Cozinheira e comunicadora, ela viu o interesse por suas receitas dobrar durante a quarentena
"Me encanto com as milhares de possibilidades de sabores que existem e que ainda podem existir. É muito maravilhoso, sobretudo porque está ao nosso alcance, ali na nossa cozinha", diz a cozinheira e comunicadora Lena Mattar. Ela compartilha suas receitas, seu olhar e sua abordagem sobre comida na internet com posts no Instagram e em uma recheada newsletter. "Estar na caixa de e-mail de alguém tem um baita significado, né? Me sinto lisonjeada por, no meio desse mundão de informação, a pessoa escolher receber um e-mail meu", diz.
Lena já trabalhava há anos com comunicação gastronômica quando parou pra entender o que realmente gostava de comer e de cozinhar, o que tinha pra oferecer e o que sentia falta no mercado de conteúdo culinário. "Eu entendi que queria pensar em receitas para variar o dia a dia das pessoas, que fugissem da rotina e que elas não conhecessem. Um exemplo prático: no Brasil, temos iogurte, ovo, manteiga e páprica à nossa disposição, mas a grande maioria das pessoas nunca pensa em temperar esse iogurte com sal e pimenta e servir com um ovo frito e manteiga de páprica como é tradicionalmente feito na Turquia." [A receita está no fim da entrevista!].
A pandemia e o contexto do isolamento social interferiram diretamente no interesse das pessoas pelo conteúdo de Lena. "Foi surpreendente. A pandemia trouxe pra perto muitas novas pessoas interessadas em cozinhar. Eu já tinha dobrado meu público em um ano, mas com a pandemia eu vi ele dobrar de novo em alguns meses. Como a maioria das pessoas estava muito tensa dentro de casa e outras passaram a ter mais tempo livre, a cozinha acabou sendo um refúgio", diz. Se liga na ideia que trocamos com ela:
Tpm. Quando você decidiu usar a internet para compartilhar receitas e se aproximar do público?
Lena Mattar. Faz em torno de um ano e meio que decidi criar meu próprio conteúdo e usar meu Instagram para isso, bem como criar uma newsletter. Eu trabalho com comunicação gastronômica e atendo alguns restaurantes e produtos bem legais aqui de São Paulo, para os quais eu faço conteúdo. E, apesar de adorar esse trabalho, eu sentia falta de compartilhar o meu conteúdo, as minhas receitas, o meu olhar e a minha abordagem.
Como a pandemia impactou no interesse das pessoas pelo seu trabalho? Nossa, foi surpreendente! A pandemia impactou muito e, apesar do cenário caótico e tristíssimo que vivemos, trouxe pra perto muitas novas pessoas interessadas em cozinhar. Tornar o meu Instagram profissional e criar a minha newsletter já tinham dobrado meu público em um ano, mas com a pandemia eu vi ele dobrar de novo em alguns meses.
Você acha que o contexto do isolamento mudou hábitos alimentares? Acho que mudou, sim, porque as pessoas passaram a fazer em casa refeições que antes faziam fora e muita gente passou a se preocupar mais em ter uma alimentação saudável pra compensar a impossibilidade de se exercitar (quando ainda era proibido ir à academia) ou mesmo para manter a imunidade lá em cima. Cozinhar pode ser uma atividade bem terapêutica também. Como a grande maioria das pessoas estava muito tensa dentro de casa e outras passaram a ter mais tempo livre, a cozinha acabou sendo um refúgio. Sem nem entrar nos méritos do que elas estão cozinhando, só o hábito de fazer a própria comida já é, em si, mais saudável e interessante. E acho que mesmo recorrendo ao delivery uma vez ou outra, é inviável se manter apenas com entregas. Seja porque é financeiramente insustentável pra grande maioria das pessoas, seja porque não tem saúde que dê conta, né?
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Que tipo de receita as pessoas te pedem? Olha, sendo bem sincera, eu não determino as receitas que vou compartilhar com base no que as pessoas pedem. Desde que eu comecei a pensar em compartilhar receitas, ideias e tudo mais, eu parei pra entender o que eu gostava de comer e de cozinhar, o que eu tinha pra oferecer e o que eu sentia falta no mercado de conteúdo culinário. Junto dessa análise ainda me dei conta de que nem tudo que eu gosto de comer, eu gosto de cozinhar. Por exemplo, eu amo arroz com feijão e como com muita frequência no almoço, naquele momento bem cotidiano. Mas à noite eu não quero cozinhar algo tão rotineiro; eu quero algo diferente, mais leve, alguma receita nova. E percebi que muita gente em volta de mim também.
Eu entendi que eu queria compartilhar receitas para variar o dia a dia das pessoas, que fugissem da rotina e que elas não conhecessem. Com isso, eu queria que o ato de cozinhar fosse um momento para entretenimento ao passo que aumentasse o repertório das pessoas – em termos de receitas, ingredientes, combinação de sabores, culturas de diferentes lugares, etc. Vou te dar um exemplo prático: no Brasil, temos iogurte, ovo, manteiga e páprica à nossa disposição. Mas a grande maioria das pessoas nunca pensa em temperar esse iogurte com sal e pimenta e servir com um ovo frito e manteiga de páprica como é tradicionalmente feito na Turquia.
Por que você apostou em newsletter? Enquanto eu refletia sobre como iria desenvolver meu trabalho, concluí que eu não queria construir um trabalho que dependesse 100% do Instagram (e demais redes), pois mesmo sendo muito legal e tendo muitos seguidores, a plataforma é quem decide tudo. Eu dependo dela existir, dela funcionar bem, dela escolher mostrar meu conteúdo pra um número X de pessoas e por aí vai. Eu queria me relacionar com as pessoas diretamente, ter o contato delas. E estar na caixa de e-mail de alguém tem um baita significado, né? Me sinto lisonjeada por, no meio desse mundão de informação, a pessoa escolher receber um e-mail meu.
Que tipo de conteúdo você compartilha por ali? Compartilho receitas pra variar o dia a dia. A grande maioria delas são de fácil execução, e algumas poucas exigem um pouco mais de dedicação. A newsletter normalmente tem um tema que as três receitas seguem. Por exemplo, receitas que levam cerveja no preparo: Welsh rarebit, galeto marinado na cerveja com laranja e harissa e bolo de Guinness com café. Mas sempre mando outros conteúdos: playlist, dicas de produtos que eu gosto (bebidas, temperos, conservas, etc.), livros, podcasts, Instagrams legais para seguir, dicas culinárias... As receitas, depois que a news é enviada, vão para o meu site, mas os demais conteúdos são exclusivos de quem assina.
Por que você cozinha? O que te motiva? O primeiro motivo é o fato de eu vir de uma família que cozinha muito e muito bem. Por conta disso, comer sempre foi uma atividade valorizada na família. A mesa estava sempre posta e eu sempre estive cercada de boas comidas. Mas, além disso, eu acho que cozinho porque entra ano e sai ano, não importa o quanto eu cozinhe, eu sempre me encanto. Continuo achando mágico misturar farinha, ovo, leite e ter um bolo fofo dali alguns minutos. Me encanto com as milhares de possibilidades de sabores que existem e que ainda podem existir. É muito maravilhoso, sobretudo porque está ao nosso alcance, ali na nossa cozinha. E, por último, porque acredito que os rituais de compartilhar a comida, seja presenteando alguém, seja sentando-se à mesa com alguém, são uma das formas mais poderosas de criarmos e fortalecermos as relações humanas.
Como começou a se interessar profissionalmente pelo assunto? Depois de me formar como publicitária, fui passar três meses em Paris. A ideia era estudar francês, mas acho que inconscientemente eu já sabia que estava indo pra um país com uma cultura gastronômica muito forte. Acabei me encantando por tudo, sobretudo pelos vinhos. Fiquei um ano e meio para me formar como sommelière no Le Cordon Bleu. De volta a são Paulo, trabalhei durante dois anos em salão como sommelière, mas ali eu já sabia que eu queria unir meus conhecimentos e trabalhar com comunicação. Então saí para fazer um curso de cozinha (na Escola Wilma Kovesi) e desde então trabalho fazendo assessoria de imprensa, conteúdo para redes sociais, consultoria, produção de fotos... Enfim, com comunicação gastronômica.
RECEITA DE OVOS TURCOS
Conhecido como “Çilbir”, a receita tem como protagonistas dois ingredientes bem comuns, mas que dificilmente são servidos juntos aqui no Brasil: ovo e iogurte. A mistura pode até soar estranha, mas garanto que aprender a comer iogurte salgado abrirá horizontes na sua cozinha! Ah, a receita tradicional usa um ovo poché, mas como isso costuma afugentar as pessoas, sugiro fazer um simples ovo frito com gema mole.
Rendimento: 2 porções
INGREDIENTES
2 ovos caipiras
300g de iogurte tipo grego não adoçado
2 colheres (sopa) de manteiga sem sal
1 colher (chá) de páprica defumada
½ dente de alho
Azeite de oliva
Pimenta-do-reino
Sal
MODO DE PREPARO
01 /
Amasse o alho e misture com o iogurte. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto e divida entre dois bowls.
02 /
Aqueça uma frigideira e derreta a manteiga. Acrescente a páprica e misture tomando cuidado para não deixar queimar. Retire do fogo e reserve. Depois de um tempo as partículas sólidas da manteiga terão se acumulado no fundo do recipiente. Escorra a manteiga e despreze os sólidos.
03 /
Para fazer o ovo frito como o da foto, esquente outra frigideira sobre fogo baixo e, atenção, não aumente o fogo ao longo do processo. Unte a frigideira com o mínimo de azeite necessário.
04 /
Quebre o ovo e tampe a frigideira. Deixe fritar lentamente até a clara estar cozida e firme, mas com a gema ainda mole. Repita o processo com o outro ovo.
05 /
Coloque o ovo sobre o iogurte e regue com a manteiga de páprica. Finalize com um pouco mais de pimenta-do-reino e sirva com pão.
Créditos
Imagem principal: Bruno Geraldi