por Bruna Bittencourt
Tpm #179

De amor todo mundo sofre. Já Duda Beat, com seu talento e honestidade, transforma um dos maiores clichês do pop em boa música

Foi o silêncio que fez Duda Beat 
cantar. Há três anos, Eduarda Bittencourt, 31 anos, atravessava uma fase difícil, depois de duas grandes desilusões amorosas, quando ouviu de uma amiga a sugestão de um retiro de silêncio e meditação. A pernambucana foi quase às cegas, sem saber muito o que iria encontrar pela frente, exceto os dez dias em que deveria ficar sem falar. Quando ela estava quase jogando a toalha e voltando para casa, o silêncio a recompensou: entre muita reflexão, as peças se encaixaram e Duda entendeu que deveria tomar para si o lugar que era dos caras por quem havia se apaixonado (não por coincidência, dois músicos): o palco.

A pernambucana, que por anos insistiu na faculdade de medicina e não cogitava o showbiz, reajustou sua rota. Em abril do ano passado, três anos após o retiro, lançou Sinto muito, um disco entre o pop e o brega, em que canta sobre suas desilusões amorosas de maneira direta, sem metáforas nem firulas e que lhe deu o título informal de rainha da sofrência. Talvez seja por conta da simplicidade dos versos que os fãs cantam em uníssono suas letras nos shows que ela vem fazendo por todo o país, entre festivais que vão do indie No Ar Coquetel Molotov ao gigantesco Lollapalooza. A explicação também pode vir dos astros: segundo seu mapa astral, Duda tem uma aptidão para comunicar o que as pessoas estão sentindo. “É isso que engrossa meu caldo”, diz com sua típica simplicidade. Ivete Sangalo se juntou ao coro de fãs e já colocou duas vezes a pernambucana em seu palco – uma delas, em pleno carnaval baiano.

A cantora também agradou a crítica com Sinto muito, que ela financiou pintando paredes e gravou com amigos da cena indie carioca. No ano passado, a pernambucana levou o prêmio de revelação da Associação Paulista dos Críticos de Arte. Mas ela prefere o rótulo de pop ao de indie e quer cantar para cada vez mais gente. Duda se prepara para seu primeiro show fora do país, em Nova York, em julho. Mas antes entra em estúdio para gravar o sucessor de Sinto muito.

Seu disco de estreia ainda lhe trouxe, enfim, um amor correspondido: ela namora há três anos o produtor do disco, que, em uma ironia da vida, estava ao seu lado desde a adolescência. Em tempos de relações cada vez mais fluidas, Duda acredita no amor romântico, na monogamia e defende que todo mundo quer “um sovaco para poder dar uma deitada quando chega em casa”.

Quem vê a cantora no palco, ultraproduzida, como as divas pop das quais é fã declarada, não imagina que ela também é uma cientista política, com trabalho de conclusão de curso que analisa a delicada e tão atual relação entre os evangélicos e a política.

Duda é essa mulher cheia de boas surpresas e, na entrevista a seguir, mostra o mesmo entusiasmo ao falar de pagode ou Platão.

Tpm. Você cresceu em Recife?
Duda Beat. Cresci, sou pernambucana com muito orgulho. Meu pai e minha mãe são pessoas muito amorosas. Desde criança, eu e meus irmãos aprendemos o quanto era importante se formar. Esses dias meu pai me mandou a foto do meu irmão [que está se formando em medicina]: “Estou aqui com os olhos cheios de lágrimas. Consegui formar meus três filhos. Estou muito orgulhoso deles”.

Seu pai trabalhava com o quê? Ele tinha uma fazenda, mas trabalhava em uma transportadora da família. Depois, começou a cuidar de gado e aí a gente passou por uma crise financeira muito grande.

Quando? Eu tinha uns 6 anos. Meu pai teve que vender a fazenda e isso foi uma coisa de que me lembrei no retiro, onde passei dez dias sem falar, só meditando. Um dia, entrei em casa e vi meu pai desenhando a próxima fazenda que ele iria ter, porque tinha perdido a dele. Quase todo dia ele desenhava uma diferente: “Aqui vai ter o seu quarto, o da sua irmã…”. Mas ele nunca comprou a fazenda de volta, voltou para essa empresa da família e está lá até hoje. Aquela cena me tocou, sou muito libriana, emotiva. Fui para o banheiro, chorei e falei: “Preciso me formar em alguma coisa que dê dinheiro para o meu pai comprar a fazenda de volta. Vou ser médica”. No retiro, eu me lembrei do dia que eu decidi ser médica. Eu nem queria isso. Nessa época, minha mãe estava fazendo curso de instrumentadora cirúrgica. Ela queria ter sido médica, não conseguiu, e hoje se sente muito bem em ter feito o curso, ainda trabalha. É uma lutadora, acorda às 5h30 da manhã e volta às 8 horas da noite. Esse negócio do trabalho é uma coisa muito forte entre mim e meus irmãos, a gente está sempre trabalhando. Crescemos vendo nossos pais trabalhando muito.

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“Trabalho é uma coisa muito forte entre mim e meus irmãos, a gente está sempre trabalhando”
Duda Beat

Nessa crise financeira, seus pais conseguiram manter você em escola particular? Conseguiram, mas era sempre problemático. Tinha meses em que faltava o dinheiro da escola, aí meu pai pagava no fim do ano os meses que ele não tinha conseguido pagar. A gente teve uma infância apertada de dinheiro. Mudei de colégio umas três vezes, ficava muito caro e a gente ia para outro. Aí, entrei em um onde me apaixonei pela primeira vez na vida, tinha 10 anos. Era um menino que não era bonito, Roberto, mas eu achava ele charmoso. Nunca fui ligada em beleza de homem, não. Ele era o engraçado da turma, e eu era a gordinha. Sempre fui um pouco inferiorizada. Eu gostava dos caras, e eles queriam ficar com as minhas amigas gostosas. Roberto não queria ficar comigo, mas foi bom para mim. Nunca tinha beijado e ele falou uma coisa de criança: “Vou dar um beijo nela, vou fazer esse favor”. Foi uma loucura. “Não quero nada com você. Mas fiz isso para nunca esquecer de mim”, disse. E não esqueci. Passei a adolescência inteira sem ser correspondida, eu era a pessoa que não ficava com ninguém.

E quando você começou a cantar? Nessa época, tinha uns 14 ou 15 anos e a situação do meu pai começou a melhorar, comecei a ir para o Rio passar férias com meu primo, Gabriel [Bittencourt], que hoje em dia é meu baterista. Nessa época, conheci Tomás [Tróia], Diogo [Strausz], Lucas [Castello Branco], Eric [Kendi]. Eles tinham uma banda com meu primo, a R.Sigma. Ia nos ensaios e toda vez queria cantar. No início, fui colocada para cantar, mas não rolou porque eu morava distante. Nessa volta a Recife, uma grande amiga ia para igreja todo domingo, ela cantava. Comecei a ir com ela, até que um dia o pastor disse para eu cantar no coral e, depois, sozinha: “Essa música aqui, quero que você cante essa parte sozinha”. Foi a primeira vez que senti que fazia aquilo direito, me preenchia, era muito gostoso esperar pelo domingo. Existia um negócio no meu colégio que era a Sexta Cultural: toda sexta, no intervalo, uma banda se apresentava. E aí, minha filha…

Era seu palco. Era meu palco. Eu cantava Claudia Leitte, Ivete Sangalo, O Rappa, era bem eclética. A minha banda se chamava 5 Minutos. Uma vez a gente tocou em um barzinho, foi o máximo que a gente fez. Terminei o terceiro ano, fiz vestibular e não passei. Como sempre ia para o Rio de Janeiro nas férias, sabia que lá tinha quatro faculdades federais; em Recife, são duas [com curso de medicina]. Cheguei para a minha mãe e disse que queria morar no Rio. Ela me apoiou; meu pai, nem pensar: “Minha filha vai se perder para as drogas”. Ela comprou passagem só de ida. Pedi para a minha tia para morar com ela. Consegui bolsa de 50% no cursinho, disse que não tinha dinheiro. Aí liguei para meu o pai e falei que não ia mais voltar. Ele ficou puto, mas não tinha mais o que fazer, porque eu tinha feito 18 anos. E foi na mesma época que eu perdi a virgindade.

Quem era o cara? Era um dos meus amigos de infância. Meu primo estava dormindo ao lado, foi muito louco, não sei nem como eu consegui. Foi muito transformador, eu virei mulher, eu estava morando no Rio de Janeiro. E aí chegou um dia que eu falei para ele que não estava mais dando certo esse negócio [de ficar sem compromisso].

Você não estava sendo correspondida? Não era correspondida por ninguém, acho que era o carma da minha vida. Chegou uma hora em que falei: “Não vai dar mais para gente ficar nessa, não. Você não vai ficar comigo”. E ele: “É, não vou”. Daí ele falou: “Vamos transar mais uma vez? Não vai fazer diferença”. Foi exatamente essa frase, que está na minha música “Bixinho”, que é para ele, meu amigo até hoje.

“Tive que desistir da minha vida amorosa, do meu futuro profissional, foi uma grande ruptura”
Duda Beat

Ele sabe da música? Sabe, ele ama, fica todo orgulhoso. Transamos mais uma vez, no outro dia, ele foi embora, tchau. Foi uma coisa muito louca, foi o único cara por quem realmente não senti apego. Aí, estudava todos os dias, terminava o ano e não passava em medicina. E eu mal, né? Conheci um cara que toca com um grande artista. Ele tinha 36 na época, eu tinha 21, por aí. Nessa época, a gente se falava [por mensagem] todo dia pelo MSN. Ele viajava o país inteiro e de madrugada estava lá falando comigo. Eu esperava a hora. Depois de um ano se falando, ele disse para gente se encontrar.

Mas vocês não se conheciam? Não, só por mensagem. Mas eu já estava meio apaixonadinha. A primeira vez que encontrei com ele, conversamos pra caramba, ele é super-engraçado. A gente conversou e ele falou: “Vamos lá no meu estúdio”. Falei: “Melhor não”. Estava com medo, né? Ele falou: “Vamos lá, não vai acontecer nada, não”. Daí ele me roubou um beijo. Foi cena de novela, tudo que eu mais queria na vida! “Esse cara foda me dando condição, que demais!” A gente começou a ficar e fui me apaixonando cada vez mais. No aniversário do cara, eu dava presente; na Páscoa, eu dava ovo de chocolate. E ele não me dava nada. Até que um dia ele disse que estava namorando. Fiquei muito mal. Aí, ele terminava o namoro e a gente ficava. Ele voltava a namorar, e eu largava ele. Depois de cinco anos, ele virou para mim e disse: “A menina que eu estou ficando está grávida. Eu não vou ficar com ela, mas precisava te falar”. Era um completo canalha. Foi a primeira vez que entrei em depressão na minha vida. E aí minha mãe falou para eu voltar para casa. 

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Você tinha quantos anos? Uns 24 ou 25. Eles me matricularam em um cursinho em Recife. Passei seis meses lá, mas não aguentei, porque estava com a vida muito feita no Rio. Eu não trabalhava e meu pai falou que não ia pagar minha passagem de volta. Trabalhei em uma loja de roupa, juntei meu dinheiro e comprei. Quando voltei, ele [o músico] me procurou: “Gosto muito de você, quero continuar ficando com você”. Eu falei: “Cara, não vai rolar”. Ele insistiu e eu caí na dele de novo. Ficamos mais dois anos, até o dia em que ele me dispensou, me bloqueou de todas as redes sociais e falou: “É melhor a gente se afastar agora”. Comi o pão que o diabo amassou, entrei em depressão de novo, fui ao psiquiatra, tomei remédio. A gente ficou nessa por sete anos. A maior bad da minha vida. Larguei essa história e conheci outro cara, que, no início, foi ótimo. Ele era músico também. Me apaixonei, comecei a ficar com ele, só que esse cara era muito claro comigo: “A gente não vai ter nada, a gente só vai ficar”. Foi passando o tempo. No terceiro ano, pensei: “Não dá mais para ficar com esse cara, ele não vai ficar comigo, já era para eu estar calejada com isso”. 

Você fez análise? Fiz, fui melhorando, mas andava melancólica. Na mesma época, na análise, desisti de medicina porque todo ano eu tentava e não passava. Falei: “É o sétimo ano da minha vida que eu estou me dedicando a isso e não vai rolar”. Sabe aquele ano do foda-se? Tive que desistir da minha vida amorosa, do meu futuro profissional, foi uma grande ruptura. Fiz a prova do Enem e dava para passar em ciência política, na Unirio. A grade do primeiro período era igual à de direito. Nunca me vi sendo advogada, mas era uma profissão que também dava dinheiro. “Vou entrar em CP e depois de seis meses transfiro para direito.” Mas, quando entrei em CP, me apaixonei.

Como foi cursar ciência política? Foi uma experiência incrível! O curso foca muito na galera antiga, que era minha paixão. Eu estudava Aristóteles, Platão. No início da faculdade, comecei a ter aula de teoria política com um professor que eu amo, Fernando Quintana, que me incentivou muito a ler essa galera e entender o que é ser uma pessoa política. Na época, antes do retiro, ainda não pensava em fazer o disco e falava: “Se eu me formar nisso, vou me especializar em teoria política”. É um curso muito fascinante porque fala muito sobre passado e por que a gente está assim.

Como você vê nosso cenário atual? É um momento trágico. 

Você declarou seu voto para presidente? Declarei. Sou totalmente contra o Bolsonaro, acho que ele é um inútil, um cara que estava lá desde sempre e nunca fez nada, nunca aprovou um negócio bom. É muito triste, as pessoas foram inebriadas por uma cortina de fumaça que ele criou. E tinha um cara muito foda do outro lado, que é professor [Fernando Haddad]. Meu TCC se chama Vote em Mim em Nome de Deus e fala sobre a bancada evangélica. Para mim e para o professor que me orientou, a maior preocupação [na política] hoje em dia não é a direita nem a esquerda, são os evangélicos, porque eles estão crescendo cada dia mais, a bancada está cada vez maior. Em toda esquina você vê uma “bancada evangélica” e as pessoas dentro da igreja... 

Como foi sua pesquisa? Fui fazer observação, participei de um culto e é um ambiente de muita ajuda e muita repressão. Eu vi o pastor reprimindo as pessoas que não tinham Bíblia, mas também vi ele falando: “Depois do culto, a gente tem um psicólogo para quem estiver precisando conversar”. Para mim, o maior perigo mora aí, quando a Igreja faz o papel de Estado. Durante as campanhas, eles faziam uma coisa que é proibida: colocavam [no culto] os pastores que têm nome de urna, Pastor Everaldo 5565. Quando um evangélico vê ali um pastor, vota nele. E tem uns que não têm nome de urna, mas eles chamam lá dentro da igreja para fazer campanha: “Vote nesse cara aqui. Você quer que sua vida melhore? Esse cara vai ajudar”. E foi o que Bolsonaro fez. Todas as bancadas evangélicas apoiaram ele. Eu fui muito feliz com meu TCC, ele está disponível para quem quiser ler. Eu estava finalizando meu disco e pesquisando.

E como surgiu o convite para o retiro? No segundo ano do curso, eu ainda sofria por aquele cara [o músico]. Uma amiga minha muito espiritual me ligou e falou: “Acabei de voltar do [retiro] Vipassana e, se eu fosse você, faria isso. Você vai perdoar as pessoas que não quiseram ficar com você e vai se perdoar também. Vai melhorar sua vida”. Fui meio às cegas, em agosto de 2015. Ela me falou muito pouco e achei ótimo, porque teria desistido. Sabia dos dez dias sem falar, mas não sabia que ficaria a maior parte do tempo meditando.

“Para mim, o maior perigo mora aí, quando a igreja faz o papel do Estado”
Duda Beat

Como foi ficar em silêncio por dez dias? É a parte mais tranquila. O que mais me doía era ficar meditando das 4 horas da manhã às 9 horas da noite. Nunca tinha feito isso e minhas costas não aguentavam. Mas a técnica já prepara você para aguentar, é muito doido. No terceiro dia, falei: “Não aguento mais, quero ir embora”. Neste dia, sonhei com a cena de mim entrando em casa e vendo meu pai desenhando a fazenda, quando eu prometi que iria ser médica. E acordei chorando muito. Fui para a sala de meditação aos prantos, o sol nascendo, e pensei: “Cara, eu nunca quis isso para minha vida. Que doideira. Acho que se eu vir sangue na minha frente eu até desmaio”.

Mas você já estava cursando ciência política. Mas naquele dia tive a confirmação de que realmente não queria medicina. Toda vez que eu dizia que iria ser médica, minha mãe ficava muito feliz, porque ela também era frustrada porque não conseguiu. Acabei acreditando que aquilo era meu sonho. Acho que a melhor mentira é aquela que a gente conta para si mesmo. Quando estava no quinto ou sexto dia de retiro, pensei: “Cara, tenho que ser cantora. Se todos os caras por quem me apaixono estão em cima de um palco, eu tenho que tomar esse lugar para mim. Sei fazer isso. Se me concentrar, vou escrever coisa boa, e é isso que eu tenho que fazer da vida”.

Como foram os dias restantes? No último dia, você aprende a última parte da técnica de meditação. Aprendi a perdoar todos esses caras que não queriam ficar comigo, a me perdoar. É muito profundo, muito revolucionário o que acontece lá dentro. Eu me lembro que quando a gente estava saindo do retiro eu sorri, acho que foi a melhor felicidade que eu tive. Muito doido, muito surreal. E nesse mesmo dia fui na casa de Tomás e falei: “O negócio é o seguinte, quero fazer música. Vamos entrar nessa comigo?”. E ele: “Vamos”. Uma semana depois, cheguei na casa dele com três músicas. E não tinha ninguém para me bancar, então, nos três primeiros períodos da faculdade, eu trabalhava como hostess na porta de um bar toda noite. Três ou quatro vezes por semana, saía do trabalho meia-noite e ia na casa do Tomás com o Gabriel [trabalhar no disco].

Dava para se divertir no bar? Não. Era um trabalho chato, que não paga bem, mas era o que eu tinha. E acabei pedindo bolsa na faculdade, consegui que eles me dessem uma ajuda de custo de R$ 400 por mês. Comecei a ajudar minha tia a pagar a conta de luz, porque eu morava na casa dela havia anos e não pagava nada, minha mãe até mandava um dinheiro de vez em quando, mas eu me via na obrigação de fazer isso. Era uma grana muito contada, passei um bom tempo vivendo disso. Aí, o dono do bar me dispensou por WhastApp. Eu estava sem emprego, começando a fazer o disco, e minha amiga, Fernanda, que tem uma empresa de pintura de parede, falou: “Você vai ser minha assistente, vou te pagar um salário”. Aprendi a pintar. Ela fazia os desenhos, eu pintava dentro, limpava chão. O tempo que passei fazendo o disco, de 2016 até o fim do ano passado, eu estava pintando parede.

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Mas no fim de 2018 você já tinha estourado. Mas, na minha cabeça, eu nem estourei ainda. Eu sou muito workaholic. Em janeiro, pintei parede, em fevereiro já não deu mais. Mas já falei para Fernanda que se eu estiver de bobeira... Acho que vou até pintar parede neste fim de semana porque vou ter uns três dias lá no Rio. Eu paguei meu disco pintando parede. O disco demorou dois anos para ficar pronto porque eu tinha que juntar o dinheiro para pagar as pessoas. No meio de 2016, Tomás disse que precisava conversar: “Estou apaixonado por você. Sei que você não está apaixonada por mim ainda, mas eu queria que soubesse disso”. Pensei: “Meu Deus, na hora que eu não quero ninguém... Agora que tô fazendo meu disco, tá tudo certo, tô trabalhando, tô fazendo minha faculdade”.

Você foi finalmente correspondida. Finalmente. E eu achando melhor não. No fim de 2016, ele me ligou: “Você não gosta de mim, vou desistir de você”. Minha irmã, que estava me visitando no Rio, me disse: “Acho que você está sendo burra, Tomás é um cara foda, que tá fazendo seu disco com você, é seu companheiro de vida”. Dormi com aquilo na cabeça e acordei no outro dia pensando: “Mas, rapaz, tudo o que eu mais queria na minha vida era que os caras por quem eu fui apaixonada me dessem uma chance. Por que eu não vou dar uma chance para o meu melhor amigo? Se não der certo, não deu. Preciso tentar”. Liguei para ele e disse: “Pensei aqui e acho que a gente precisa tentar”. E finalmente eu fui assumida por um cara foda, que esteve do meu lado a vida inteira e eu não tinha visto. Daí fui na casa dele, a gente se beijou e achei esquisitíssimo: “Meu Deus do céu, estou beijando meu irmão!”. Começamos a ficar, a primeira vez que a gente dormiu junto também foi meio estranho, porque…

Não tinha uma liga? Não, não tinha. Era estranho, a gente se conhece desde os meus 14 anos. Eu ficava com muito medo: “Como eu vou trabalhar com ele se não der certo?”. E acho que tinha muito trauma também de sempre amar e não ser amada. Passava pela minha cabeça: e se ele desistir de mim amanhã, como que vai ser? Mas cada vez foi ficando melhor, eu fui ficando apaixonada. Faz um ano que saí da casa da minha tia para morar com Tomás. A gente está muito feliz, é muito gostoso viver com ele, é um companheiro incrível.

“Um dos objetivos desse disco era me sentir respeitada de novo, porque eu estava acabada, no chão”
Duda Beat

Suas letras são bastante literais. Muito! Acho que é por isso que as pessoas se identificam tanto. Tudo que está ali eu vivi, não tem nada que eu inventei. É muito direta e muito simples a minha linguagem, eu não quero complicar para ninguém. Apesar de as minhas letras serem tristes, tinha uma preocupação de elas parecerem mais felizes [nas melodias]. E achei que era muito importante ter a minha cara [na capa do álbum], que já dei bastante para bater e está ali, de frente. Um dos principais objetivos desse disco era eu me sentir respeitada de novo, porque eu estava acabada, no chão. Também era fazer esses caras se arrependerem, e os dois me procuraram, me elogiando: “Realmente, você é uma diva. Você é muito foda!”. E eu: “É, querido, obrigada. Agora chora na rampa”. Foi ótimo, né?

Sofrência pop foi um termo que você cunhou ou as pessoas colocaram em você? No início, as pessoas diziam que eu era a rainha da sofrência indie. Isso me incomodava um pouco, acho o indie maravilhoso, nasci no indie, mas sentia que meu disco era mais pop. Apesar de ele ter uma roupagem mais moderna, é um disco que tem um brega, uma música mais latina, um rap, um reggae. Quero ser pop e acho que eu sou, pelo estilo de música que eu faço. Meu objetivo era falar com muita gente e tô conseguindo cada vez mais. Eu meio que falei para os jornalistas que eu era pop, que não era indie, e eles começaram a escrever “rainha da sofrência pop”. E aí ficou.

Você costuma perguntar no seu show quem está apaixonado. É muito curioso, porque muito pouca gente levanta a mão e vejo que essa história de relações fluidas está mais forte. As pessoas não querem muito se comprometer com ninguém, estão felizes assim ficando com um e com outro. Ou não. Quando você chega em casa e deita sozinho, quer estar com alguém, quer ter um sovaco para poder dar uma deitada. A gente quer dividir a vida.

As pessoas não ficam indiferentes na plateia, estão sempre cantando. Isso surpreendeu você? Me surpreendeu muito porque existem músicas tipo “Egoísta” e “Derretendo”, que são difíceis e todo mundo canta tudo. Vi isso em um dos meus primeiros shows. Depois disso, passei a receber muito inbox. No início, conseguia ler tudo, agora não consigo mais. É muita gente dizendo assim: “Poxa, seu disco é foda. Eu estava na merda e agora estou bem”. As pessoas estão sentindo muita empatia pelo que eu senti, tá rolando uma conexão astral. Fiz um mapa astral e a moça falou para mim: “Você tem uma consciência coletiva muito forte no seu mapa, você consegue se comunicar com muita gente”. Acho que essa capacidade de conversar com o consciente coletivo é o que engrossa meu caldo e por isso todo mundo canta junto. Quando fiz meu disco, eu estava superinsegura, mas, ao mesmo tempo, eu repetia muito para mim mesma: “Todo mundo vai gostar do meu álbum”. E meu namorado falava: “Calma, Eduarda”. E eu falava: “Não, todo mundo vai gostar. É honesto. Tudo que eu falei lá todo mundo já sentiu”.

Como aconteceu o encontro com a Ivete Sangalo? Um dia recebi um inbox dela: “Duda, querida, você é maravilhosa. Tô ouvindo sua música, é muito boa. Queria convidar você para cantar comigo no [bloco] Segura a Seringa, que vai ter em Recife”. Na hora, respondi: “MEU DEUS! É óbvio que vou cantar com você!”. E foi um dos melhores momentos da minha vida. Entrei no camarim dela e quando olhei aquela mulher grande, me abraçando, falando o quanto minha arte era boa, eu nem acreditava. Eu comprei até roupa nova para cantar com Ivete. Ela me mandou uma mensagem depois do show: “Quero você junto comigo no trio elétrico, quero você comigo agora e sempre”. Falei: “Tá combinado!”. Aí, uma semana antes do Carnaval [deste ano], estava indo para Salvador porque ia fazer um show e escrevi: “E aí, está de pé o negócio?”. Cantamos três músicas juntas no trio, ela esperou o momento certo para me botar lá para cantar, na frente de um camarote grande. Da última vez que falamos, disse que queria muito escrever uma música para ela, e ela disse: “Pode me mandar”. 

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“Acho que essa capacidade de conversar com o consciente coletivo é que engrossa o caldo”
Duda Beat

Qual foi o momento mais marcante da sua carreira até aqui? A primeira vez que fui para Fortaleza foi um dos momentos mais legais. Tinha umas 12 mil pessoas me esperando, todo mundo cantando junto todas as músicas. Quando deixei palco, a van não conseguia sair do lugar. “As pessoas me amam!” Aí, eu abri a janela e o povo todo: “Pelo amor de Deus, uma foto!”. “Gente, eu tô famosa!” Eu estava me sentindo a Xuxa.

E qual foi a primeira coisa que fez quando ganhou uma grana? Peguei quase todo o dinheiro da poupança e falei: “Preciso melhorar meu show. Se eu não melhorar, as pessoas não vão pagar mais por ele”. E hoje em dia eu consigo pedir mais porque eu apresento um espetáculo, tem uma projeção. Eu procuro remunerar muito bem a minha equipe. Cada vez que a gente consegue aumentar o preço do show, pago melhor a eles. Se a gente fecha o show por menos, todo mundo ganha menos, inclusive eu, que tenho que investir. Não vai existir esse negócio de um ficar rico e o outro ficar pobre.

Recife sempre teve uma efervescência cultural muito grande. Você tem uma explicação para isso? Sinto que a gente tem muita mania de grandeza. Lembro que quando construíram o shopping Recife era “o maior da América Latina!”, o nosso Carnaval é “o maior da América Latina!”, o São João de Caruaru é “o melhor São João do mundo”. Pernambucano é muito orgulhoso do que se faz lá na nossa terra. E acho que essa autoconfiança é o que gera essa criatividade, essa motivação de fazer melhor, querer fazer o maior.

Quais são suas referências musicais? Como morei mais tempo em Recife do que no Rio, minha formação musical é quase toda de lá. Cresci ouvindo maracatu, Chico Science, frevo, Lenine, Alceu. Quando eu chegava do colégio, ouvia um programa de brega. Aos 16, 17 anos, ia para o pagode com minhas amigas nos fins de semana. A maioria das músicas que componho é meio pagode. E os anos 80 também são uma grande referência. Ia para o colégio com minha mãe e na rádio do carro só dava Sade, George Michael, aquela coisa de chorar. Adoro Beyoncé, Rihanna. JLo era o ícone da minha vida, eu amava, achava perfeita.

Vem daí sua estética? Acho que sim. Uma coisa meio diva, gosto dessa coisa chamativa. No dia em que cheguei loira platinada em Recife, todo mundo me olhando esquisito, minha mãe falou: “Minha filha, você está parecendo eu mais velha, tá com cabelo branco, as pessoas estão olhando”. “Não quero nem saber, estou moderna!” [risos].

 Mas no Rio você frequentava uma cena alternativa. Totalmente. A Letrux eu conheci com uns 18, 19 anos. Comecei a ir nos shows dela. Alice Caymmi se tornou uma das minhas melhores amigas nessa época. Conheço essa galera há muito tempo, o Cícero, Diogo Strausz, enfim, a cena carioca. Conheci o Lux [Ferreira, tecladista] por causa da Mahmundi.

Você tem discos de cabeceira, Duda? Quando eu era criança – eu nunca contei isso para ninguém –, meu pai ouvia muito Pearl Jam, aquele Ten, e eu decorei todas as letras daquele disco. Eu sou muito apegada a meu pai, a minha mãe eu também sou, óbvio, sou apaixonada por ela. Mas eu e meu pai somos muito parecidos, os dois são librianos, a gente é dramático. Lembro a primeira vez que meu pai foi me levar ao aeroporto, quando eu fui morar no Rio, ele chorou: “Meu Deus, acho que vou morrer”. Falei: “Olha, pai, vou te falar um negócio. A Paixão de Cristo está perdendo um ótimo ator. Se eu fosse você, me candidatava para fazer Pilatos ou qualquer personagem, porque é um drama...”. 

Ele deve estar orgulhoso. Ele está, fala de mim para todo mundo: “Minha filha tá cantando com Ivete Sangalo”. Comenta em todos os vídeos, é meu maior fã. E acho que foi por isso que eu fiquei tão apegada àquela história de comprar a fazenda dele de novo. Eu quero que eles vivam bem. Falei para a minha mãe: “Vai ter uma hora em que você vai ter que parar de trabalhar, você está muito cansada”. É muito lutadora. E eu quero muito conseguir dar isso para eles.

O caldo da rainha

A pernambucana dividiu com a gente as músicas que a influenciam, fazem dançar e, porque não, chorar. Dá o play:

Créditos

Imagem principal: Pablo Saborido

Produção executiva: Adriana Verani | Assistentes de foto: Erick Diniz e Mariana Gabetta | Produção de moda: Sam Tavares | Assistente de beleza: Fernanda Verzini | Camareira: Jô Alcântara | Tratamento de imagem: Gabriel Cicconi | Estilo: Flávia Pommianosky e Davi Ramos | Beleza: Helder Rodrigues (Capa MGT) | Com produtos Clinique e Redken

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