David Bowie e a arte de viajar

por Gaía Passarelli

Cinco ensinamentos bowieanos para viajantes - ao que tudo indica, o artista era uma ótima companhia para cair no mundo

Bowie não foi uma criatura perfeita. Mas tudo indica que deve ter sido a companhia ideal para viajar. Um apaixonado pelo mundo, com interesse por literatura, filosofia, artes plásticas e cênicas, ocultismo, tecnologia e tudo mais que cruzasse seu caminho, Bowie foi um viajante ávido. As aventuras em Berlim ficaram para a história da cultura pop, e seus rolês pela União Soviética e Japão deixaram marcas profundas em sua música e imagem. 

Abaixo, cinco ensinamentos bowieanos para viajantes.

1. Viajar devagar é sempre melhor.
Você sabia que desde os anos 1960 Bowie escolhia sempre que possível viajar por terra ou por mar? No meio da década, uma viagem do Japão para a Inglaterra por trem e mar, atravessando a União Soviética, Bowie começou a criar o que seria o mundo dispótico de Diamond Dogs. Vivendo em Los Angeles, criou o universo "blue eyed soul" de Young Americans (pra mim, seu melhor disco). Voar é uma opção mais rápida. Quando possível, tente trem, ônibus, carro. Até navio de carga!

Uma experiência imersiva e contemplativa, observando o mundo ao redor e tendo tempo para pensar pode transformar sua vida.

2. Cultura está em tudo e em todo o lugar.
Bowie foi um ator e músico incrivelmente talentoso. Mas não foi o único a encontrar sucesso na música e cinema/teatro. O que fez de Bowie um artista único é o fato de que, sendo uma pessoa profundamente inteligente, ele sempre funcionou como esponja. A exposição David Bowie Is (que começou em Londres, passou por São Paulo e Berlim) mostrou em detalhes as muitas influências do artista: filmes, pinturas, escultutas, roupas, livros. Principalmente livros. 

Alimento para a mente está em todo mundo e a curiosidade é o primeiro passo. Observe, aprenda e absorva.

3. Você é quem você quer ser.
Ziggy Stardust (que era um viajante do espaço) começou a agir como um astro do rock antes de realmente se tornar um. Bowie se transformou em diferentes personas com frequência e de forma inesperada. Gay ou hétero, com cabelo vermelho espetado ou loiro e elegante, assustadoramente magro e saudavelmente malhado, um hippie inglês e um yuppie nova-iorquino. E também um alienígena, um boxeador, um pierrot, um rei duende e o Homem Elefante. O que Bowie fez foi se manter fiel a sua essência enquanto repartiu sua visão com todo o mundo.

O cara acreditava em si mesmo. Nem todo mundo é mestre da manipulação de imagem, mas todo viajante pode ser beneficiar da segurança de saber o que quer.

4. O Japão é foda.
Dizem que a única tatuagem a macular a pele alva de Bowie era um kanji. Seu interesse por teatro noh e kabukivem da época em que Bowie esteve envolvido com mímica (sim, isso aconteceu) em meados da década de 1960, mas entrou numa nova etapa com os personagens Ziggy Stardust e Aladdin Sane. Essas imagens se tornaram algumas das mais características do artista, as desenhadas pelo artista Kansai Yamamoto. Ele tinha atração por todas as coisas japonesas.

Equilíbrio, tranquilidade, aceitação da passagem do tempo e a capacidade de transformar defeitos em qualidadessão elementos presentes na cultura japonesa – e podem ensinar uma coisa ou outra quando você está na estrada.

5. Sair da sua zona de conforto é sempre bom.
Depois de conquistar a Inglaterra, Bowie mudou para os Estados Unidos. Sem conseguir lidar com o circuito drogas/estrelato, ele voltou para a Europa e acabou em Berlim junto com o amigo e inspiração James Osterberg (que conhecemos como Iggy Pop). A “trilogia de Berlim”, formada pelos álbuns Low, “Heroes” e Lodger, lançados entre 1976 e 1979, representam um momento muito especial na trajetória do artista de Bowie, abertamente não-comercial, uma bem-vinda quebra com o passado. Quando Bowie voltou ao mundo pop, foi de forma grandiosa: a era Let’s Dance. O Bowie magricela, branco aguado e com dentes podres se transformou no superstar sorridente e bronzeado dos anos 1980. Mas antes de se reinventar e voltar como um grande sucessso, ele teve que sumir por um tempo. Aconteceu de novo durante a “década perdida” de Bowie. Ele parou de lançar discos em 2003, depois de sofrer uma parada cardíacada e encerrar uma tour. Bowie só voltou a lançar disco com The Next Day em 2013, mas os dez anos longe das paradas foram muito produtivos, com colaborações para trilhas sonoras e participações especiais em filmes. Ele escolheu ficar longe das notícias, cuidar da saúde (e parar de fumar os dizem que 50 cigarros diários) e da filha, circular em outras esferas. De novo, quando escolheu voltar foi em grande estilo.


Pense sobre o que você quer. Fuja do que não quer.

E, se precisar, vá viver um tempo como anônimo em Berlim.  

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