O que Anita Roddick, fundadora do The Body Shop, pode ter em comum com Dustin Hoffman?
O que Anita Roddick, a lendária fundadora dos cosméticos The Body Shop, pode ter em comum com o ator Dustin Hoffman? Uma pista: tem a ver com a “lavagem cerebral da estética”, a que estamos tão expostas
“Cale a boca e estique o rosto.” Segundo a inglesa Anita Roddick, essa frase poderia anunciar qualquer marca de cosmético para mulheres. A razão? “Trata-se de uma indústria administrada por homens. As mensagens veiculadas para as consumidoras são de homens para mulheres.” Avessa a tudo isso, Anita, fundadora da marca The Body Shop, em 1991, virou a mesa: “Nossas consumidoras nunca se deparam com fotos de modelos, muito menos com anúncios de cremes antienvelhecimento. Esses produtos são uma grande mentira. Desafiamos o setor de cosméticos de dentro para fora”, orgulhava-se. “Celebramos mulheres – e não apenas jovens musas”, disse ela, que não teve um departamento de marketing por 17 anos e sempre dispensou modelos “esquálidas e irreais”. Palavras dela. As mulheres gostam disso. E em 15 anos, The Body Shop tinha 2 mil lojas e mais de 77 milhões de consumidoras pelo mundo.
Uma de suas frases resumiu a enganação publicitária que rodeia a indústria dos cosméticos (e que só acredita quem quer): “Nunca senti que produtos de beleza são o corpo e o sangue de Jesus Cristo. Hidratantes hidratam. Refrescantes refrescam. Limpadores de pele limpam. E fim da história”. Conversei com Anita em 2001, por telefone – ela em Londres, eu em Nova York. Guerreira, um dos melhores exemplos de sua colaboração para o mundo foi a campanha contra testes em animais, comuns em indústrias como a de cosméticos. “Ninguém sabia que animais eram mortos na busca pela beleza”, ressaltou. “Mudamos as leis na Inglaterra. Cerca de 4 milhões dos nossos consumidores escreveram para o governo, exigindo o fim dos testes”, comemorou.
“Nunca senti que produtos de beleza são o corpo e o sangue de Jesus Cristo. Hidratantes hidratam. Refrescantes refrescam. Limpadores de pele limpam. E fim da história”
No mês passado, um dos vídeos mais assistidos na internet foi um depoimento do ator americano Dustin Hoffman falando que, quando os maquiadores criaram sua personagem em Tootsie, filme de 1980 no qual ele interpretava uma mulher, ele pediu para ficar mais “bonita”. Para ele, aquela “mulher” de perucas e óculos gigantes não correspondia à beleza da personalidade de Tootsie. Os maquiadores se desculparam, e falaram que nada poderia ser feito. Ao contar essa história, Hoffman chorou. Disse que foi aí que ele se deu conta de quantas mulheres bacanas (mas não tão estonteantes) ele deixou de conhecer, por ter se deixado levar pela lavagem cerebral da estética. Anita teria adorado ver esse depoimento.
Autora de livros, ativista de direitos humanos, premiada de todos os lados, ela me disse que o primeiro passo a ser dado por um empresário rumo à responsabilidade social é agir localmente, perguntando-se: “Como trato meus funcionários? As mulheres têm uma creche onde deixar as crianças? Suas famílias estão protegidas?”. Anita morreu em 2007, aos 64 anos, deixando sua fortuna para filantropia. Isso, sim, é beleza.
Tania Menai é jornalista, mora em Manhattan há 17 anos e é autora do livro Nova York do Oiapoque ao Chuí, do blog Só em Nova York, no site da Tpm, e também do site www.taniamenai.com |