Como é bom dormir em Minas!

por Redação

Um natureba versus uma junkie. Leonor resolve encarar uma viagem no meio do mato por amor. Se arrependimento matasse....

Ele cultiva uma horta em seu apartamento. Eu cultivo poeira no meu. Ele corre a São Silvestre no ano novo. Na virada do ano, eu começo a beber cerveja às 8h da manhã. Ele conversa com os pássaros, deitado em sua rede na varanda. Eu colecionava estilingues. Ele vai ao Ceasa de sexta-feira, às 6h da madrugada, comprar flores. Eu piso na grama. Ele ama os animais. “I like them at the Zoo”. Ele quer chegar aos 40 comendo só produtos orgânicos. Eu terei sorte se chegar aos 40.

E lá fomos nós, passar o fim-de-semana no meio do mato. Visconde de Mauá é como o refresco do Chaves que é de laranja, parece de limão, mas tem gosto de tamarindo: não sei definir se é uma cidade de playboys cariocas, hippies paulistas, ou miseráveis mineiros. Tudo o que sei é que fica no Rio de Janeiro, mas o sotaque vem de Minas Gerais e o preço dos restaurantes é daqui dos Jardins.

Chegamos no sábado na hora do almoço, depois do carro ter sido atacado por patos na serra. Não perguntem. O Santini tinha feito reserva em um hotelzinho muito do bonitinho, com mato e vaquinhas à direita e mato e vaquinhas à esquerda. Estacionamos o carro, tocamos a campainha e depois de uns 40 minutos apareceu a Ana, simpática atendente que tinha desenhos típicos pelo corpo feitos com carga de caneta bic. Aranhas, gnomos e outros animais.

Ela nos deu a chave de um lindo chalezinho que eu poderia morar pelo resto da vida, se ele se localizasse na Avenida Paulista. Guardamos as coisas e fomos procurar um restaurante em Visconde de Mauá, o que não foi muito difícil de achar já que a cidade está restrita a uma rua principal e mato. Podíamos comer no Gosto com Gosto ou no Visconde’s Chic Super Center Grill. Sei lá porque escolhemos a primeira opção, embora eu tenha a impressão que o segundo sairia bem mais barato.

Depois de um Frango com Ora-Pro-Nobis, fomos até a cachoeira do Escorrega, ponto turístico da região. Passamos por Maringá, Maromba e 45 km, três porteiras e centenas de Ooompa-Looompas adiante, chegamos lá. Coloquei o dedinho do pé na água e comecei a rezar mais do que nos tempos de catecismo (um dia escrevo sobre isso). Com dois graus menos, teríamos um belo ringue de patinação.

- Vamos entrar, Léla!
- Nem fodendo.
- Só um mergulhinho!
- Nem bêbada.
- Por mim!
- Tchau.

Detesto água fria, mas porque aposto no relacionamento coloquei os pezinhos. Como em um passe de mágica, três segundos depois minhas unhas estavam todas roxas. Aí o Santini ficou realmente assustado e decidiu ir embora daquele lugar do demônio.

Demos uma volta em Maringá, onde são vendidos alguns produtos típicos da região: capacetes de motos de rally, Ypióca e móveis de cerejeira. Compramos uma escova de dentes na farmácia e voltamos para o hotel.

- Vamos dar uma cochilada, amor? São 6h30 da tarde. A gente acorda já já, volta para a cidade, janta um fondue, compra um vinho, volta para cá, acende a lareira e namora um pouquinho.
- Claro, Nino!

Dezesseis horas depois, acordamos e fomos tomar o café-da-manhã. A fome era de um etíope.

- Vocês aceitam ovos mexidos?
- TRAZ!
- Pão-de-queijo?
- TRAZ!
- Queijo minas na chapa?
- TRAZ!
- Minha mãe?
- TRAZ LOGO!

E com a barriga cheia, partimos para conhecer as outras 62 cachoeiras da região. Até surgir, no meio da estrada, uma senhorinha de um metro e trinta, chapéu florido, um cajado e 100 anos.

- Não pára o carro, Nino. É alucinação.

Mas ninguém pode deter o espírito solidário de Santini.

- Vocês vão para a cachoeira da Saudade? – ela nos perguntou.
- Sim!
- Se encontrarem o Seu Ercílio, digam a ele que eu, Flávia, o espero na quarta-feira.

E lá fomos nós, portando o recado de Dona Flávia ao Seu Ercílio, cujo tamanho e aparência eu não queria nem imaginar. Estacionamos o carro, subimos uma escada e entramos no bar de madeira que parecia ser o fim da linha. Dali em diante, só a pé. Uma atendente nos recebeu:

- Bom dia!
- Bom dia! Você conhece o Seu Ercílio? Temos um recado para ele.
- É m-meu… meu pai… – ela respondeu, com uma cara de “ele morreu sentado naquele banquinho no ano de 1925”.
- A Dona Flávia o espera na quarta-feira.
- T-tá… ta bom… – ela concordou, com uma cara de “a Dona Flávia morreu atropelada por uma vaca em 1942”.

Seguimos a trilha das cachoeiras, mediante uma taxa de R$ 3,50 por pessoa. Passa a primeira:

- Que linda!

Passa a segunda:

- Que maravilhosa!

Passa a terceira:

- Que fantástica!

- Pára, Santini!

Ele fotografava cada flor, cada borboleta, cada pássaro, cada vegetação rasteira. Eu matava pernilongo. Até chegarmos na cachoeira da saudade, uma das mais bonitas e mais famosas.

- Vamos entrar, Léla.
- Você está louco.
- Por mim!
- Odeio isso.

E lá fomos nós. Ele ficou só de sunga. Eu não consegui tirar a camiseta. Ele entrou e em seguida eu coloquei as perninhas na água. Comecei a gritar, quase instantaneamente:

- AHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!
PUTA QUE PARIU!!! 
AHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!

Um escândalo que passarinho nenhum havia visto naquele lugar.

- Tira a camiseta!
- NUNCA!

Então ele me segurou no colo e ameaçou me jogar. Entrei em pânico e falei todo o meu repertório de palavrões até ele me soltar, com a impressão de que ali tinha alguma câmera escondida.

- Pô, água fria é bom! Ativa a circulação.

Minha circulação estava tão ativa que dessa vez tudo estava roxo, da cintura para baixo. Sentei em uma pedra e comecei a procurar gravetos para acender uma fogueira. Santini também sentou por lá, colocou a bermuda e ficou admirando a paisagem.

- Tem bicho em você, Nino.
- Não mata o bichinho…

Quando ele estava com treze calombos pelas costas e perto de uma parada respiratória, achou melhor matar tudo o que via pela frente. Era hora de voltar, antes que acabássemos com o ecossistema ou eu realmente colocasse fogo naquela mata. Voltamos para a pousada, pegamos nossas coisas e fomos para a recepção pagar a conta. Um menino barbudo nos atendeu.

- Nós vamos embora. Você conhece algum bom restaurante em Penedo para almoçarmos?
- Ah… Tem um bom no centro da cidade que chama… Como é mesmo o nome? Não me lembro…
- Que tipo de comida faz?
- Faz um tipo de comida que… é… não tô lembrando agora…
- De que cor é?
- Tem uma parede que é da cor de… putz. Que cor é mesmo?
- Deixa. A gente acha.

E nossa viagem terminou com essa maravilhosa lição: não fumem maconha, crianças. Faz realmente mal.

***
A jornalista Leonor Macedo, 24, é mãe do Lucas, corintiana praticante, adora ganhar trufas, mas, no fundo, alimenta um desejo não muito secreto de ser Bruce Lee. Enquanto não consegue, passa os dias escrevendo no blog Indecências e deixando recados profundos em portas de banheiro
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