Ciclos desregulados: como está sua menstruação na pandemia?

por Camila Eiroa

Atrasos, cólicas, fluxo intenso ou muita TPM? Conversamos com seis mulheres para entender como o que estamos vivendo afeta nosso corpo

Logo no começo de abril, a discussão chegou ao grupo das amigas no WhatsApp. Todas queriam saber: sua menstruação está normal? A maior parte das respostas era negativa, com bônus de cólicas fenomenais, muita TPM, excesso de fluxo e ciclos mais longos que o usual. Gravidez? Sem chance. A observação empírica deste fenômeno foi se potencializando nas redes sociais e pessoas que menstruam, de todas as idades, relataram irregularidades no ciclo com a chegada do coronavírus e a imposição da quarentena. De repente nos recolhemos, com a promessa de que seria apenas por uma quinzena. O tempo de reclusão foi se estendendo, quem pôde ficou em casa, migrou para o home office e as tarefas domésticas se multiplicaram.

“Em conversas com outras médicas e obstetrizes, assim como nas minhas consultas e no meu caso pessoal, pude notar o crescimento do número de pessoas que tiveram o ciclo aumentado durante a pandemia. Ou seja, maior duração de uma menstruação até a outra”, relata Aline de Souza Oliveira, médica de família e comunidade do Coletivo Feminista de Sexualidade e Saúde de São Paulo.

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Ela explica que a regulação do ciclo é um mecanismo de funcionamento bastante complexo, principalmente no que diz respeito às respostas hormonais da menstruação. “A nossa saúde mental está muito conectada com tudo o que acontece no corpo. Não só do ponto de vista filosófico. Já existem diversos estudos que mostram que alterações sociais, mentais e emocionais podem causar mudanças no ciclo menstrual pela irregularidade de liberação dos hormônios.”

Não existe uma única resposta sobre o que está causando essa irregularidade menstrual na quarentena. Fatores importantes que podem exercer influência direta na menstruação passam pela diminuição do ritmo do corpo, com o abandono de práticas de exercício físico, e as mudanças nos hábitos alimentares. 

Linha de frente

A biomédica e assessora científica Nathália Santos, de 34 anos, recebeu, no início da pandemia, uma convocação do Conselho Federal de Biomedicina, intermediado pelo Ministério da Saúde, para fazer parte de um programa voltado aos profissionais de saúde para o enfrentamento da Covid-19. Com isso, ela deveria estar preparada para fazer parte da linha de frente do diagnóstico e monitoramento da doença assim que chamada.

“Confesso que isso me deixou preocupada, até porque quando recebemos essa convocação ainda não existiam tantas informações sobre o vírus. Tudo isso me gerou mais insegurança e o meu segundo ciclo menstrual dentro da pandemia teve 22 dias a mais, um atraso de três semanas na menstruação. O ciclo seguinte foi mais curto, com uma antecipação do sangramento. Ainda hoje, o fluxo é mais intenso e as cólicas mais fortes”, conta Nathália. 

Ela, que diz já ser ansiosa, sentiu uma influência ainda maior no seu estado emocional. Sua rotina, até então repleta de viagens para reuniões com médicos, mudou completamente. De repente, Nathália teve que fazer tudo isso da sala de casa, sem que tivesse instrumentos apropriados para isso – como uma cadeira ou fone de ouvido adequados. Além do mais, o contato com médicos que estão, ainda hoje, na linha de frente contra o coronavírus é constante.

Jornada tripla e contando

A experiência da psicanalista Mariana Facanali Angelini confirma que a pandemia tem afetado a todos, de maneiras diferentes. “Nenhum paciente deixou de citar os efeitos e os sofrimentos relativos ao momento. Desde crianças, adolescentes, homens, mulheres e idosos, a situação toca a todos, sem exceção. E os efeitos disso só saberemos ao longo do tempo”, diz. Mariana ressalta que nosso corpo é responsivo, ou seja, ele reage aos estímulos externos e também internos, mentais. Sendo assim, é natural que soframos com algumas desregularidades no funcionamento do nosso organismo, o que pode influenciar diretamente na menstruação. 

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Segundo a psicanalista, quando falamos de mulheres em um contexto pandêmico, precisamos entender quais os recortes que existem nesse sentido. “Dentro das questões de gênero, raça e classe, temos especificidades para os sofrimentos e angústias. É de extrema importância se atentar a isso. De uma maneira geral, podemos frisar as tarefas domésticas somadas ao home office como potencial causador da sobrecarga", conta. "Historicamente as mulheres foram colocadas como as grandes responsáveis por cuidar da casa e, no atendimento clínico, percebo um resquício até hoje que dificulta a equalização dos afazeres domésticos”.

Reflexos

Karen Aparecida, de 32 anos, é doula e mora em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Ela relata que o maior fator de agravamento do seu estado emocional foi a sobrecarga doméstica. “Isolamento e filho pequeno em casa não combinam. Um sentimento de tristeza e de revisitar meu puerpério tomou conta com a pandemia. Tive que escolher parar os atendimentos hospitalares às gestantes, o que reduziu meus ganhos financeiros. Porém, o maior desafio foi dar conta de casa, do trabalho, da alimentação e da maternidade”, conta.

No primeiro mês de pandemia, a doula não teve sangramento e experimentou bastante cólica e dor de cabeça, além de outros desconfortos físicos, algo que há muitos anos não sentia. Já no segundo mês, a menstruação atrasou 30 dias e a TPM foi muito mais intensa. “Também senti uma necessidade maior de recolhimento", diz. "Percebi que a pandemia me colocou nesse lugar de observação, de entender a resposta do meu corpo para o que acontece externamente. Aprendi a olhar os sinais que meu ciclo envia e tento, de alguma maneira, entendê-los.”

Medo, medo, medo

“Eu tive muito medo de morrer e medo que meus familiares morressem no Brasil sem que eu pudesse fazer nada”, diz a escritora e professora Geisa Borges, de 32 anos, que mora em Algarve, Portugal, numa vila de pescadores. Por lá, o cenário pandêmico é mais ameno e tudo está funcionando, dentro do possível. Ela e seu companheiro decidiram tirar o filho de dois anos da creche por não acreditarem que seria viável uma adequação das crianças para as normas de higiene e distanciamento.

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Com apenas o companheiro trabalhando, Geisa divide algumas aulas de inglês on-line com o cuidado do filho, Bento. Ainda assim, a professora sentiu alterações na sua menstruação. “O meu ciclo diminuiu. Para a última menstruação, foram apenas 17 dias de intervalo. No ciclo anterior, 20. Isso me fez perceber que também ando mais introspectiva, ao mesmo tempo em que consigo notar todas as alterações de humor da TPM, que antes eram mais amenas”, diz.

O medo também tomou conta de Caroline Sanches, de 29 anos. A última vez que a profissional de relações públicas ficou tanto tempo em casa foi quando quebrou o tornozelo, em 2017. Por dois meses de repouso, ela caiu em depressão profunda, um gatilho ativado no início da pandemia. “Isso me trouxe muita ansiedade no começo de tudo. Para piorar, além do isolamento, veio a obrigação de ser produtiva. No começo foi ótimo, eu e meu marido estávamos cozinhando todos os dias, mas no meio do caminho a energia caiu”, diz.

A ansiedade pela mudança de rotina aumentou ainda mais quando o ciclo menstrual mudou drasticamente. “Em abril atrasou um pouco, mas sem grandes sustos. Em maio, adiantou dez dias. Em junho foi alucinante, atrasou dez dias e sangrei muito pouco. Sem cólicas, sem dores de cabeça ou nas costas, o que é normal para mim. Já em julho foi o completo oposto. Muitos incômodos, insônia e dores. Além de muito sangue”, relata Carol.

Cuidados e ajuda médica

A médica Aline de Souza alerta para o fato de que, com o ciclo menstrual aumentando de tamanho, a ovulação também vai acontecer em um momento diferente do mês. É uma alteração que merece atenção, principalmente para o uso de métodos contraceptivos e a observação do muco vaginal, típico do período fértil. A recomendação é pecar pelo excesso – de proteção, neste caso –, já que o ciclo não está seguindo um padrão.

“Entendemos que o ciclo menstrual normal dura até 34 dias. Neste momento, tenho visto pessoas com ciclos de 40 ou 45 dias e, de fato, nenhum aumento nesta proporção é comum. O ideal é observar se o evento se repete por mais de três ciclos, quando já se torna necessário investigar a fundo as possíveis causas. Se o ciclo tem mais de 90 dias e testes de gravidez deram negativo, é indicado procurar ajuda médica”, aconselha Aline.

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