Porque falar pau (pinto, pênis) é tão natural e xoxota (boceta, vagina) ainda é tabu?

Lá estava eu, assistindo a mais uma palestra no Congresso Internacional de Células-tronco, em Vancouver, quando comecei a divagar… Passei parte do verão de 1988 com cinco amigas na praia e, no meio do nosso extenso tricô, em que trocamos divertidíssimas confidências, nos demos conta de que ninguém sabia como se referir à vagina… Enquanto éramos fluentes em pinto, peru, pau etc., a vagina era o “lá”, como em “Ele pôs a mão lá…” (atenção, não fui eu que disse isso!). 

E por que lembrar disso no meio de uma palestra seríssima e maravilhosa sobre a reconstrução de órgãos? O pesquisador norte-americano começou mostrando a estrutura de uretras, crescendo células numa matriz em forma de tubo no laboratório, e o transplante nos pacientes das uretras construídas. Daí passou para vasos sanguíneos e até para uma bexiga produzidos com a mesma estratégia!

O slide seguinte dizia “vagina”, mas ele ignorou o nome, e só se referiu a ela como “o órgão” – e olha que ainda era vagina de coelha… Da construção e transplante do “órgão” do coelho, ele passou para a reconstrução do “órgão” (de novo, vagina, no slide) humano. Eles não só construíram “ela” no laboratório, mas transplantaram em algumas pacientes, e mostraram que ela funcionava – e, por “funcionar”, o slide queria dizer desejo, excitação, lubrificação, orgasmo e satisfação. Ou seja, a pesquisa é bacanérrima, reconhece as várias funções do “órgão”, constrói um “órgão” que exerce todas aquelas funções, até mesmo o orgasmo e a satisfação (sim, meninos, essas também são funções essenciais…), mas, durante os oito slides sobre o projeto, o pesquisador conseguiu evitar falar VAGINA. E a seguir descreveu a construção de um falo. Ok, ele disse “falo” só uma vez, mas falou.

Fiquei muito curiosa com a persistência do tabu, e resolvi dar um Google no assunto “dificuldade de falar vagina”. Descobri que nos EUA, em 2007, três alunos do ensino médio foram suspensos por terem falado “vagina” (no contexto de uma discussão sobre o texto Monólogos da vagina – eles deveriam ter dito “monólogos de lá”?) – detalhe, o diretor que os suspendeu chamava-se Dick… Que tal?! E, em 2012, uma política norte-americana foi expulsa do plenário por ter falado “vagina” durante a discussão de um projeto de lei sobre aborto com deputados republicanos, no que ficou conhecido como o Vaginagate

Em pleno 2014, um médico/cientista brilhante que consegue construir vaginas no laboratório, e com isso reconstruir a vida de mulheres mutiladas, não consegue falar “vagina”? Ou não quis. Me ocorre agora que ele pode ter querido poupar a audiência – toda de adultos que trabalham na área biomédica. Será?

Por favor, alguém de psicologia, sociologia, antropologia ou sei lá mais o que, pode me ajudar a entender esse fenômeno? Se Freud falava da inveja do pênis, quero entender o medo da vagina!

Lygia da Veiga Pereira é chefe do Laboratório Nacional de Células-tronco Embrionárias da USP e se diverte traduzindo ciência para o público no site www.asmeninasonline.com, onde este texto foi publicado originalmente.

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