por Flora Paul

Colunista desde a primeira edição da Tpm, Mara Gabrilli reúne melhores textos em um livro

Mara Gabrilli já é conhecida de quem lê Tpm. Colunista desde nossa primeira edição, Mara sempre encerra a revista com textos cheios de sentimentos e análises sobre o mundo em que vivemos. Tetraplégica após um acidente de carro em 1994, não se deixou abater. Criou uma ONG em 1997, a Projeto Próximos Passos, ligada à qualidade de vida de deficientes físicos. Da Tpm #1 até hoje, passaram-se oito anos, nos quais Mara teve muitas conquistas: foi a primeira secretária municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, de 2005 a 2007 e no mesmo ano a então suplente tornou-se vereadora na Câmara Municipal de São Paulo. Durante todos os acontecimentos, nunca deixou de escrever sobre o que sentia: "É como se fosse o momento do mês em que paro para refletir", explicou ao site. Agora, Mara reúne 50 das melhores colunas publicadas na revista em um livro, Íntima Desordem – nome da coluna da edição de novembro de 2006.

Falamos com a colunista sobre o porquê de lançar o livro agora, se já se arrependeu de algo que escreveu, como é seu processo criativo e, também, sobre o susto que levou na primeira edição, quando não encontrou seu texto folheando as páginas da revista. “Ficava cada vez mais triste porque não o achava. Quando cheguei à última página, estava lá! Fiquei ainda mais emocionada, que lugar de honra!”, contou.

 
Como surgiu a ideia de fazer o livro, juntar colunas? Sempre foi um desejo?
Não. Sabe que no ano passado que eu comecei a ter essa vontade? Comecei a juntar os textos com a ajuda da equipe da Tpm e a observá-los. E me deu essa vontade. Cheguei a conversar com o Paulo [Lima, publisher da Trip Editora], ver o que ele achava e ele gostou muito da ideia. Aí comecei a organizar. No ano passado pensava "Ah, vai ser superrápido", mas vi que não era bem assim. Alguns textos têm uma certa idade, têm uns super contemporâneos, mas outros fazem menções que você vê que são de outro tempo e precisavam ser um pouco mexidos. O processo durou um ano e meio.

O que te inspira quando você vai escrever sua coluna?
É como se fosse o momento do mês em que paro para refletir. Claro que sempre vai aparecer aquilo que foi mais influente no mês, emocionalmente falando. Acho que tenho uma vida tão corrida, de cumprir agenda, corre para lá, corre para cá, que esse momento tão sagrado, de parar para escrever, é o momento em que paro para refletir mesmo. Até para entender mais da minha vida. E o quanto a coluna me ajuda a refletir sobre as coisas que estão acontecendo.

E você tem um ritual para escrever a coluna? Tem de ser em algum lugar específico, alguma coisa do tipo?
Imagina, eu vou ditando dentro do carro, onde eu estiver. Se não tiver nem como escrever, faço dentro da minha cabeça. Quando der, escrevo. Além do fato de eu não mexer os braços, então não é sempre que me está disponível a possibilidade escrever. Vou montando os itens na minha cabeça. Quando consigo, fica até mais fácil, porque na hora que chega o papel, o computador, a coluna já está quase pronta. Sabe que no começo, eu tinha mais ritual? Parava, ficava toda preparada para escrever.

Qual foi o critério de seleção das colunas para o livro? Você seguiu alguma linha?
A minha linha foi pensar naqueles que mais gostava, que mais me tocavam e mais boas lembranças traziam. Mas teve o critério do editor [Luís Colombini], também, que foi bem diferente. Ele escolhia uns textos e eu falava: "Ai, por que você escolheu esse?", e ele "Ah, esse mostra muito quem você é". Eu nunca tive essa visão para escolher um texto. E esse nunca foi meu critério, mostrar quem eu sou. Escolhia aquele que estava mais harmônico, que me causava mais impacto.

Existe alguma coluna que foi muito marcante para você?
[Pausa] Algumas. “O melhor de cada dia”, “Hora da faxina”, “Toque para você”, o próprio “Íntima Desordem”, que dá nome ao livro.

E por que esta coluna foi a escolhida para dar o nome do livro?
Não fui eu que escolhi. O editor me sugeriu e eu adorei! Acho que, no fundo, quando você lê os textos, vê que na verdade são reflexões, muitas vezes profundas, e que demonstram não só equilíbrio, mas desordem também. Eles oscilam muito nessa vontade de criar harmonia.

Você já escreveu algo do qual se arrependeu depois de ter escrito?
[Risos] Ah, já! Sabe que você perguntou da escolha e eu acho que o momento em que eu escrevi sempre conta. Por exemplo, começo a ler e lembro de quando foi, de como eu não estava bem, não estava curtindo. Então essas eu nem quero colocar no livro! Tem coluna que me dá mal estar porque eu sabia que não estava bem. E outras, que às vezes eu leio e falo: "Meu Deus, eu escrevi isso? Que ousadia! Será que eu deveria?".

Então também tem a questão da ousadia.
Hoje eu sou vereadora! Mas quando eu comecei a escrever, eu nem sonhava em ser. E tem textos que são bem picantes! [Risos] Às vezes eu leio e fico imaginando aqueles vereadores que trabalham lá na Câmara lendo!

Você guarda as reações das pessoas sobre as colunas?
Sempre recebo comentários, me mandam torpedinhos, e-mails. Ou então, uma coisa que me deixa super lisonjeada é encontrar leitor no meio da rua. Principalmente quando eu estava fazendo campanha e alguém vinha falar comigo e dizia que lia minha coluna. Eu fico superfeliz se eu encontro alguém que gosta, conhece a coluna. Outro dia encontrei uma menina que me falou "Nossa, eu começo a Tpm de trás para frente!". Às vezes dou uma viajada muito subjetiva, dou nome a sentimentos, tento detectar emoções e quando vou ler me pergunto se alguém vai entender. Aconteceu na minha última coluna e recebi dois comentários da mesma frase que me fez refletir sobre isso, e falavam "Como você descreveu bem algo que eu sinto". Fico contente por passar a mensagem. Mas penso que se você é uma pessoa que gosta de coisas objetivas, que não gosta muito de ficar viajando em sentimentos, não sei o quê, acredito que não consiga nem ler algumas colunas.

Como é que você se tornou escritora?
Sempre gostei de escrever, desde criança, inclusive tenho diários de toda a minha infância. Eu chegava da escola, ficava em casa escrevendo o que eu tinha feito, o que tinha sido legal, o que não tinha. E por várias vezes na minha vida eu procurei, não me especializar, mas apurar um pouco minha forma de escrever. Fiz um curso de Semiótica, li isso no livro outro dia, e era uma professora, a Dirce Ceribeli, que me fazia comer coisas. Eu chegava na casa dela, ela vendava meus olhos e me dava alimentos muito exóticos, para provar e depois descrever. Ela me levou em antiquário, exposição de arte, eu andava vendada no meio da rua e todas as sensações que eu tinha, depois que voltava para casa dela, eu escrevia. Depois eu entrei em uma escola de escritores, mas tudo despretensiosamente, só para refinar o que eu gostava de fazer.

E como chegou à Tpm?
A Ana Paula Wehba [Diretora de projetos especiais e eventos da Editora Trip] é muito minha amiga. E eu sempre escrevia e mostrava para ela. Tinha mania de escrever o que sentia ouvindo músicas que gostava, aí colocava a música para ela e lia. E aí aconteceu que quando a Tpm estava para começar, ela sugeriu ao Fred [Melo Paiva, diretor de Redação na época] que lesse algum texto meu. Ele leu e me pediu para escrever outro texto. Fiz uma carta para a Ana Paula, até um pouco confusa porque eu já não estava mais tão habituada a escrever tanto para outras pessoas lerem, mas aí escrevi. Lembro dele me ligando e falando “Mara, amei seu texto, ele vai ser publicado na íntegra na revista”. Fiquei meio excitada, mas não acreditei. Quando chegou a revista, conforme fui folheando, ficava cada vez mais triste porque não o achava. Quando cheguei na última página da revista, estava lá! Fiquei ainda mais emocionada, que lugar de honra! Hoje a Tpm passou a ser o diário que eu fazia por dia, agora faço isso uma vez por mês.

Vai lá:
Íntima desordem - os melhores textos na Tpm, por Mara Gabrilli
Editora Arx e Versar, 176 páginas, R$ 29,90
www.maragabrilli.com.br

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