Tpm / Arte

por Fabiano Alcântara

Chinês radicado em São Paulo faz performances, esculturas e poesias que dialogam com a literatura maldita

Chinês de Taiwan e radicado no Brasil desde os 5 anos, Chiu Yi Chih, 30, incorpora o artista contemporâneo, tanto pela sua nacionalidade híbrida, entre o Oriente e o Ocidente, quanto pela sua contribuição como perfomer, poeta, escritor e filósofo.

No Instituto Mandarim Yuan De, na Vila Mariana, em São Paulo, ele ministra cursos que atravessam os territórios da filosofia, estética e da arte contemporânea. Formado em letras clássicas (língua e literatura grega), com mestrado em filosofia, ambos pela USP (Universidade de São Paulo), é autor de diversos ensaios, estudos, criador do conceito metacorporeidade. Criou ao lado do escultor Irael Luziano no LOZ-2962 STUDIO.

Quem quiser vê-lo em ação poderá conferir no dia 10 de novembro, quando ele apresenta a performance Philomundus às 14h, no Paço das Artes-USP (avenida da Universidade, 1, Cidade Universitária, São Paulo), dentro da programação do projeto Ritos Baldios.

Muitos chineses que vivem no Brasil, talvez pela imigração ser relativamente jovem, vivem à margem, muitos não falam português, não convivem com brasileiros. Na sua opinião, o que poderia ser feito para aumentar a interação?
Chiu. Poderiam se promover novos eventos culturais e educativos com programações que envolvam o público de ambos os lados. Eu e o escultor brasileiro Irael Luziano nos unimos no LOZ-2962 STUDIO justamente para realizar de modo mais efetiva essa interação, e temos feito esculturas, livros, performances, ensaios teóricos e poemas, operando com um quadro conceitual de questões relativas à subjetivação (eu/outro), território urbano (territorialização/desterritorialização), linhas de demarcação econômico-social (centro/periferia) e diferenças sócioculturais (Oriente/Ocidente). Buscamos a potencialização desses vetores de modo a produzir relações transversais entre China, Brasil e Taiwan, tornando possíveis a heterogênese dos agenciamentos e a interação dos múltiplos mundos imaginários.

O que brasileiros tem mais a ensinar para os chineses e os chineses aos brasileiros? Os brasileiros poderiam ensinar aos chineses sobre a liberdade de expressão, principalmente, quando se vê o controle da imprensa chinesa sobre alguns acontecimentos importantes como foi o caso da prisão do artista chinês Ai Wei Wei. Eos chineses podiam ensinar aos brasileiros sua cultura milenar, como o budismo e o taoísmo.

Fale um pouco sobre o seu conceito de metacorporeidade? A ideia fundamental da metacorporeidade, é que o corpo enquanto ser, e aí do ponto de vista mais assim ontológico, este corpo, ele está com, ele está metá, metá em grego quer dizer também com, e aí a ideia de participação, em companhia de, outras corporeidades, outras formas, outras texturas, outras maneiras, outros modos, modulações de estar no mundo. A ideia de um corpo que possa ser atravessado pelos fluxos, pelas texturas, que passa justamente a sair um pouco daquela ideia de corpo. A performance carrega um pouco desta história de usar o corpo como potencialidade, de risco, de perigo, de propiciar o risco.

E por que isto é necessário hoje? Porque ainda mesmo o corpo não está sendo valorizado enquanto questão. E por isto o meu pensamento filosófico caminha por esta direção, você pensar o corpo. No fundo, no fundo, o corpo não pode deixar de ser questão, não pode deixar de ser pensado. E não em oposição à alma, aquilo que a gente pode chamar de intelecto ou subjetividade intelectiva. E aí você cai no dualismo, na oposição.

E o corpo, apesar de hoje a gente ser aquilo que o Lipovetsky fala de hiperconsumismo, da hipermodernidade, o corpo está associado muito ao contexto de prazeres. O lado hedonista da sociedade capitalista. Então com toda esta liberdade conquistada, mesmo aí é um corpo ideal, é um corpo idealizado, mas não é o corpo enquanto ser, arraigado em relação às multiplicidades, em relação aos fluxos, às texturas. Ou seja, não só ao corpo, tanto é que eu chamo assim, que não é só uma metacorporeidade. No meu ensaio em que é discutido metacorporeidade, na pesquisa a gente analisa a maneira também como se pode pensar. Será que é possível um corpo em que também se problematiza  a identidade do sujeito contemporâneo. Então, a questão aí, em primeiro momento é perceber que há uma importância fundamental do corpo, mas como eu estava falando, não é um corpo hedonista, um corpo idealizado, justamente na figura justamente do sujeito, como é que chama? O sujeito que fica lá fazendo exercício...

Sarado? Sarado, moldado. Claro, isso é um tipo de corpo. Mas há vários outros corpos. E a ideia da metacorporeidade não é exatamente você pensar numa transcendência, não é exatamente você pensar nisso. Metá não é de metafísica, não é de transcendência, justamente pelo contrário. É a ideia de imanência. Porque é coparticipação, complemento, interação.

Esta problemática é partilhada por todos os performers na arte contemporânea, o que é interessante, que é o fato de termos um corpo em interação. Interatividade é uma coisa, interação é outra. Pode parecer a mesma coisa. Interação é interconexão. E hoje em dia, cada vez mais, a gente está caminhando para isso, seja pela internet, o Facebook, outras formas de comunicação. E a arte saindo do seu pedestal, dessa coisa de se imaginar o artista recluso, refugiado numa torre de marfim, no seu isolamento. Nesse caso, então, o artista não estava presente, imanente, em presença viva mesmo.

 

"A arte está saindo do seu pedestal, dessa coisa de se imaginar o artista recluso, refugiado numa torre de marfim, no seu isolamento"

 


Então, a performance acabou sendo uma característica onde se vê esta relação entre o corpo e o mundo. A consciência que é corpo, corpo que é consciência, ou seja, não há separação. Desde a descoberta fenomenológica do Merleau Ponty, considerado aquele que percebeu esta dimensão. E até a ideia de Deleuze, deleuziana, a ideia de corpo sem órgão, que é um corpo atravessado, imergido em multiplicidades. A metacorporeidade, então, ela chega a ser um modo de construção de textura escultórico-sonora, lá trabalhamos com escultura, trabalhamos com performances, poesia, filosofia e arte sonora. Então, a proposta é essa, do artista cada vez mais conversar com a multiplicidade, que acontece no mundo, e estar além do que, particularmente no meu caso, que eu sou chinês, não é? A identidade contemporânea, do corpo contemporâneo. Quando a gente fala em arte contemporânea, a gente mal pensa no fato de a gente ser uma identidade múltipla, híbrida, e descentralizada e muitas vezes até desubjetivada. Ou seja, sem subjetividade. E ainda mais, além desta questão da identidade, há relação entre conflitos que estão ocorrendo atualmente entre Oriente e Ocidente. Seja por questões políticas, sociais etc.

Bem, como eu vim de Taiwan, sou chinês de Taiwan, passei pela China na minha infância, Macau, e depois aqui no Brasil, em São Paulo. Depois, acabei indo para Embu das Artes e voltando novamente para São Paulo. Ou seja, estou nessas trajetórias da identidade que fazem parte do próprio percurso do corpo contemporâneo, desta identidade que a gente mal conhece, inclusive não é uma questão meramente pessoal. Ou seja, meramente, do indivíduo chamado Chiu Yi Chih, mas é o que eu acho que é inerente a todos os seres contemporâneos. Independente desta palavra estar definida ou não. Ou seja, o que é ser contemporâneo? Mas, enfim, algo que a gente constata é o indivíduo que está em trânsito, um pouco em todos os lugares, mas ao mesmo tempo...

Em lugar nenhum... Um pouco isso. O que eu quero dizer é que ele está descentralizando-se como ser humano. Mas também a identidade em questão. Porque até então, nós tínhamos a formação da identidade assegurada. O sujeito tinha uma segurança, firme, sólida. O sujeito tinha uma família, que estava bem constituída, um trabalho, muito determinado, de repente, a família está mais fragmentada e tal, e também o trabalho é mais instável. Então, até esta crise na Europa está afetando o emprego, então nós temos vários problemas aí. Extra-artísticos etc, porém, importantes para arte por quê? À medida que a arte contemporânea conversa com o sujeito e seu entorno, seu território, seu meio. E a performance, enquanto construção também, a escultura enquanto construção, ela também passa a metacorporificar, que eu chamo assim, porque ela passa também a entrar em relação com, outras texturas, outros modos de visão. São problemas na verdade.

O que te levou a ser artista e pensador? Penso que isso tenha começado desde minha adolescência quando comecei a brincar com as palavras e daí para frente esse jogo lúdico tomou naturalmente corpo em toda minha vida. Tenho consciência de que esta escolha é um modo de existir, e como disse em relação ao conceito de metacorporeidade, todo ser se faz amante-do-mundo e se corporifica, se torna consciente de seu estado-amante. E, ao mesmo tempo, esse ser se transmuta numa modulação de ser-corpo-outro (sem deixar de ser si-mesmo). Concordo com Deleuze quando este diz que o pensador é criador de conceitos e o artista criador de afectos e perceptos. Daí por que, no cenário da arte contemporânea, quando falo em metacorporeidade, falo de um campo de texturas escultórico-sonoras corporificáveis e corporificadas nesse interstício relacional.

E vale a pena ser artista e pensador? Vale a pena mesmo com um certo sacrifício. Não se trata de um esforço no sentido de caminhar em direção a um fim que sabemos que se encontrará no final do caminho. Sinto dor e prazer em fazer, isso é uma obsessão, uma necessidade também. Mas a dor que faz parte disso é algo que, segundo penso, está ligado à própria vida quando aceitamos com plenitude tudo que vier e tudo que possa acontecer, é como quando diante da dor e de todas as coisas trágicas da vida podemos aceitar e até desejar seu eterno retorno como dizia Nietzsche, numa atitude de plena afirmação da existência, ao contrário de uma atitude de ressentimento ou de culpabilidade. Mesmo diante de todo abuso de poder, diante de outros problemas humanos que me assolam diariamente, ainda assim posso desejar ser uma escultura de si mesmo, e penso que devemos “morrer” e “renascer” várias vezes, conectando-se assim com o fluxo da vida.

Vai lá: philomundus.blogspot.com / ritosbaldios.wordpress.com

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