Copo meio cheio
Aos 22 anos, Anna Luísa Beserra é a primeira brasileira a vencer prêmio da ONU para o meio ambiente – dispositivo purifica a água usando luz do sol – e quer mais mulheres na ciência
Em 2013, a então estudante do ensino médio Anna Luisa Beserra viu um cartaz sobre uma premiação científica na escola onde estudava, em Salvador (BA), e decidiu participar. Era a 23ª edição do Prêmio Jovem Cientista, iniciativa de fomento à ciência do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Eu me interessei e essa foi a minha grande oportunidade”, lembra Anna, hoje com 22 anos.
LEIA TAMBÉM: Melinda Gates fala sobre igualdade de gênero
Aos 15, ela bolou um plano para resolver o problema da falta de água potável para a população da região rural do semiárido da Bahia. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), mais de 2 bilhões de pessoas sofrem com doenças por não ter acesso à água potável no mundo, sendo 10 milhões só no semiárido brasileiro. Mais de 1.4 milhão das famílias dessa região possuem cisterna (tecnologia usada mundialmente para armazenar água de chuva), porém a água não é própria para consumo.
Anna Luisa começou por onde qualquer garota da sua idade começaria: pesquisando no Google. “Acabei chegando no Sódis, metodologia muito usada em países da África”, explica em entrevista à Tpm. Com a técnica, a água da chuva armazenada pelas cisternas é transferida para garrafas PET. Após a exposição à radiação solar por um período que pode variar de 6 a 48 horas, a água da cisterna se torna potável.
“Essa metodologia é a mais simples possível, mas possui algumas limitações que impedem que ela seja mais difundida”, observa Anna. “A primeira é a capacidade: cada garrafa só comporta 2 litros. A segunda é o tempo, que é o principal obstáculo, porque não tem um indicador de quando a água estará pronta para consumo; e a terceira é que o plástico PET acaba liberando alguns microplásticos, que são tóxicos a longo prazo”.
LEIA TAMBÉM: A cientista Marcia Barbosa quer mais mulheres na ciência
Ainda no Ensino Médio, Anna começou a testar tecnologias para resolver as limitações do método Sódis e acabou criando seu próprio dispositivo, o Aqualuz. “Cheguei a fazer o protótipo, submeter ao prêmio e não passei, mas já estava tão apaixonada pelo projeto que continuei desenvolvendo novas versões, estudando cada vez mais, até que ingressei na Universidade Federal da Bahia”.
No curso de Biotecnologia, ela teve acesso a aulas de empreendedorismo. Também conheceu colegas de outras disciplinas que se juntaram ao projeto, solucionando os problemas levantados. As garrafas PET foram substituídas por um recipiente com capacidade para 10 litros. Além disso um timer foi desenvolvido para avisar quando a água está pronta para o consumo. “Conseguimos resolver esses problemas e mais os outros de forma que continuasse acessível. A instalação leva só 15 minutos”, orgulha-se.
No ano passado, a biotecnóloga e os colegas Marcela Sepreny, Letícia Nunes e Lucas Ayres participaram do programa AWC, do Instituto TIM, que tem a proposta de transformar TCCs em startups de base tecnológica. Foi aí que ela fundou a Safe Drink Water For All, empresa que “usa tecnologias hídricas para mudar vidas”, e começou a implantar o piloto do Aqualuz em algumas casas. A fase inicial do projeto levou o equipamento para 56 famílias em 5 estados: Bahia, Alagoas, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
“O impacto não vem quando a gente implementa o Aqualuz, ele vem quando a gente volta para a família e vê que ao longo do tempo elas continuaram usando o equipamento”, diz Anna. “Essa é a melhor parte. A gente já ouviu feedbacks de famílias em que os filhos ficavam doentes e não iam para a escola por causa da água contaminada, e isso não acontece mais. O maior retorno que a gente pode ter são essas notícias, saber que o Aqualuz está realmente salvando vidas”, continua.
Uma contagem no site da Safe Drink Water For All indica que até agora já foram 44 milhões de copos de água tratados pelo Aqualuz. Em setembro deste ano, o projeto foi o vencedor para a América Latina e Caribe do Prêmio Jovens da Terra, da ONU, que reconhece projetos ambientais de empreendedores de 18 a 30 anos do mundo todo. Anna esteve no Chile para receber a homenagem. “Conheci o Muhammad Yunnus que é a grande referência do empreendedorismo social. Tirei até uma foto”, conta.
Com o valor do prêmio, Anna pretende levar o Aqualuz para mais famílias. “A gente vai melhorar a tecnologia, fazer mais testes e implementá-la no máximo de famílias possível. Até o fim deste ano, serão mais 200 e nossa meta para o ano que vem é escalar para a África”, diz.
Fã de Marie Curie, cientista e física polonesa premiada duas vezes com o Prêmio Nobel, Anna também tem uma missão pessoal de inspirar mais mulheres a fazerem carreira na ciência. No mês passado, ela recebeu o prêmio Mude o Mundo Como Uma Garota, organizado pela iniciativa Força Meninas, e palestrou para uma platéia de garotas e adolescentes em São Paulo. “Quando conto um pouco da minha história, a minha mensagem é para inspirar, para aumentar o número de mulheres cientistas no Brasil e no mundo, se for o caso. As mulheres são observadoras e tem o raciocínio mais rápido, então acho que levamos vantagem na ciência”, opina.