Até que o block nos separe

por Natacha Cortêz
Tpm #139

Por que é tão difícil terminar relacionamentos em tempos de redes sociais?

Era a primeira noite em que Elisa*, 29 anos, levava um cara para casa depois do fim do relacionamento de quatro anos com Marcelo*. O ex-namorado ainda mantinha suas camisas de flanela e HQs do Daniel Clowes pelos móveis do quarto da ilustradora; mesmo assim, ela estava convencida de que nunca mais teria notícias do dito-cujo. Então, a surpresa foi das de cair o queixo quando seu celular começou um samba frenético na cadeira ao lado da cama. “Acordada?”, dizia a mensagem. Sem interromper o beijo na visita, esticou o braço e enfiou o aparelho dentro de uma das HQs de Clowes, que não deu conta de abafar o som dos 11 WhatsApps bêbados de Marcelo que vieram a seguir. Naquela noite, Elisa acabou dispensando o convidado antes que o sol nascesse e passou o resto da madrugada insone, percorrendo perfis de Instagram de amigos comuns em busca de fotos que denunciassem os últimos passos do ex.

É verdade que, depois do rompimento, Elisa nunca mais encontrou Marcelo pessoalmente. Mas o relacionamento se prolongou de uma maneira que só as redes sociais são capazes de garantir: os dois passaram um ano – um ano! – trocando indiretas virtuais e vigiando os perfis um do outro. Também tiveram duas DRs por WhatsApp. Uma delas durou um dia inteiro e a fez adiar uma viagem planejada havia meses. “As cobranças dele eram de namorado. Quando disse que pararia de falar comigo se eu viajasse, cancelei a passagem”, lembra a paulistana. Em nenhum momento ela se perguntou por que usava as redes para manter a ligação com o ex. “Acho que era medo de desapegar”, reflete. “Não fazia mais sentido ele na minha rotina, na minha casa, na minha cama, mas eu não conseguia deixar de ter contato. Não conseguia deletar de vez.”

“No cenário virtual, que permitem vigiar a vida alheia e alimentar relações a uma distância segura, mais e mais romances se arrastam”
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As redes sociais estão reconfigurando nossas relações, diz Cristiano Nabuco de Abreu, psicólogo e coordenador do Grupo de Dependência de Internet do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. “E se elas mudam a forma como nos relacionamos, mudam tudo que está subordinado a isso: como começamos, e claro, como terminamos.” No cenário virtual das redes, que permitem vigiar a vida alheia e alimentar relações a uma distância segura, mais e mais romances se arrastam indefinidamente, mesmo depois de oficialmente encerrados.

O que os olhos não veem
Por seis meses, a analista de mídias sociais Gheisa Lessa, 24, arrastou um caso moribundo com Júlia*. “Não fossem as redes, tudo teria acabado antes”, ela acredita. As constantes investidas virtuais da ex, variando entre curtidas no Instagram e e-mails inoportunos cobrando satisfações, mantinham a analista mobilizada. Só conseguiu encerrar o caso de vez quando descobriu, pelo Twitter, que Júlia mantinha um flerte com um antigo affaire da própria Gheisa. “Bloqueei ela das redes e me afastei de vez de tudo que fazia menção à garota. Até amigos em comum deletei. Não foi fácil, mas o que os olhos não veem o coração não sente, não é?”

“Quando estamos determinados a achar informações nas redes, bloquear e deletar são ferramentas imperfeitas”
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Deixar de acompanhar alguém virtualmente não é sempre simples. “Quando estamos determinados a achar informações nas redes, bloquear e deletar são ferramentas imperfeitas”, diz o teórico britânico Tom Chatfield, autor de Como viver na era digital, lançado pela editora Objetiva com o selo da The School of Life, do escritor e filósofo suíço Alain de Botton. Isso porque muita gente cria perfis fake e/ou usa contas de conhecidos. Para ele, é importante parar de procurar rastros virtuais do outro, custe o que custar, e, de repente, até interromper os próprios compartilhamentos por um tempo. “A privacidade on-line é sempre saudável, para quem a mantém e, principalmente, para quem tende a stalkear”, defende Chatfield. 
Não aprendi a dizer adeus
“Perdemos o costume de dizer adeus”, observa Tara Marshall, psicóloga do Departamento de Psicologia da Escola de Ciências Sociais da Brunel University, no Reino Unido. Segundo ela, com a conveniência oferecida pelas redes, para romper de vez um relacionamento é preciso querer, e muito. “O que custa enviar uma mensagem a cada dois meses? O que custa curtir fotos no Instagram ou posts no Facebook? A manutenção das relações nas redes é prática, rápida e já faz parte do nosso comportamento diário. Você pode curtir meia dúzia de atualizações de uma pessoa e, ainda assim, vê-la ocasionalmente e tratá-la como íntima.”

A história de Alessandra Siedschlag, 42, colunista e apresentadora de um portal na internet, parece dramaturgia - mas é vida real, ou melhor, virtual. Depois do fim de um casamento de seis anos, se viu stalker das atualizações do ex-marido. Por um ano, ela e o ex exerceram uma perseguição do tipo cão e gato, só que através das redes. “As atualizações dele caíam na minha timelime e estragavam meu dia”, lembra. “Eu sabia o que ele comia no almoço.” Em um momento hard stalk, ela acabou no LinkedIn, uma rede social de troca de contatos de trabalho, no perfil da garota com quem o ex estava saindo. “Me vi anotando o telefone dela”, admite.

Alessandra não tem dúvida: a relação com o ex durou mais por causa das redes. “A gente se seguia em tudo. Não aguentamos de ciúme um do outro e voltamos.” Cinco meses depois de assinarem o divórcio, reataram o namoro. Não durou dois meses. De acordo com Nabuco de Abreu, casos como o da colunista não são raros. “Cada vez que você visita o perfil do seu ex, é como se estivesse recordando. Evidente que pode ter um aspecto nostálgico, mas a pergunta é: qual a linha divisória entre o que seria nostalgia e o que seria dependência?” 

“É importante guardar sua paixão e sua eloquência para as pessoas e ocasiões que realmente valem a pena no presente” (Tom Chatfield, teórico britânico) 

Saudade?
Segundo o psicólogo, acompanhar perfis de antigos parceiros de romance pode trazer saudade, mas também idealizações, algo que o virtual tende a alimentar. “Imaginar que a pessoa mudou, que leva uma vida inexplicavelmente solar, perfeita e intensa – diferente da sua –, seduz e muitas vezes confunde. Ainda mais se quem visualiza está em um momento de vulnerabilidade”, diz.

Uma pesquisa feita em 2012 pela Western University, do Canadá, com 170 pessoas, entre 18 e 35 anos, mostrou que a maioria está sujeita a esses sentimentos. Dos entrevistados, 88% afirmaram usar o Facebook com frequência para acompanhar o que o ex-parceiro está fazendo. Segundo a estudante de mestrado Veronika Lucacs, responsável pela tese, o maior interesse dos participantes era saber se o ex tinha um novo companheiro, enquanto 74% disseram fuçar o perfil de pessoas que acreditavam ser o novo parceiro do ex (ou de fato eram).
Um terço do total dos participantes admitiu que também atualiza o perfil com intenção de fazer ciúme para o ex, usando fotos “de momentos de extrema diversão” ou letras de músicas cheias de indiretas.

O intuito da estudante era saber se esse tipo de comportamento aumenta o sofrimento em um processo de separação. Sua conclusão é que sim, aumenta: “Quanto mais fiscalização, mais aflição. O difícil é explicar se a vigilância deixa a pessoa mais angustiada ou se ela vigia por estar angustiada”.

Era um dia cheio na rotina de trabalho da redatora publicitária Ana Mattioni, 24, mas isso não a impediu de adicionar um antigo ex-namorado no Facebook. “Estava há seis anos sem falar com ele. Adicionei e ainda me pergunto por quê. Não queria retomar nada, queria comunicar: ‘Ei, estamos bem. Agora tratemos de seguir cada um com a sua vida’.” Mas o rapaz entendeu errado. Dias depois – e sem que Ana fizesse outro contato –, ele a convidou para um vinho e ligou para o pai dela para conversar sobre futebol. “Tive de avisar que não tínhamos nada mais em comum, a não ser estarmos na mesma rede social”, conta.

O silêncio on-line vale ouro, diz Chatfield, e pode impedir um mal-estar desnecessário em muitas situações. “É importante guardar sua paixão e sua eloquência para as pessoas e ocasiões que realmente valem a pena no momento presente, em vez de resgatar memórias de um passado que você não deveria estar revivendo.”

Por outro lado, a tentação de bisbilhotar e de se exceder no mundo virtual não pode ser desprezada. “O ambiente virtual permite ver sem ser visto”, diz Ana Luiza Mano, psicóloga do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática da Pontifícia Universidade de São Paulo. Ela acredita que a impressão de invisibilidade e de proteção que a internet dá aos seus usuários gera um efeito de desinibição. Ficamos mais corajosos e até mesmo menos consequentes on-line.

“Fiquei uma hora olhando chocada pro computador”

A poeta paranaense Ana Guadalupe, 28, é stalker assumida desde que se lembra. “Pra mim, olhar a vida do outro ou conversar com alguém em tom de flerte na internet não têm o mesmo peso que na vida real. Faço muito isso, de dar trela num dia de tédio e depois não querer mais. Acho que a tendência é um cinismo mesmo.” Apesar de não se importar, a poeta não passa ilesa da angústia, como ao se deparar em seu feed com o álbum de casamento de uma antiga paixão. “Fiquei uma hora olhando chocada pro computador.”

Pode ser difícil desapegar quando temos tamanha acessibilidade ao outro, e tão constantemente, mas, ao mesmo tempo, pondera Chatfield, nunca foi tão fácil estar ciente de outras opções. O teórico observa: “Creditamos muito poder às redes e esquecemos que podemos interromper o compartilhamento, desligar, ignorar, e até mesmo sair. Digam o que disserem, há vida fora delas”.

*Elisa, Marcelo e Júlia são pseudônimos.

Fuçar é viver

Porque, desde sempre, nem você nem sua avó estão livres de bisbilhotar

por Lia Bock*

Até a mais serena das moças, a mais cabeça aberta e compreensível, um dia será dragada pela bisbilhotice anônima e acabará, por força das circunstâncias, ou devido à dedicação intensa, fuçando, caçando (e por que não americanizar e dizer stalkeando?) a vida alheia. O ex, a nova gata do homem carma da vida, o bofe que nunca dá bola, tanto faz. O batimento cardíaco aumenta, o cenho se franze, as unhas ficam mais curtas e o coração, cheio de ódio. Pra que isso, meu Deus?!

Verdade que algumas darão uma fuçada rápida nos e-mails, nas mensagens fechadas das redes sociais (coisas que, aliás, deveriam se autodestruir depois de lidas) e desistirão ali mesmo de uma empreitada maior – afinal, ser louca dá trabalho. Mas outras não terão essa sorte e, como viciadas em caçar, se tornarão verdadeiros Jasons, perseguindo suas vítimas em Sexta-feira 13 sem dó ou fim, com direito a ressurreição, refilmagem e versão do diretor em cada um dos milhares de episódios. Ali, onde buscar já não é o meio, mas, sim, o fim, o alimento. Caçar uma escorregada alheia; descobrir senhas, amizades ocultas, fotos reveladoras; checar extratos, bolsos e comprovantes de pagamento no lixo; refazer trajetos e contar o tempo para comparar com a versão oficial... simplesmente porque não é possível parar, pois fuçar é viver.

É a febre pelo que não sabemos. Muitas vezes, uma necessidade de nos manter ligadas a algo que já nem queremos mais. É uma doença autocorrosiva que destrói lares e mentes que costumavam ser sãs. Um mal que acomete seres humanos desde o tempo em que prova era batom no colarinho e cartas podiam ser violadas com a ajuda da chaleira. Santa humanidade. Seja on-line ou espreitando atrás da porta, um hit no século 19, uma coisa é certa: ninguém sabe se Capitu traiu Bentinho (no livro Dom Casmurro, de Machado de Assis), mas todos sabem que o pobre acabou louco, obcecado, tomado pelo desejo de investigar o que houve entre sua esposa e Escobar. Pobre Bentinho, pobres de todos que ainda não se convenceram que é melhor ser corno do que ser louco.

Um beijo pra você que acha o e-mail do companheiro aberto e fecha antes que os olhos vejam o que o coração não precisa sentir.

*Lia Bock, jornalista, autora do livro Manual do mimimi e stalker nas horas vagas.

 

Se beber, não curta

Três aplicativos que ajudam a evitar recaídas ou manter o ex longe dos olhos

Killswitch. Apaga do seu Facebook os vestígios da relação mal-sucedida: fotos, vídeos, mensagens, atualizações de status e qualquer interação que você e o ex tenham tido na rede. Detalhe: tudo é deletado sem que o ex-namorado perceba. Para usar o serviço é preciso ser “amigo” da pessoa com quem as memórias foram compartilhadas. Se rolar um revival, o conteúdo pode ser resgatado. 

Ex-Lover Blocker. Para quem teme ter uma recaída, este app promete livrar o usuário da tentação. Ele bloqueia o telefone do seu ex e escala cinco amigos para ficar de olho em qualquer tentativa de contato que você fizer. Se você tentar desbloquear e chamar a pessoa, a ferramenta impede a ligação e manda um aviso para os amigos escolhidos, que têm 2 minutos para ligar para você e dissuadi-lo. Por fim, se você não atender a ligação dos vigilantes e ligar para algum antigo relacionamento, o aplicativo publica automaticamente sua recaída no Facebook.  

Don’t drink and dial. Você informa ao aplicativo os horários em que costuma encher a cara ou ficar carente e escolhe os números que deseja bloquear (para ligações e SMS). Ele cuida de não deixar entrar a ligação do ex em seus momentos mais vulneráveis.

Créditos

Imagem principal: Alex Batista

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