por Antonia Pellegrino
Tpm #104

A fofocagem é uma espécie de momento não crítico, a fala sai da boca sem passar na cabeça

Enxurrada de carochas ronda como urubus a modesta e pacífica vida de anônimos, provocando risos e reflexões.

Risos: só no último mês, ouvi que meu marido é drogado, era meio veado antes de casar comigo, e eu o "consertei", mas ainda assim nós dois tínhamos um caso com um cantor da MPB, tudo isso antes de eu ser amante de uma atriz, que diziam ter se separado para ficar com uma artista plástica.

Do que eu mais gosto é ter "consertado" o "meio" veado do meu marido, como uma pastora evangélica do sexo ou uma macumbeira de subúrbio, "trago o heterossexualismo do seu filho em três noites".

O disse me disse é a novela da tradição oral. Extremamente popular, mas considerada baixa forma de entretenimento. Não conheço ninguém que, em algum nível, não se delicie com quentíssimas. A fofocagem é uma espécie de momento não crítico, quando a fala escorre da boca sem antes passar pela cabeça. Daí o lugar perfeito para esse tipo de revista ser o salão de beleza.

Depois de saber do tricô a meu respeito, me propus um exercício diário de auto-observação para descobrir quanto tempo gasto com mexericos, qual a intensidade da minha irresponsabilidade e maledicência na fofocagem.

Te conheço?

Socialmente cometo leves delitos. Conto histórias das pessoas, me divirto com fofocas, perco tempo sendo voyeur de Facebook. Sou humana, afinal. Transito bem no lixo-ruído da comunicação, procurando afirmar o que há de melhor nos outros. No entanto, me vi falando dos mezzo conhecidos irresponsavelmente. E para consumo interno, entre amigos, posso ser bem maliciosa, mesmo falando de outros amigos. Seremos todos assim? Apesar das tentativas de televisionar os segredos mais íntimos dos outros, a única bússola que me auxilia na resposta é meu próprio comportamento. Percebi que na maioria do tempo sou ótima pessoa e não tenho modéstia ao me chamar de boa amiga. Mas, com aquele amigo víbora, não resisto ao poder do império do mal e acabo unida na perfídia. Quando juntos, trabalhamos no Butantã.

Me olhei diante das pessoas sobre quem futriquei e senti vergonha de mim mesma, sobretudo ao abraçá-las. Da mesma forma que uma das delícias da fofoca é ausência de autocrítica, ela é também o seu maior problema. As marcas do que você mesmo disse ficam na consciência, permanecem no tempo. Como uma arqueóloga, cavo em minha memória o que mexeriquei sobre alguns dos meus e me pergunto: como ainda somos próximos?

Já admirei aqueles que dominam a arte do insulto e são capazes de falar com sofisticação das mazelas alheias. Hoje considero maiores os que exaltam a beleza dos outros. Resolvi me dar um choque de ordem, fazer uma escolha moral e ser irremediavelmente parte do último grupo. Em tempos de Facebook como entretenimento, sou a favor da fofoca sustentável. Ou seja, não passemos histórias para frente sem antes relativizá-las, ou seja, incluirmos uma nota de rodapé dizendo que a fonte é duvidosa, que o babado que estala na tua língua pode ser pura ficção. E, sobretudo, façamos dos venenos vacinas contra nossas próprias desumanidades.

Antonia Pellegrino, 30 anos, é roteirista e escritora. Seu e-mail: a.pellegrino@terra.com.br 

fechar