Uma barata enorme, pré-histórica, aparece no décimo sexto dia de quarentena de Otávio e Marina. Acompanhe a história contínua da nossa colunista Milly Lacombe
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Quarentena, dia 16
– Onde tem pano de chão, Marina? Não achei no armário do quartinho da área
– Por quê? O que você derrubou?
– Não derrubei nada. Vou fazer uma faxina na casa
– Meu Deus do céu. Milagres da quarentena
– Tá. Me diz onde acho pano de chão, por favor
– O fato de você não saber onde eles ficam comunica muitas coisas, né?
– Pra saber onde eles ficam a gente conta com o trabalho da Lia
– Se você considera que essa é a sua casa você deveria sim saber onde fica o pano de chão. A Lia vem três vezes por semana, então sobram aí quatro dias na semana para que a gente mantenha a casa limpa. Quem será que faz isso? Os duendes da limpeza que chegam na madrugada?
– Se fosse isso eu certamente já teria tomado um uísque com eles. Você quer papear ou quer que eu limpe a casa?
– Limpe a casa, sem a menor dúvida. Panos de chão estão dentro de uma caixa no armário que fica ao lado do tanque. Mas antes de passar pano precisa varrer ou aspirar
– Onde fica o aspirador então?
– Otávio, meu amor. Vai lá na área e explora o território livremente, pode ser? Você vai descobrir coisas incríveis, eu te garanto. Assim eu termino de fazer essa planilha aqui e vou pensar no jantar, que hoje, por causa desse seu grandioso ato comunitário, vai ser para dois
Menos de dez minutos depois Marina escuta barulhos e berros vindos da área.
– Caralho! Puta que o pariu! Morre, filha da puta! Morre, demônio
– O que que aconteceu, pelo amor de Deus? – Marina chega apavorada na área e vê Otávio de cócoras com a havaiana em uma das mãos dando chineladas no chão
– Uma barata! Enorme! Pré-histórica. Caralho! Puta merda!
– Matou?
– Não sei. Olha pra mim, por favor. Tô tremendo
– Matou! Uau. Dois milagres num mesmo dia
– Matei? Tem certeza? Elas renascem. Joga o corpo fora, por favor. Não consigo olhar
– Vai pra sala, deixa eu me livrar dela
Marina pega a barata com um pedaço de papel e, antes de jogá-la na privada do lavabo e puxar a descarga, escuta Otávio dando um berro ancestral na janela seguido de:
– Matei uma barata, porra! Cabra macho, cabra fodão, cabra corajoso! Matei a barata! Caralho! Puta merda!
– Quando a quarentena acabar a gente vai erguer uma estátua em homenagem à sua coragem, Otávio – diz Marina, voltando para sua mesa de trabalho
– Jogou ela fora?
– Sim
– Onde?
– Na privada
– Do meu banheiro?
– Que eu chamo de lavabo
– Marina, elas voltam, elas renascem, elas sabem renascer. Vai olhar se ela foi embora mesmo, por favor
– Foi, Otávio. Tá já no esgoto do mundo. Agora segue com a limpeza
– E se eu achar outra?
– Você faz o que você fez: destrói o inseto para além do reconhecimento
– Não é um inseto, você sabe. É um enviado do demônio
– Tá, Otávio. Vou voltar aqui pro meu trabalho. Força aí na aventura da limpeza. À noite faço aquele penne alho e óleo que minha mãe ensinou e a gente celebra tantas conquistas
Esta história continua. Acompanhe os próximos capítulos na Tpm.
Créditos
Imagem principal: Manhã Ortiz