“Eu como chocolate e fritura”. Sim, essa é Bela Gil mostrando não ser a radical que muitos acreditam
Musa inspiradora de memes e dos adeptos da dieta saudável, Bela Gil considera sua alimentação ativismo, quer mudar o mundo pela boca. Nesse caminho, vai fazendo seu pé de meia: o programa que comanda já está entre os mais vistos do canal GNT e seus dois livros de receitas (Bela Cozinha 1 e 2) já venderam 280 mil exemplares. Repare, no Brasil a Câmara Brasileira do Livro considera um best-seller obras com mais de 15 mil unidades vendidas. Em fevereiro, a rainha da linhaça entra no fantástico mundo virtual e estreia um canal no YouTube. Mas, Bela avisa: “não estou aqui para falar só de comida. Eu sou uma mulher, uma cidadã, tenho opinião”.
Memes e fama à parte, ela leva a sério a causa, mas não é a radical que muitos gostam de acreditar. Reconhece que comprar orgânicos nem sempre é possível, sua filha come bobagens pontualmente e, para a surpresa desta repórter, a chef assume gostar de fritura, mais especificamente aipim frito. “Não existe fora da dieta para mim. Eu como chocolate, fritura. Só doso a quantidade”, diz. Então tudo bem tomar um pouco de refrigerante? “Industrializado não, só comida de verdade”, diz Bela sendo Bela.
Na temporada de verão do seu programa, gravada na Bahia, a sétima filha de Gilberto Gil visitou produtores de cacau e azeite de dendê para mostrar de onde vem esses alimentos. Para ela, saber o que está por trás da comida, inclusive do chocolate que assume adorar e consumir, é tão importante quanto se alimentar bem.
Bela está no quinto mês de sua segunda gravidez e não, a criança não se chamará Jiló. Diferente da primeira, agora sofre com enjoo. Para combatê-lo, toma água de gengibre e consome frutas cítricas como limão, laranja e grapefruit. Alcalinizam o organismo e por isso ajudam, explica.
No papo a seguir, a chef fala sobre como consumir orgânicos dentro de um orçamento limitado, aipim frito, açúcar, vegetarianismo, parto normal e porque seu ativismo na cozinha incomoda tanto.
Nas suas redes, você diz que açúcar é veneno. Pensa isso em qualquer quantidade? A diferença entre remédio e veneno está na dose, né? O problema é, com certeza, a quantidade que a gente consome hoje. O brasileiro ingere 50kg de açúcar por ano. É inadmissível. As pessoas não veem as consequências de imediato, mas sim a longo prazo. É um veneno silencioso, de efeito lento. E é terrível porque é legalizado, totalmente livre. Temos acesso a qualquer hora, em qualquer idade, em qualquer quantidade. Tinha que ter regulamentação.
Sua filha [Flor Gil, 7 anos] come açúcar? Em casa não entra açúcar, mas fora ela até come. Mas não come muito porque passa mal. O importante é que ela tem consciência de que aquilo não é uma refeição, que não deve fazer parte da vida. É um dia atípico e só. Ela sabe o que é comida saudável. Mas acredite, não sou uma ditadora [risos].
Por que a lancheira com batata doce vira alvo de críticas e muitos pais não veem problema quando seus filhos comem biscoitos recheados e refrigerante todos os dias? É falta de educação nesse sentido. As pessoas estão automatizadas. Foram convencidas de que é normal dar refrigerante na mamadeira. Te garanto que ninguém pensa “faz mal para o meu filho, mas eu quero dar isso para ele”.
Por que ser saudável e fazer da alimentação ativismo incomoda? O problema é que as pessoas não sabem. Isso não faz parte da educação delas. Então, fica difícil ver o outro lado. Dizem “ai, churrasco de melancia, que coisa horrorosa”. Já experimentou? Se você não sabe, por que diz? Se as pessoas mudassem de vida, vissem os benefícios, duvido que teriam a mesma visão.
As críticas te afetam? Às vezes fico triste, sim. Fico triste de ver alguém condenando uma lancheira com batata doce. É uma tristeza ser uma cidadã que quer um mundo melhor e ser criticada. Mas não me derruba. As pessoas tem preconceito contra aquilo que elas não conhecem...
Você já usou sua influência nas redes para abordar outros assuntos que não a alimentação, como violência contra a mulher. Você se considera feminista? Eu não estou aqui para falar só sobre comida. Eu sou uma mulher, uma cidadã, tenho opinião. Quero construir um Brasil melhor e isso vai muito além da alimentação. Sou uma feminista no sentido de querer empoderar a mulher, fazê-la se sentir bem, humana, responsável pela própria vida.
“Comer orgânico é muito melhor, mas com agrotóxico ou não, consuma arroz, feijão, legumes e verduras ao invés de refrigerante, biscoito e outros alimentos industrializados”
Bela Gil
Você repetiu algumas vezes aqui que grande parte dos problemas vem da falta de educação. Acha que estamos atrasados? Sim. Em relação à alimentação, incentivo aos orgânicos, empoderamento feminino, com certeza estamos atrasados. O Brasil ainda é manipulado.
Por falar em orgânicos, eles permanecem inacessíveis para muita gente. Como ser saudável dentro de um orçamento limitado? O primeiro passo é comer comida de verdade. Comer orgânico é muito melhor, claro, mas com agrotóxico ou não, consuma arroz, feijão, legumes e verduras ao invés de refrigerante, biscoito e outros alimentos industrializados. Trocar o supermercado pela feira já é uma boa maneira de começar.
Muitos dos produtos que você usa estão distantes da realidade do brasileiro médio. Você enxerga essa distância? Acho engraçado porque as pessoas se apegam só a uma batata yacon que eu mostrei no programa e já falam que a comida que eu faço é distante. Há um preconceito contra o programa em si em relação à acessibilidade dos alimentos. A verdade é que eu só resgato o que foi esquecido. Tudo é comida de brasileiro.
Você acha que os produtos são todos acessíveis? Essa distância acontece por uma percepção errada das pessoas? Eu acho. Essa distância é muito relativa. Para alguém que mora na roça é muito mais simples e fácil comer aipim, fubá, inhame que produtos industrializados. Talvez quem esteja na cidade ache o contrário.
Em uma entrevista você disse que é uma “vegetariana que come carne às vezes”. Recebeu duras críticas. Voltou atrás? Eu não quero ter rótulos. Posso me considerar uma vegetariana ou carnívora dependendo do meu estado de espírito e da minha saúde. Normalmente, eu não como carne e outros ingredientes de origem animal, mas se me der na telha, eu vou comer.
Para veganos e vegetarianos sua declaração foi infeliz porque propagou uma visão sobre vegetarianismo que a causa tenta combater. Eu não quis causar nenhum dano ao significado da palavra, de modo algum foi minha intenção. Foi simplesmente uma resposta pessoal da minha alimentação. Para mim estava muito claro o que é ser vegetariano.
“Eu posso me considerar vegetariana ou carnívora dependendo do meu estado de espírito e da minha saúde”
Bela Gil
Hoje se sabe que a pecuária é uma indústria de forte impacto ambiental. Como ativista, você pensa em parar de comer carne? Dá para aliar as duas coisas. Você pode ter carne na dieta tendo boas intenções, protegendo a saúde e o meio ambiente. A quantidade é o grande mal. Ninguém precisa do tanto de carne que comemos hoje, ninguém precisa de peixe que come soja transgênica. Ninguém precisa deixar de comer carne para salvar o planeta, e sim diminuir o que consome, saber de onde vem a comida. Eu, por exemplo, como carne de boa procedência.
O que é escapar da dieta para você? Não gosto dessa expressão “sair da dieta”. Isso valeria se eu fizesse uma dieta específica, mas não é o caso, não gosto de rótulos, é a minha vida. E ela engloba fritura, chocolate. Eu como aipim frito e isso está dentro de uma dieta saudável. Só doso a quantidade.
Chocolate? Quando, na TPM? Sim, eu como, adoro. Posso comer chocolate três vezes em uma semana porque estou viajando e depois passar meses sem comer.
Se é só dosar a quantidade, então tudo bem comer um pouquinho de biscoito recheado e refrigerante? Minha dieta não inclui isso, mas pode ter chocolate. E eu respondo pela minha dieta, se é ok para as outras pessoas tomarem refrigerante ou não, é a vida delas. Meu negócio não é industrializado e sim comida de verdade.
O parto da Flor foi normal? Como você planeja o próximo? Sim, foi normal. Quero que esse seja normal também. Eu não sou contra a cesária, mas ela é apenas para salvar vidas, e não “estou grávida, meu filho vai nascer dia 27 de dezembro”. O Brasil tem um dos maiores índices de cesarianas no mundo. Não faz sentido. O melhor jeito de ter filho é parindo.
Escute o Trip FM com Bela Gil.
Créditos
Pedro Serrão