Trabalhando pra fora

por Paulo Lima
Trip #166

Tentamos resgatar a idéia de trabalho como algo realizador, que nos afasta do sofrimento

Acabo de ouvir uma declaração interessante: em qualquer agrupamento de animais que nos pusermos a observar, sejam do porte e classe que forem, verificaremos atividade que se pode entender como trabalho. Há sempre algum tipo de movimento coordenado, realizado em grupo, muitas das vezes com tarefas específicas destinadas a indivíduos e subgrupos, visando em última análise diminuir o sofrimento do coletivo e do individual.

O alimento talvez seja a primeira e maior razão. Obter, estocar, processar, repartir. Mas há o frio, a necessidade de abrigo e, acredite, em inúmeros reinos e classes, algo que pode ser entendido como afeto e amor pelo semelhante como importantes motores que empurram o grupo a se mexer e trabalhar.

Ocorre que, com a nossa suposta sofisticação ao longo dos séculos, a evolução dos processos e mecanismos de produção e das formas de organização dos humanos em grandes grupos, chegamos a um estágio complexo e perigoso. Assim, temos hoje certa dificuldade para entender o que exatamente estamos fazendo com nossas existências, em função de algo que ainda chamamos de trabalho, mas que talvez nem sequer mereça esse nome.

Se isso não fosse verdade, não teríamos dados chocantes, como o que aponta nossa colaboradora desta edição, a professora Betania Tanure, num trabalho que causou no ano passado grande repercussão nos meios corporativos e empresariais e agora começa a ser analisado também em campos menos imediatistas do saber. Entre outras informações reveladas pela séria e ampla pesquisa realizada por ela e por Antonio Carlos Neto, 84% dos executivos brasileiros estão infelizes. E nem sequer têm alguma dúvida sobre isso.

 

 

ASSASSINATOS SILENCIOSOS

Se quisermos ir além, há um mal mundial que só cresce e se espalha, e que talvez não seja detectado tão claramente em trabalhos acadêmicos: a ansiedade. O sistema baseado em competição frenética pelo acúmulo, seja de riqueza ou de um suposto reconhecimento em forma de status e aplauso social, vem matando, de forma tão silenciosa quanto eficiente, quantidade e qualidade de gente assustadoras. Os assassinatos aparecem não nas formas mais claras, mas travestidos de doenças cardíacas, de hipertensão, de câncer e de outros disfarces mais sutis.

O positivo desse cenário é que a humanidade tem o poder de reagir (quero acreditar). Desde que começamos há cerca de três anos a estudar de forma mais intensiva o assunto trabalho, como parte de uma lista de 12 prioridades urgentes que achávamos que deviam ser mais discutidas e refletidas por todos, já é possível observar movimentos importantes de repensamento do sentido das formas e filosofia do que convencionamos chamar de trabalho. Quase no dia do fechamento desta edição, por exemplo, a respeitadíssima revista inglesa The Economist saía com reportagem de capa sobre as novas idéias e formas de organização de profissionais e empresas que já perceberam que há algo de errado acontecendo.

Na presente edição, procuramos, com modéstia e muito esforço, dar mais uma pequena contribuição para essa reflexão tão necessária. Para começar, resolvemos testar de fato o que acontece quando se deixa para trás o sistema convencional de trabalho e se resolve desfrutar da suposta liberdade que a tecnologia e a inteligência nos proporcionam hoje. Os mais de 15 profissionais que produziram esta Trip não pisaram durante semanas no prédio em que normalmente trabalham. Um foi ao Havaí, o outro se instalou na casa da ex-mulher logo ali. Uma ficou mais tempo com os filhos, outro não via a hora de voltar para o quartel do conteúdo. Um refletiu sobre o assunto ao lado de um laptop numa janela de hotel em São Petersburgo, o outro estava a alguns metros da nossa Redação, em seu apartamento.

Nesta Trip, você vai ver essa e outras experiências e tentar entender conosco o que podemos fazer para resgatar a idéia de trabalho como algo que nos afasta do sofrimento e nos aproxima da realização, e não como uma atividade que nos distancia de tudo o que realmente amamos, que nos infla as artérias e pressiona nossos organismos e cabeça até explodirem. Infelizmente para muitos essa é a realidade de suas rotinas. Felizmente, para nós e muitos outros, nunca foi a nossa!

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