por Juliana Menz
Tpm #108

A escritora Claudia Tajes transforma os dramas femininos em literatura

A escritora Claudia Tajes transforma os dramas femininos em literatura. Aos 47 anos abandona a carreira publicitária bem-sucedida para virar roteirista da Globo e adaptar um de seus livros para a HBO, enquanto aguarda ver outro deles nos palcos

Quase todo dia Claudia chegava do trabalho chorando. O emprego como redatora publicitária se tornara desestimulante. “Foi no fim dos anos 90, quando a publicidade decidiu que o consumidor não gostava de ler. Era preciso ter ideias sensacionais com o mínimo de texto”, recorda a gaúcha. Para quem adorava escrever como ela, foi uma frustração. Nessa mesma época, seu casamento tinha terminado, mas pouco antes de assinar o divórcio ficou viúva – seu marido teve um infarto jogando futebol. Sozinha e com um filho de 11 anos, preferiu continuar empregada a se aventurar em outra área. E assim ficou por quase uma década na DCS, uma das agências mais premiadas de Porto Alegre, descontente com o que fazia.

Para superar a insatisfação no trabalho, Claudia passava noites e fins de semana escrevendo. Em 2000, lançou seu primeiro livro, Dez (quase) Amores, que movimentou a vida social da então desconhecida publicitária. Ela passou a ser convidada a escrever esporadicamente em jornais e revistas e a participar de encontros literários. Conheceu escritores que admirava e recuperou a autoestima, que já achava um caso perdido. “Percebi que ainda tinha muita gente interessada no que eu criava”, lembra ela, que seguiu na agência, onde continuava tendo suas ideias reprovadas com louvor.

Nos olhos de quem vê
Da publicação de seu primeiro livro até hoje, Claudia lançou mais seis títulos, mas o boom aconteceu mesmo em 2005. A Vida Sexual da Mulher Feia, da editora Agir, vendeu muito bem no Brasil (alcançou a marca de 20 mil exemplares) e também foi publicado na Croácia e na Itália. “Foi quando comecei a ganhar dinheiro como escritora”, conta a gaúcha, que comemora a adaptação de sua obra para o teatro, feito do produtor carioca Sandro Chaim. Previsto para chegar aos palcos paulistanos em junho, o texto caiu nas mãos de Chaim pela atriz Heloísa Perissé. “Em outubro de 2010, ela mostrou o livro a ele, que se interessou. O cara é um Midas”, enaltece, sobre o produtor que já montou o musical Os Produtores, de Mel Brooks, a um custo de R$ 7 milhões.

Heloísa considera os livros da escritora uma grata surpresa. “A figura da Claudia é diametralmente oposta aos seus textos. Ela parece uma fadinha, enquanto sua escrita é contundente, forte e, como diz minha mãe, nem parece ter a autoria de uma mulher. Acho isso fantástico”, elogia a atriz. O jornalista Nelson Motta também é leitor assíduo. É de autoria dele a orelha de Só as Mulheres e as Baratas Sobreviverão (2010), o título mais recente da escritora.

"Claudia é uma das grandes revelações dos últimos tempos. Tem um estilo pessoal muito forte e manipula o tragicômico como ninguém", Nelson Motta, jornalista

Ele gostou tanto que depois leu todas as outras publicações da autora. “Claudia é uma das grandes revelações dos últimos tempos. Tem um estilo pessoal muito forte e manipula o tragicômico como ninguém”, descreve.

A Vida Sexual da Mulher Feia é um livro carregado de uma crueldade tão peculiar que é possível afirmar que só quem sofreu na pele a exclusão poderia ter tamanho requinte de detalhes. Jucianara, a personagem central, conta sua história atribuindo todo constrangimento de sua vida sexual a sua feiúra. “A mulher feia sou eu. Sou eu a mulher feia”, repete a autora. Dona de um corpo esbelto, cabelos bem cuidados, olhos castanhos expressivos e um sorriso capaz de rejuvenescer em 15 anos os seus 47, Claudia pode ter qualquer problema, exceto algum relacionado à sua aparência. Embora insista no contrário.

Beleza roubada
Nascida em Porto Alegre (RS), onde, ao contrário do que acreditam Brasil afora, nem todas as mulheres nascem loiras, de olhos claros e com mais de 1,70 metro de altura, é natural Claudia dizer que mede centímetros a mais que seu 1,59 metro. Ainda assim, é impossível que nunca tenha se enxergado como uma mulher bonita. “Teve um verão, sim. Sabe aquele verão que você é a mais gata? A mais bronzeada? A mais concorrida pelos caras? Tive um verão assim em Garopaba”, confessa finalmente, recuando em seguida: “Ainda hoje me pego duvidando se foi comigo que aconteceu”, brinca.

O livro seguinte ao que deu notoriedade à sua escrita veio em 2007. Louca por Homem acabou inspirando a série cômica Mulher de Fases, que ela mesma roteirizou, produzida pela HBO Brasil e pela Casa de Cinema de Porto Alegre. Com estreia prevista para 11 de abril, a série fala de Graça, uma mulher de quase 30 anos que se separa e começa a busca pelo homem ideal. Com uma personalidade volúvel, a protagonista se envolve com homens de todo tipo e altera radicalmente seu estilo de acordo com o eleito da vez. “Sabe quando conhecemos um cara e, quando percebemos, estamos num safári ou num cruzeiro? Coisas que não faríamos jamais por iniciativa própria? Graça representa essa fase da relação”, explica a autora.

Sem cortes
O diretor Jorge Furtado admira a escritora há tempos. Em 2006, convidou-a para trabalhar com ele no seriado Antonia, da Globo. “Admiro o tom seco e divertido de seus textos”, declara. Para o canal, Claudia também criou o roteiro de “A Vingativa do Méier”, da série As Cariocas. Foi, então, contratada como roteirista e se demitiu da agência. Ao mesmo tempo na TV aberta e na paga, é como se a guria bronzeada de Garopaba ressurgisse daquele verão. “Acho que eu tô podendo mesmo”, diz baixinho.

"Quando tenho um encontro, penso duas vezes. Só saio com quem vale a pena, porque é um tempo que eu podia estar escrevendo"

Mesmo com o reconhecimento de seu talento, Claudia tem certeza de que não publicaria nenhum de seus sete livros caso seu pai, o falecido jornalista Tito Tajes, ainda estivesse vivo. “Ele escrevia muito bem e era bastante crítico”, lembra. Ele, que foi repórter de O Globo, do Correio do Povo e do Diário Catarinense, estimulou o gosto pela leitura dos quatro filhos. Sempre que os presenteava com um brinquedo, dava também um livro. Na infância, suas leituras variavam de Jorge Amado a Tolstói. “Adorava. Mas nunca tive essa pretensão literária. Sem dúvida, foi mais fácil publicar um livro sabendo que meu pai não leria”, assume.

É no apartamento de um bairro nobre da capital gaúcha que ela trabalha sem intervalos, e se sente culpada com qualquer saidinha. “Quando tenho um encontro, penso duas vezes. Só saio com quem vale a pena, porque é um tempo que eu podia estar escrevendo”, pontua, rindo. O único compromisso inadiável são os jogos do Grêmio. “É um programa que faço com o Théo, meu filho. Um momento de cumplicidade entre nós”, comenta ela, que já ouviu o menino de 18 anos dizer que quando tiver um tempo vai ler os livros da mãe. “Passei os últimos anos deixando que me convencessem que qualquer estagiário tinha ideias melhores que as minhas. Agora, estou fazendo o que me diverte e me sustenta. É muito melhor”, conclui ela, entre caras e bocas.

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