Aos 30 anos de carreira, Clarice Niskier fala sobre o sucesso com o monólogo A Alma Imoral
Apesar dos 30 anos de carreira, Clarice Niskier nunca fez tanto sucesso quanto com o monólogo A Alma Imoral. Numa peça “sem ação”, baseada em parábolas judaicas, ela já foi vista por 90 mil pessoas, eleita duas vezes melhor atriz e não pretende sair de cena
A ousadia de Clarice em falar sério com um público acostumado a pagar R$ 50 para relaxar com comédias de costume, ainda lhe rendeu o Prêmio Shell de melhor atriz, em 2007, e o Prêmio Qualidade Brasil de melhor atriz de drama, em 2008. E a temporada paulistana, prevista para acabar em dezembro de 2009, foi prolongada para até sabe lá Deus quando, já que a bilheteria não para de vender ingressos.
Você pode achar que o sucesso do espetáculo é um milagre divino. Mas ouvindo Clarice falar sobre a importância do trabalho na sua vida pessoal e na relação com o judaísmo, sua religião de origem, é difícil não atribuir a repercussão positiva à sua inspiração e transpiração. “O Nilton me ajudou a entender coisas que eu não compreendia na infância, que me soavam sem sentido”, diz ela, que, depois de procurar respostas para seus anseios espirituais na meditação, se define como uma “judia budista”.
Clarice faz questão de encontrar a reportagem da Tpm na Livraria da Vila, em São Paulo, onde fez a primeira leitura do espetáculo. Com 28 anos de carreira, mais de 30 peças no currículo (ela fez parte do grupo Tapa), cinco filmes e duas novelas na Globo, ela nunca foi tão reconhecida quanto agora. “Mas sempre tive uma carreira estável”, constata a atriz, que há 14 anos está casada com o músico – e ateu – José Maria Braga, com quem tem um filho, Vitor, de 10 anos. Com a voz baixa e uma fala devagar, Clarice foi da religião à nudez em cena no bate-papo que você confere a seguir.
Afinal, você é judia ou budista?
Sou uma judia budista. Amo e entendo muito mais o judaísmo depois de A Alma... Passei alguns anos meditando, conhecendo o budismo e, quando voltei para o judaísmo, estava menos preconceituosa. Conseguia ver a religião por um lado mais filosófico. Descobri um Deus diferente desse que julga de maneira rude, que muitas vezes é apresentado para dominar as pessoas. Minha interpretação da religião, a partir da minha vivência, é que ela está à serviço da evolução da alma.
Por que você foi buscar outra religião?
Eu sempre tive sede de entender as coisas do ponto de vista espiritual, mas muitas vezes não me satisfazia com explicações do judaísmo – muito pela maneira que me foi apresentado. Com 11 anos de idade, eu ia para a janela e perguntava: “Deus, por que a gente sofre?”. Eu não entendia quando via as pessoas ao meu redor sofrendo, com problemas. Minha questão primária nunca foi a morte. Isso para mim era natural.
Antes de ser atriz, você ia ser jornalista. O que a fez mudar de ideia?
Uma gastrite nervosa [risos]. Aos 20 anos, ainda na faculdade, eu trabalhava no Jornal do Brasil. Queria ser jornalista de denúncia. Sofria muito nessa época, roía as unhas... Aí fui no médico, por causa da gastrite, e ele me mandou para a terapia. Em vez de procurar um psicólogo, fui, com um amigo, no Tablado [escola de teatro no Rio de Janeiro, de onde também saíram atrizes como Malu Mader e Claudia Abreu]. Amei! Meu estômago melhorou e, logo que estreei a primeira peça [Porcos com Asas, de Mauro Rádice e Lidia Ravera, em 1981], pedi demissão do jornal.
Apesar de nunca ter estourado como protagonista da Globo, você tem uma carreira estável, né?
Sim. Sempre fiz teatro, algumas coisas na TV, como Você Decide, A Diarista e Sob Nova Direção [além de novelas como Celebridade e Pé Na Jaca], na Globo, e campanhas publicitárias. Mas comecei a ter sucesso financeiro a partir da peça e do filme Confissões das Mulheres de 30, do Domingos Oliveira [com quem Clarice trabalhou também nos longas Feminices, de 2004, e Amores, de 1998]. E sempre dei aula de interpretação.
Em a A Alma Imoral você fica o tempo todo nua. Como lida com seu corpo?
Meu corpo, que está longe do padrão, está à serviço da minha maneira de ser. E o fato de eu ficar nua na peça está ajudando muitas pessoas. Por exemplo, teve uma mulher que me contou, no fim do espetáculo, que a filha desistiu de colocar silicone depois de me ver nua. Eu brinco que passei ilesa pelo boom da cirurgia de nariz e ao boom do silicone. Quero ver se vou conseguir passar ilesa também pelo botox... [risos]
Vai Lá: A Alma Imoral, sextas e sábados, às 21h, e, aos domingos, às 19h30, no teatro Eva Herz/Livraria Cultura. Av. Paulista, 2 073, São Paulo. O ingresso custa R$ 50 Mais informações: teatroevaherz.com.br