”Hoje, mais do que nunca, é necessário atravessar fronteiras, conhecer as pessoas e voltar para contar a história”
Bombou essa semana um site que satiriza selfies de millennials no Memorial do Holocausto, em Berlim: yolocaust.de. A intenção do autor, o israelense Shahak Shapira, é fazer as pessoas pensarem no significado do lugar onde estão pisando.
Já escrevi aqui sobre mal comportamento de turistas em lugares sagrados e/ou significativos mundo afora, mas no caso do Memorial a ação foi diferente: Shapira pegou fotos reais (selfies, biquinhos, poses de yoga, saltos) feitas no Memorial e publicadas no Instagram e afins e as aplicou por cima de cenas reais do Holocausto. O resultado é desagradável, claro. Mas o site teve mais de um milhão de visitantes só no dia de estreia. Parte da imprensa alemã acusou as montagens de sensacionalista, enquanto o próprio arquiteto do Memorial, Peter Eisenman, disse que o lugar serve para fazer piqueniques, escalar as instalações ou fazer o tipo de foto que os visitantes quiserem.
Mas o chamado funcionou. Shapira conta que recebeu agradecimentos de professores de história, gente que perdeu a família durante a Guerra e adolescentes afirmando terem acordado para o significado do Memorial. O site permite que as pessoas peçam a retirada das fotos e, segundo Shapira, até terça-feira da semana passada a maior parte dos fotografados já tinha entrado em contato pedindo a retirada de suas imagens. Segundo o NPR, ele cumpriu todos os pedidos e espera que “em poucos dias não sobre mais nenhuma foto no site”.
O que isso significa? Que essas pessoas pararam para pensar no que estão fazendo quando viajam.
A indústria do turismo é uma das maiores do mundo e todo acontecimento que tenha impacto sobre o modo como as pessoas viajam é importante. O momento é apropriado para parar para pensar. Em tempos como os de agora no Brasil e no mundo, há sentido em desfrutar uma viagem? Qual o valor do escapismo?
Bom, depende de você.
Essa semana encontrei duas coisas no Facebook (que pode ser um depósito de discurso de ódio ou de coisas para esquentar o coração, depende de como você usa) que me tiraram do modo pessimista-padrão que adotei ultimamente.
Um dos maiores grupos de viagem do Facebook, o Girl Loves Travel, que incentiva garotas a viajarem pelo mundo atuando como fonte de informação e contatos, com mais de 200 mil participantes, sempre teve como diretriz não aceitar publicações sobre política e assuntos que causem polêmica. Mas ontem um anúncio das administradoras do GLT sobre como os acontecimentos da última semana afetam todas nós, pedia que as usuárias usassem uma hashtag específica dizendo de onde escrevem. “Nós somos guardiãs umas das outras e precisamos usar essa comunidade para nos manter unidas e mostrar solidariedade. Nós devemos acreditar em nosso poder, nosso suporte e oferecer a segurança e recursos que temos para quem precisar.”
Enquanto edito essa edição da coluna, o post tem mais de quatro mil interações. Mas, melhor ainda, as participantes abriram outro tópico e começaram a trocar mensagens de apoio umas com as outras. “Estou em Dallas, que serve como hub para os voos da United, se alguém precisar de uma refeição, de um lugar para ficar ou de ajuda jurídica no aeroporto, entre em contato comigo,” dizia uma. “Sou uma católica na Irlanda e estou oferecendo meu lar para qualquer amiga muçulmana que esteja precisando,” dizia outra. “Eu moro em Abu Dabi e sei que há muitas famílias sem saber o que fazer no momento, por favor ajudem meu contato a chegar até elas, nossa família está disposta a receber quem precise de ajuda.” A mensagem é clara: o que acontece agora é um chamado de ação.
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O avanço de discursos e valores retrógrados, nos EUA, na Europa ou no Brasil, só acontece porque encontra solo fértil. É assustador, claro. Mas o contrário também é verdade. É uma oportunidade de realizar boas ações, espalhar mensagens e atitudes positivas, dar as mãos nas ruas, de unir.
Para quem viaja, hoje mais do que nunca é necessário que pessoas atravessem fronteiras, conheçam as pessoas e voltem para contar a história. A maior parte do mundo não está de acordo com essa insanidade acontecendo nos EUA, não é fanboy do Bolsonaro, não acha que pixador tem que morrer e nem vai na porta de hospital xingar mulher em coma. Não deixe o assombro dos últimos dias te fazer acreditar no contrário. Essa gente mesquinha e de pensamento pequeno está representada agora, mas é exceção. Tem que ser.
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Imagem principal: Vilmos Heim via StockSnap.Io