me lembro de você?”. Respondi que já havia gravado com ele no mesmo microfone. Paul botou a mão na cabeça e falou: “É mesmo!”. Lembrou da gravação e me perguntou se eu iria ao show dele no Maracanã (na época eu morava em Nova York). Respondi que sim e ele disse que a gente ia se ver por lá.

Sempre tive consciência de que precisava contar essa história, que não é só minha mas de todos os fãs dos Beatles que algum dia sonharam em chegar perto deles, e fiz várias tentativas de escrever um livro. Só muito recentemente tive a visão de como quero apresentar minhas mais de 100 fotos inéditas dos “meninos” e os textos extraídos dos meus diários de adolescente, e pra concretizar esse trabalho tenho dedicado boa parte do meu tempo ao projeto – estou bastante orgulhosa do resultado até agora... Espero que esteja nas lojas no ano que vem.

Hoje vejo com alegria minha filha Marya cantando Beatles no magnífico espetáculo Beatles num Céu de Diamantes, mas não posso negar que também me orgulho muito da minha neta de 15 anos ser fã apaixonada do Chico Buarque. Acho muito importante conhecer e admirar o que este país tem de melhor, que a meu ver é a música.

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