Maria Ribeiro: ”Espero ter humildade e desapego para acompanhar cada um dos meus tempos”
Em 2001, aos 25 anos, como se o tempo apresentasse uma conta pela primeira vez, eu comprei um Gol preto, uma aliança e decidi fazer um filme. Eu queria casar e viajar o mundo, ser jovem e ser velha, atriz e jornalista, profunda e leviana. A vida era pra valer, agora e uma só, e não haveria take 2. Era chegada a hora de tomar todas as decisões, acreditava, e, para vislumbrar o futuro, seria preciso olhar pra trás pela primeira vez.
É que, antes disso, o passado era tão próximo que nem mudava de cor, e o cheiro da infância ainda podia ser sentido nas fotografias recém-amareladas. Não me parecia muito animador ter que amadurecer. E a ilusão de registrar em fotogramas essa passagem, se não acalmou, ao menos ocupou meu pensamento.
Nesse mesmo ano caíram as torres em Nova York e saiu o grande álbum do Los Hermanos, Bloco do eu sozinho, um disco que, sem medo da frase feita, mudou minha vida, ao contrário do Bin Laden. Também me lembro do parto da minha cadela Miranda, que me deu sete labradores filhotes, provando a existência de Deus.
Crianças, cães e formigas grandes
Mas isso foi há dez anos. Posso dizer que há muito pouco em comum entre aquela impostora que usava meu nome e a outra, que se tornou mãe. A maternidade foi a entrada no paraíso e, contraditoriamente, me deu uma juventude que aos 18 não me era possível. Eu estava livre, já era adulta, uma farsa se encerrou. Foi a barriga aos 26 e o parto aos 27 que me deram alguma substância. Não fosse por ter me separado, diria mesmo que só tive alegrias, mas ter um filho com um grande amor é de uma justiça reconfortante e aplacou um pouco a minha dor.
É claro que deixei de fazer muita coisa. Passei reto por drogas pesadas. Nunca namorei garotas. Deixei a Ásia para a velhice. O mestrado, para quando os meninos crescerem. E a dança de salão, para Carlinhos de Jesus.
Mas nada se compara a fazer 30. Ai, que alívio não ter mais que disfarçar o horror a shows lotados e cabanas de camping! Que delícia ter paz no coração e não ficar submetida ao que os outros consideram sucesso ou fracasso. Meus 30 anos me trouxeram o homem com quem pretendo ficar até o fim dos meus dias e outro filho pra levar aos primeiros bailinhos, honra suprema da existência.
Mas estaria mentindo se dissesse que não tenho medo do porvir. Sei que perderei meus pais, que alguma doença aparecerá (e torço pela surdez, mal de família, que não me pegaria de surpresa) e que meus filhos logo vão preferir os amigos a mim. E há a perda da beleza, será que saberei encará-la? Espero ter humildade e desapego para acompanhar cada um dos meus tempos no que eles tiverem para oferecer. Agora, por exemplo, sei que é hora de trabalhar duro, mas sei também que meus filhos só serão crianças uma vez.
Talvez a vida seja isto: aos 25 perceber que é preciso fazer escolhas; aos 35 trabalhar e sorver a infância da prole; e aos 45 despedir-se dos pais e ter coragem para seguir em direção ao fim, que, se tudo der certo, se dará por volta dos 90, quando já teremos levado os netos para torcer pelo time do coração e nada então faltará para a vida ter feito sentido. E, mesmo se não houver sentido algum, sempre haverá crianças e labradores filhotes para fazer com que o cérebro pare um pouco, e sejamos só o que realmente podemos ser afinal: formigas grandes com algum charme, caminhando em fila com uma folha na cabeça.
Parabéns à Tpm pelos seus dez anos: já pode andar no banco da frente e logo estará mocinha! É um prazer fazer parte dessa história.
Maria Ribeiro, 35 anos, é atriz e diretora do documentário Domingos, sobre o diretor de teatro e de cinema Domingos Oliveira. Atuou em Tropa de elite, em 2007, e em Tropa de elite 2, em 2010. Seu e-mail: ribeirom@globo.com