Perguntamos para grandes mulheres: o que falta para sermos verdadeiramente livres?
A história do mundo até aqui pode ser resumida em uma palavra: testosterona. Desde a invenção da escrita, 4 mil anos atrás, foi conferido aos homens o privilégio de estudar, pesquisar, publicar e governar.
Faz menos de um século que conquistamos direito ao voto, aos estudos, ao trabalho remunerado e até ao prazer. Nesse curtíssimo período de tempo, alcançamos aqueles que largaram com quase 4 mil anos de vantagem.
Hoje, somos cientistas, empresárias, presidentes de corporações e até de países. Mas o que veio colado a tantas conquistas? Pressão. Talvez tenhamos apenas acumulado exigências – ainda esperam que sejamos mães e mulheres perfeitas, profissionais bem-sucedidas; que saibamos cozinhar, mas que sejamos academicamente completas; que desfilemos uma aparência impecável, mas que consigamos liderar corporações e nações.
A verdade é que, em menos de cem anos, pulamos de um extremo do espectro da condição feminina para o outro sem que tenhamos nos livrado de amarras passadas – e ainda há muitas questões a serem resolvidas. Quais são algumas delas? Convocamos figuras que admiramos para nos ajudar a pensar e projetar o universo feminino daqui a dez anos.
Afinal, o que queremos é que as mulheres...
...envelheçam sem paranoias e sem se sentir invisíveis
Mirian Goldenberg,
54 anos, antropóloga e autora de Coroas: corpo, envelhecimento, casamento e infidelidade (ed. record) e Corpo, Envelhecimento e Felicidade (ed. civilização brasileira, inédito) – não vê a hora de chegar aos 70
“Quanto mais jovem é a mulher, mais ela tem medo de envelhecer. Essa constatação foi a que mais me chamou a atenção na pesquisa que faço desde 2007, com mulheres de 40 a 80 anos – no Brasil, na Alemanha, na Argentina e na Espanha. Quanto mais jovens, mais elas tomam cuidados estéticos ligados ao envelhecimento. Vão muito ao médico, usam muitos cremes hidratantes e filtros solares. Até os 50 anos, reclamam da decadência do corpo, da falta DE homem, quando solteiras – e das faltas DOS homens, quando casadas (falta de carinho, de atenção, de dinheiro, de sexo, de cumplicidade, de elogios, de intimidade etc.). Preocupamse demais com o que os outros vão pensar. Criei até o conceito de que, no Brasil, o marido é um verdadeiro capital, mais até do que o corpo. As mulheres precisam mostrar que não estão sozinhas, que não são fracassadas.
Tarde demais?
Já aquelas a partir dos 50 anos não se preocupam tanto com ter um marido. Dizem: ‘Posso até beijar na boca, mas casar nunca mais’. Falam, com muita felicidade, que é a primeira vez que podem ser elas mesmas, livres, sem precisar de um homem para mostrar seu valor. Não se preocupam tanto com a aparência, mas muito mais com a saúde. O tempo é delas, para viajar, ficar com as amigas, tomar um chope, fazer programas culturais, dar risadas. Mas comentam: ‘Pena que descobri tarde demais que a liberdade é minha maior riqueza!’. Agora querem usufruir essa liberdade. Antes, sentiam que tinham que ser muito sérias, preocupadas com o corpo, em seduzir o marido...
Quanto mais conversava com as mulheres mais velhas, mais vontade eu ficava de ter logo 70 anos! Envelhecer com essa perspectiva é uma grande felicidade. E, a partir dos meus 18 anos, comecei a ler Simone de Beauvoir e depois fiz minha tese de doutorado sobre Leila Diniz. Então, nunca fiquei muito preocupada com a opinião dos outros, em provar meu valor, em seguir certos padrões de comportamento exigidos pela sociedade. E, com essa pesquisa, quero mostrar não só os lados negativos de envelhecer, da decadência do corpo ou da solidão.
Aprendi, com minha própria experiência, que a vida pode melhorar muito com a idade. Então, o grande segredo é descobrir do que você gosta e ser você mesma. Ter a coragem de ser livre e feliz.”
Maitê Proença,
53 anos, atriz – sente na pele os efeitos dos anos, mas se recusa a perder tempo esquentando a cabeça com isso
“Tem me acontecido um fenômeno curioso de uns tempos pra cá. Pequenos pedaços de ser humano vêm se acrescentando ao meu corpo de forma insidiosa. Acontece à noite, enquanto durmo, no escuro da inconsciência uma matéria estranha se cola nas minhas reentrâncias. É uma massa roliça, molenga, disforme; depósitos de meleca grudam por minhas partes ao fechar dos olhos.
Ficou perigoso dormir. De manhã não reconheço o que vejo. Minha cintura, que já foi de pilão, está igual à de uma canguru a que assisti ontem saltitando pesadamente no Animal Planet, e a cada semana me cresce mais um marsupialzinho pela circunferência.
Com o traseiro é ainda mais grave. Não tenho comido mais ou pior do que de hábito. A ginástica, o pilates, a ioga, a corrida, que sempre me reequilibraram, de nada servem com os volumes de agora; essas sedimentações noturnas não respondem ao exercício físico. A coisa se fixa nas sombras, num descuido da gente, acontece quando menos se espera e nada tem a ver com as inofensivas gordurinhas de outrora. Talvez fosse o caso de me mexer muitíssimo, com exercícios ultrapesados e por horas intermináveis... Mas como, se não há tempo para os livros que quero ler, e os filmes que há pra ver, e tantos amigos a visitar, os telefonemas, a internet, dançar, beber, sonhar? E o trabalho que não diminui pra deixar caber tanta vida? Como, me digam, com tanta vida para viver, vou passar três horas do dia com a cabeça na bunda?”
...não precisem se masculinizar para assumir cargos de chefia
Marina Silva,
53 anos, ministra do Meio Ambiente e senadora (PV-AC) de 2003 a 2011 – acredita na liderança feminina a partir da delicadeza, do acolhimento e da intuição
“Sempre digo que as mulheres devem ocupar os espaços que vão conquistando na política, dentro das empresas, no campo das artes, da espiritualidade e da academia sem precisar caricaturar os homens. Uma parte das mulheres ainda acha que para ser respeitada precisa se transformar em uma caricatura do masculino, e eu acho que é perfeitamente adequado e necessário que a forma do feminino de liderar possa ocupar o seu espaço; aliás, a civilização tem caminhado manquejando porque tem se firmado só na terra do masculino.
É preciso se equilibrar sobre o masculino e o feminino, e esse equilíbrio só será possível quando assumirmos os espaços que estamos conquistando com nossa própria forma; com nossa forma intuitiva, delicada e que nem por isso deixa de ser firme e assertiva; com nossa liderança mais horizontalizada, mas que nem por isso deixa de ser uma forma de liderança. A maneira de acelerarmos esse processo é nos desaprisionarmos das amarras, aquelas que sugerem que, para sermos respeitadas, temos que falar grosso, bater na mesa, falar alto, enfim, sugerem que temos que ter os mesmos modelos masculinos.
Mais acolhedoras
Temos que assumir desta forma: as mulheres são diferentes; e a contribuição que podemos dar será mais efetiva quanto mais formos capazes de assumir essa diferença. As mulheres são mais inclusivas, mais acolhedoras das diferenças, mais dispostas a dividir a autoria, a realização e o reconhecimento das coisas e, com certeza, têm maior propensão a negociar em vez de disputar. As mulheres buscam mais o convencimento do que a disputa. Quanto mais exercitarmos essas qualidades, mais aceleraremos o processo de não termos que nos aprisionar a formas que não são nossas e mais contribuiremos para a melhoria das relações humanas no planeta, do homem consigo mesmo e com a natureza.
Porque durante milhares de anos as mulheres foram tratadas como incapazes. E, em pouco mais de um século, aprendemos tudo o que os homens sabem. Isso é fantástico se pensarmos que, durante milhares de anos, fomos subtraídas de todos os espaços de poder, de decisão, de liderança e de aprendizagem. Então, é uma demonstração fantástica da nossa capacidade de manejar experiências próprias, da nossa aprendizagem a partir do que observamos e assimilamos com a forma masculina, mas sem que seja uma caricatura – que seja, isso sim, uma elaboração, uma ressignificação.”
...tenham o direito de ir e vir sozinhas, em segurança, aonde bem entendem
Maya Gabeira,
24 anos, surfista de ondas grandes – não tem medo de andar sozinha pelo mundo...
“Viajo muito sozinha desde os meus 17 anos, quando saí de casa para pegar onda em vários lugares do mundo. Passei por muitas dificuldades por ser uma mulher viajando sozinha. Especialmente na Sumatra, na Indonésia, um país de religião muçulmana. Era constrangedor, me olhavam como se eu estivesse toda errada. Por isso, usava blusa de manga comprida, me sentia o tempo todo deslocada. Não era bem-visto uma mulher querer ser livre.
Mas isso não acontece só do outro lado do mundo. No Brasil, quando uma mulher chega sozinha a um bar ou se quer ficar com um cara e faz o approach, é vista com malícia pelos homens – e até por outras mulheres. Nosso país ainda é machista em relação a muitos outros. Me sinto mais à vontade sozinha, à noite, na Califórnia, onde moro, por exemplo, do que no Rio de Janeiro. Em várias situações, uso o celular como artifício – mando mensagens ou ligo para alguém, mesmo sem precisar. Sinto que dá uma segurança e bloqueia um pouco os olhares e, principalmente, a abordagem para conversas.
Igualdade
Ver um homem sem companhia num restaurante ou viajando sozinho é completamente normal. Percebo que, quando volto a algum lugar anos depois, muita gente me reconhece. Porque até pouco tempo era muito diferente uma mulher pegando onda, viajando só, então fiquei marcada. Talvez se fosse homem as pessoas não lembrassem, porque seria apenas mais um. Mas é claro que as diferenças entre nós e os homens diminuíram muito nos últimos dez anos. E acredito que o caminho é daqui para a igualdade.”
…sintam-se livres para namorar, em qualquer idade, uma pessoa de qualquer idade
Bárbara Paz,
36 anos, atriz – não casou com José, mas com o cineasta Hector Babenco, 28 anos mais velho. Estão juntos há cinco anos
“Deveria ter uns 3, 4 anos, e disse à minha mãe que estava apaixonada pelo Zé, nosso açougueiro. Um dia, soltei um verso para ele: ‘Zé, não gosto de teimoso/ não sei dizer por que/ mas Zé você é tão teimoso/ mas eu gosto de você’. Ele devia ter uns 48 anos, idade do meu pai. Me apaixonei pelo José, pelo jeito que falava comigo, por sua voz, pelo jeito que me pegava no colo, que me contava histórias, pelo jeito de me dar balas, como me olhava quando pedia para eu rezar um Pai-Nosso ou uma Ave-Maria. Ele me tratava como gente grande, me dava atenção, me dava amor. Era um amor, talvez o meu primeiro. Sentada no balcão onde se cortava a carne para depois embrulhá-la num papel pardo, aprendia um pouco sobre o que era ser amada sem precisar ser desejada. Namorar em qualquer idade uma pessoa de qualquer idade. Guardar esse amor, viver esse amor, aprender com esse amor.
Ser esse amor.
Meu pai faleceu logo depois que o açougue fechou.
Cresci querendo alguém que se chamasse José para namorar.
Cresci querendo alguém para amar. Para me encantar. Para dividir minhas orações, meus versos, minhas balas. Cresci buscando alguém que me tocasse como aqueles olhos me tocavam quando era guria.
Cresci ouvindo que o casamento era o fim da história. Que as principais virtudes da mulher, dentro e fora do casamento, deveriam ser a obediência e a submissão. Diziam que a inferioridade feminina provinha da fragilidade do sexo, da sua fraqueza ante os perigos da carne.
Na prática do sexo, a mulher deveria somente procriar, não deveria demonstrar sensação de prazer – a posição deveria ser o homem sobre a mulher. Essa posição ‘obrigatória’ indicava a situação de submissão que dela se esperava.
Conforto
Nos tempos de hoje a mulher sai em busca da caça. Com seu rifle. Para saciar o seu desejo. Seja ele de meia-idade ou de idade inteira.
Seja ele servo, bandido ou poeta. Seja rico, velho ou moço.
As mulheres não têm medo de dizer que querem transar, que preferem homens mais velhos, mais jovens, mais inteligentes, mais poetas; que gostam de ter prazer, que querem casar, ter filhos, ou não casar nem ter filhos, que querem só trabalhar, transar e escutar à noite histórias de um velho sábio.
Hoje elas podem falar, ter voz ativa, escolher os seus Josés.
Namorar no melhor sentido da palavra. Nos tempos em que vivemos, a mulher assusta, amedronta, namora uma pessoa de qualquer classe social, de qualquer tribo, de qualquer sexo, de qualquer origem.
Sem tabu, sem medo.
Parece que durante tanto tempo a repressão foi tão grande que hoje elas querem confronto, ou melhor, conforto.”
Regina Casé,
57 anos, apresentadora de TV – desde 1999, casada com o diretor Estevão Ciavatta, 14 anos mais novo
“Não sei se é porque agora estou ficando mais velha, eu, que sempre lutei contra todo tipo de preconceito, tenho achado que o de idade, se não é o pior, é o mais abrangente deles.
Sempre tive amigos das idades mais variadas. Por exemplo, me tornei amiga de Clarita Mariani quando ela já tinha quase 80 anos. Ela era mãe de minha amiga, a fotógrafa Anna Mariani, e avó de outras amigas, Gi e Zaba, mas nunca pra mim foi apenas mãe ou avó de alguém, e sim uma amiga com quem tive uma afinidade enorme até ela morrer – maior até que com as minhas contemporâneas.
Outro exemplo recente é minha amizade tão viva e amorosa, cheia de interesses em comum, com Rita, 6 anos, filha da Mini Kerti [diretora de cinema] com [o artista] Luiz Zerbini, com quem fui casada 15 anos e que é pai de minha filha, Benedita, 21. A Rita nunca foi pra mim apenas uma criança que vem a reboque desses adultos queridos. Nós temos, cada vez mais, uma relação nossa, muito forte e independente.
Muitos amigos meus se tornaram mais amigos da Benedita, e muitos e muitos amigos dela saem e conversam muito mais comigo do que com ela.
Se penso que quando o Estevão [Ciavatta, marido de Regina] nasceu eu já tinha 14 anos e namorava bastante, penso na sorte que foi encontrar com ele 29 anos depois e ter me casado de véu e grinalda aos 43!
Se não tivéssemos tido essa coragem, teríamos perdido 15 anos maravilhosos e um amor que nunca pensei que pudesse existir igual e que espero que dure para sempre!
Se bem que aos 90 pode ser que eu conheça um de 20, a gente se apaixone... [risos].
O tempo que a gente passa por aqui é tão curto, no máximo uns cem aninhos, que separar as pessoas por idade é, literalmente, uma enorme perda de tempo, né?”
...não sejam discriminadas profissionalmente porque têm filhos.
Lygia da Veiga Pereira,
44 anos, geneticista, é pioneira nas pesquisas com células-tronco no Brasil – entrevistada das páginas vermelhas da Tpm# 112, ela volta a falar aqui o quanto quer ser valorizada pela função de mãe
Tpm. Você se sente discriminada por colegas de trabalho por ser mãe? Não há uma valorização da atividade da maternidade. A sociedade devia ver isso como: “Essa pessoa está criando um novo cidadão, um novo indivíduo”. Deveria ter um valor, mas não é assim. Nós, mulheres, agora temos que ter uma performance masculina no trabalho e ainda acumular a função que só a gente exerce, que é a maternidade. Não sei se por trás da discriminação tem certa inveja masculina, mesmo que inconsciente, uma forma de o homem dizer: “Você está competindo com a gente, mas é mamãezinha, café com leite, tem que sair cedo para cuidar de criança”. Isso é uma sacanagem. Antes a mulher se bastava cuidando dos filhos e da casa. Agora, a gente foi para o outro extremo. O que tem valor é a produção, o profissional. Mas esse extremo não nos deixou totalmente felizes e talvez a sociedade como um todo também tenha sofrido com isso.
Alguma sugestão para solucionar esse conflito? Tenho a ideia de que a solução poderia ser a criação de uma lei de incentivo fiscal que motivasse as empresas a contratar mães por meio período. Se essas mães pudessem trabalhar das 9 às 14 horas, estariam ali muito mais inteiras. Quantas pessoas trabalham das 9 às 17 horas, mas ficam metade do tempo no Facebook? Se tivéssemos essa lei, a empresa teria uma funcionária muito mais completa, feliz, produtiva, sem aquela angústia de ter deixado os filhos em casa. Seria uma forma de a sociedade valorizar a maternidade. E teríamos uma geração de mulheres mais felizes.
Como você equilibra a função de mãe e de cientista? Foi muito sofrido até eu conseguir ver que era capaz de continuar fazendo a diferença na minha profissão e participar da vida das meninas [Gabriela, 8 anos, e Maria, 6]. Recentemente, passei o fim de semana na fazenda de amigos, com amigas que não trabalham. Fui embora no domingo, porque precisava estar na USP na segunda-feira. Mas elas continuaram lá com os filhos. Senti certa inveja dessa liberdade, que é mais interna do que externa. Porque não posso colocar a culpa só na USP, eu também poderia me programar...
Acredita que essas amigas estão mais satisfeitas que você? Olha, vejo minhas amigas com filhos divididas em dois grupos: um que abriu mão da profissão e ficou só administrando as crianças – e aí viram aquelas mulheres brilhantes, inteligentes e com uma capacidade produtiva muito grande, só que meio frustradas, não tão completas naquela função. E outro grupo que são as mães que seguiram trabalhando, como eu. Essas vivem a angústia de se desdobrar em mil papéis e não conseguir acompanhar tão bem a criança. Quando minhas filhas viajam de férias, com alguém da família, por exemplo, e sei que não estão em casa me esperando, me dedico muito mais tranquilamente ao trabalho.
...não sejam pressionadas para engravidar
Marina Person,
42 anos, apresentadora e cineasta – se pergunta: quero ser mãe ou ter filhos?
“‘Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria’ .
Não precisa ser tão radical quanto Machado de Assis nessa frase autobiográfica que encerra o Memórias póstumas de Brás Cubas, mas muitas vezes a escolha de algumas pessoas, sobretudo mulheres, por não ter filhos, ainda choca.
Conheço mulheres que deliberadamente assumem não querer filhos. São poucas, mas existem. E existem aquelas outras que deixaram a maternidade para mais tarde. Mas a biologia não entende a vida moderna.
Confesso que desde muito jovem esteve nos meus planos engravidar e ter filhos, mas sempre pensei nesse assunto num tempo futuro. Como muitas moças da minha geração, a carreira era prioridade. Mas esse papo de botar tudo na conta da carreira é uma desculpa, porque a verdade é que, no fundo, o que sempre esteve em primeiro lugar era a minha autonomia, a minha independência e o certo egoísmo que sempre tive com meu próprio tempo. Eu simplesmente não queria aquilo pra mim naquele momento. Queria estudar, trabalhar, viajar, curtir meus amigos, namorar... E fiz tudo isso.
A outra metade
Então aquele tempo futuro chegou, mas na época não havia a outra metade, o pai dos meus filhos não estava ao meu lado. Lá se foram os 34, 35, 36, 37, 38 anos... Bem, vou fazer uma produção independente, decidi. E estava resolvida, conversei com um amigo querido que também queria muito ter filhos e não tinha a metade que lhe faltava. Estava tudo arranjado, combinado, eu disse: ‘Me dá até o próximo aniversário, se eu não estiver namorando ninguém legal, a gente faz esse filho, nós dois’. E passei a sonhar com esse projeto.
O destino gosta de brincar mesmo com a gente, pois conheci o pai dos meus filhos quando completei 39 anos. Mas também não podia ser assim: ‘Olha, sabe o que é, eu sei que a gente mal se conhece, mas eu preciso engravidar agora!’. A coisa tinha que evoluir naturalmente. Depois de algum tempo de namoro, fiz uma consulta no ginecologista, que me encheu de estatísticas e me deu um ultimato: ‘O que você está fazendo para evitar a gravidez? Pare já!’. E eu parei, quase a contragosto. Naquela mesma semana engravidei. Mas a gravidez não foi pra frente, assim como uma segunda.
Você quer ter filhos ou quer ser mãe? Essa é a grande questão que me coloco. A frase, dita com muita propriedade por uma mãe de três filhos, é a coisa mais lúcida que ouvi sobre o tema. De fato, são coisas bem distintas.
Assumir que não quer ser mãe, mesmo hoje em dia, é um ato de coragem. E eu admiro essas mulheres, que, a exemplo de Machado de Assis, rejeitam o papel que, com a melhor das intenções, a sociedade lhes impõe.”
...tenham seus salários equiparados aos dos homens
Gleisi Hoffmann,
46 anos, ministra-chefe da Casa Civil, é uma das dez mulheres que dividem os Ministérios e as Secretarias brasileiros com 28 homens – de acordo com o decreto legislativo nº 805, de 2010, todos os ministros recebem salário de igual valor, R$ 26.723,13
“A jornada pelo reconhecimento dos direitos das mulheres é longa, secular e busca a construção de uma sociedade menos excludente, portanto, mais justa e igualitária.
Nós não somos nem melhores nem piores que os homens. Somos diferentes. Seja pela função biológica, de gestar e prover a vida, seja pela forma como somos culturalmente educadas. Não somos de entrar em disputas, mas de partilhar, estabelecer consensos, ouvir e valorizar o coletivo.
Essas qualidades, aliadas à nossa entrada tardia no mercado de trabalho, é que fazem com que tenhamos tantas desigualdades. Em uma sociedade capitalista, em que ganhar conta, as mulheres ficaram de fora muito tempo. Trabalhando sem ganhar.
O crescimento industrial e tecnológico das últimas décadas e a liberação feminina contribuíram para o aumento significativo das mulheres no mercado de trabalho. Em 2010, o percentual de mulheres chefes de empresas no Brasil alcançava 21%, índice próximo à média mundial, de 24%.
O setor empresarial parece ser onde as mulheres ascendem com mais sucesso nos espaços de poder e decisão, mostrando que as conquistas sociais, como maior escolaridade e liberdade individual, estão envolvidas no processo.
A eleição da primeira mulher presidenta da República no Brasil é, indiscutivelmente, um marco nessa luta por igualdade de direitos e de reconhecimento intelectual, social, político e cultural.
Sem perder a ternura
Mas, ao mesmo tempo em que as mulheres começam a ser maioria em cargos de encarregadas e coordenadoras, os dados também revelam que o rendimento salarial delas continua inferior ao dos homens. Um estudo do IBGE mostra que, no ano passado, o rendimento salarial médio das mulheres era de R$ 1.097,93, enquanto o dos homens era de R$ 1.518,31. Em 2009, comparando a média anual de rendimentos, verificou-se que as mulheres ganhavam em torno de 72,3% do rendimento recebido pelos homens. Em 2003, esse percentual era de 70,8%.
A mesma conclusão é apresentada em um estudo da Organização Internacional do Trabalho: ‘As mulheres, principalmente as negras, possuem rendimentos mais baixos que os dos homens e, ainda que em média tenham níveis de escolaridade mais elevados, seguem enfrentando o problema da segmentação ocupacional, que limita seu leque de possibilidades de emprego’.
Embora a participação feminina tenha aumentado em todos os setores da sociedade, inclusive no mercado de trabalho, as mulheres do século 21 ainda não são reconhecidas por seus direitos. As desigualdades de gênero – e raça – continuam a fazer parte do cotidiano e a cidadania não chegou a todas.
Precisamos continuar avançando em direção à igualdade social e econômica. Sabemos todas que não se muda uma realidade de uma hora para outra. É preciso muita vontade e determinação, características que nos são extremamente familiares. É preciso, também, ações e legislações mais positivas em favor das mulheres.
Tenho certeza de que romperemos essa barreira. E, nessa caminhada, temos que fortalecer nossa diferença para harmonizar a igualdade. Acredito que as qualidades amorosas, compassivas e sustentadoras do lado feminino são essenciais para conduzir nossa sociedade por águas menos turbulentas. Este é o grande desafio das mulheres: construir, agregar, valorizar e, acima de tudo, transformar o poder e a força em servir.”
...não sejam julgadas pela aparência
Sabrina Sato,
30 anos, humorista do Pânico na Tv! - Acredita que, um dia, as mulheres vão se preocupar mais com a saúde do que com o físico
“Hoje, não tenho mais encucações do tipo: ‘Será que estão reparando na minha celutite?’. Acredito que daqui a dez anos estaremos mais preocupadas com a saúde do que com a aparência. É isso que vai mexer com a segurança das mulheres. Hoje, carregamos muita cobrança, mas não deveríamos. Porque as mulheres não estão numa posição inferior à do homem, e acho até que hoje são eles que estão mais preocupados, por exemplo, se vão ficar carecas do que a gente com a celulite. Estamos mais seguras porque conquistamos espaço e mostramos a que viemos, e eles inseguros porque foram atingidos e se sentem ameaçados por essa mulher contemporânea.
Personalidade
A preocupação da mulher de querer seguir um padrão ou a preocupação com o físico deveria ser só uma fase. Hoje, o legal é você usar como atrativo o que a diferencia. Eu, por exemplo, usei o fato de ser japonesa para me destacar. As pessoas falam: ‘Mas você é japonesa e tem bunda?’. É porque sou uma mistureba, e isso é bacana também. Hoje em dia, é cafona querer ter o cabelo da fulana e a bunda da sicrana, porque já é cafona querer ser igual. E homem que gosta de mulher de verdade gosta de personalidade, não de bunda. Isso nunca vai mudar.”
...tenham o direito de fazer aborto por escolha própria
Mariana Lima,
39 anos, atriz – fez um aborto contra a vontade, mas é a favor de que cada mulher faça sua escolha
“Tenho duas filhas muito queridas e desejadas e já fiz um aborto, porque tive um vírus chamado Parvovirose durante a primeira gravidez. Ele matou o feto de quase cinco meses. Apesar de ter sido operada por minha médica num hospital privado, com toda a segurança, a experiência foi bastante traumática porque eu e meu marido queríamos muito ter um filho.
Tenho a firme convicção de que um filho nasce de um desejo. Ele não vem ao mundo porque quer. E nem por causa de desígnios mágicos ou por uma ‘vontade de Deus’. Quando a criança é indesejada, na grande maioria dos casos, vive marginalizada, excluída e maltratada. E contribui para o aumento do imenso contingente de crianças abandonadas, subnutridas e desamparadas que infelizmente temos em nosso país.
Controle
A criminalização do aborto, sua ilegalidade, gera morte e criminalidade, porque estimula a prática clandestina, feita com as próprias mãos ou em clínicas suspeitas. Os endinheirados pagam suas passagens para os Estados Unidos ou para países da Europa, onde é permitido, e ajudam a preservar a saúde e a vida da mulher.
É como as drogas: o problema deveria ser combatido pelo Estado na sua origem, e não nas consequências. O Estado proíbe o consumo, mas não consegue combater o tráfico e o crime. A questão do controle da natalidade é muito séria e deve ser colocada em pauta, com instrução e criação de condições de acesso a remédios anticoncepcionais.
Sou a favor da legalização do aborto. Inicialmente, até a questão ficar mais clara, que seja permitido por lei no primeiro trimestre da gestação para todas as mulheres e casais que desejarem. E também durante toda a gestação, se a mulher for vítima de estupro ou se o feto apresentar sérios problemas de formação que impeçam sua existência fora do útero materno.”*