Seguuuura, cristão!

por Millos Kaiser
Trip #206

Com suas missas sertanejas, Alessandro Campos arrebata milhares de fiéis em Brasília

Sim, este cowboy é padre. Com suas missas sertanejas, Alessandro Campos arrebatou milhares de fiéis em Brasília. Agora, lançando cd por uma grande gravadora e planejando uma igreja em forma de chapéu para 30 mil pessoas, ele quer conquistar o Brasil todo

Tec, tec, tec. O som anunciava a chegada de nosso entrevistado. Eram suas botas de couro tocando no chão de granito do hotel. Asseado ao extremo, com um perfume adocicado, chapéu branco, cinto com fivela, relógio da marca Diesel, camisa xadrez e calça jeans justa, aquele cowboy de quase 2 m de altura parecia ser tudo, menos o que é. Rei dos rodeios? Barão da soja? Um modelo, como achou o cantor Zezé di Camargo quando o conheceu? Nada disso. Alessandro Campos é “o primeiro e único padre sertanejo do Brasil”, segundo ele próprio. “O que vier depois é cópia. Quem não quer uma boa ideia como essa? Mas quero ver fazer igual. Tem que ter conteúdo, história”, defende.

Eram cinco da manhã de domingo, mas o padre transbordava bom humor. Distribuiu animados bons-dias e nos presenteou com pingentes de Nossa Senhora Aparecida, padroeira oficial dos peões. Depois entramos na van para três horas até Cachoeira Paulista, interior do estado, onde Alessandro cantaria no 4º Festival Canção Nova Sertaneja. “Sento atrás porque se bater vocês morrem primeiro”, soltou, rindo, para depois emendar: “Vamos rezar, amigos?”.

O padre já participara do evento em 2010, mas este ano regressa na condição de estrela. Na bagagem, além da imagem de Nossa Senhora que o acompanha em todo canto, ele traz seu primeiro disco oficial, o recém-saído do forno O homem decepciona, Jesus Cristo jamais, distribuído pela Universal. O lançamento será dia 20 de dezembro em Brasília, onde o padre mora há cinco anos. “E assim”, ele entoa em tom profético, “o padre Alessandro Campos realiza o seu sonho de anunciar o nome de Jesus Cristo para o Brasil e para todo o mundo usando a linguagem sertaneja” (o hábito de falar em terceira pessoa não é exclusividade do Pelé). Seu passo seguinte, adianta, é a construção na capital federal do Santuário Nacional Sertanejo, uma igreja para 30 mil pessoas, a ser erguido em um terreno doado por um órgão público (ele não dá mais informações). O projeto ainda não tem arquiteto, mas o padre já tem, literalmente, a ideia na cabeça: o templo será em forma de chapéu. Outro desejo seu, um pouco menos ousado, é apresentar-se no Vila Country, maior reduto paulistano de artistas do gênero.

O show, que depois vai virar turnê, é uma adaptação das missas sertanejas que o padre ministrava na catedral do Colégio Militar de Brasília até fevereiro, antes de assinar contrato com uma grande gravadora. Elas eram diárias, com duração de até três horas e acompanhadas por mais de mil fiéis. Aos domingos começavam às 15 h e podiam ir até as 22 h. Vez ou outra o padre percorria a nave da igreja a cavalo, ao som do berrante. Em seguida empunhava o violão e tocava versões para clássicos caipiras. “Moreninha linda”, de Tonico e Tinoco, vira “Jesus amigo”; “Fazenda São Francisco (Maior proeza)”, de Victor e Léo, “O Gênesis”; e “Telefone mudo”, do Trio Parada Dura, “Amor sincero”. Este último é o grupo preferido do padre. “Mas também amo Zezé di Camargo e Luciano, Chitãozinho e Xororó e Chico Rey e Paraná”. E Luan Santana? “Não gosto dessa coisa mais pop. Gosto do sertanejo de raiz, que pra mim tem mais conteúdo, melodia, texto.”

Por sugestão de sua paróquia brasiliense, o padre registrou essas e outras canções em um CD artesanal, anos atrás. Embalado em papelão, gravado ao vivo em uma hora em um estúdio caseiro, vendeu 22 mil cópias. Uma delas foi parar nas mãos de seu atual empresário, Marcello Azevedo, que também cuida de Lulu Santos. “Estávamos atrás de um artista sertanejo e de um artista religioso. Um funcionário me apresentou o trabalho do padre e eu fiquei maluco. Ele era as duas coisas em uma só”, Marcello conta. Na mesma semana, voou para vê-lo. “Quando cheguei na igreja fiquei assombrado. A fila dobrava a esquina, a missa durava horas e ninguém arredava o pé. Ele tem um carisma muito sincero.” Outra que foi cativada pelos encantos do padre é Milce Castro, que abandonou 30 anos de carreira na direção artística de rádios para virar sua secretária. Católica praticante desde sempre, ela acha que seu chefe “está no lugar certo, na hora certa”. Com know-how, diz: “Se você pega o top dez das músicas mais tocadas, oito são sertanejas e/ou religiosas. O surgimento do padre foi providencial”.

Farda e batina

Alessandro Corrêa de Campos nasceu em 1982, no município de Guaratinguetá (SP), terra de frei Galvão, primeiro santo brasileiro. Ele diz que já veio ao mundo padre e sertanejo: “A coisa mais comum na minha família era ir para a missa de domingo e depois os tios e os primos faziam roda de viola em casa. Eu dizia que minha igreja ia ter sanfona e violão e todo mundo me achava louco”. Com 7 anos, rato de sacristia, o pequeno Alessandro brincava de celebrar missa com suco de uva e camisola da mãe.

Mas a vida era dura na família Campos. Moravam juntos ele, sua avó e sua irmã. Às vezes, não tinham um mísero real, que era justamente o preço da passagem para Mogi das Cruzes, onde ele iniciaria a faculdade de teologia e filosofia, requisito para poder consagrar-se padre. “Mas Deus me deu duas pernas e saúde. Resolvi ir a pé. Acordei meia-noite e caminhei 70 km pela rodovia. Os caminhões passavam de raspão, caí em um barranco quando já estava chegando ao campus. Mas consegui entrar na sala às 7h45, todo sujo, a tempo de escutar meu nome na chamada”, garante ele, emocionado. No dia seguinte, acordou doente. “Xinguei Jesus Cristo de todos os jeitos.” Suas preces foram atendidas quando um padre falou que o rapaz poderia ir de carona na van dos seminaristas.

Nessa época, sua mãe morava em Resende (RJ), sede da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), onde frequentava uma paróquia militar. Em uma visita, Alessandro gostou do que viu e ingressou na Arquidiocese Militar do Brasil, aos 23 anos. Tornou-se o primeiro padre brasileiro a ser ordenado em um auditório e não numa igreja. Virou vigário e tenente ao mesmo tempo. Pouco tempo depois, foi transferido para Brasília, onde trocou a farda e a batina tradicional pela indumentária adaptada de padre sertanejo, que inclui sua marca registrada: a camisa xadrez com o clesma (o detalhe branco que há no colarinho das vestes dos padres).

Beatlemania

Cerca de 200 km mais tarde, chegamos à Canção Nova, espécie de complexo católico com capelas, hospitais, restaurantes, bancos, lojas, hotéis e auditório para 100 mil pessoas. Com cerca de 30 mil voluntários, grande parte deles morando em suas instalações, a entidade é a principal divulgadora da chamada renovação carismática. Seu objetivo é popularizar a liturgia católica, 
o que, grosso modo, significa missas com menos latim e mais música. A organização foi a propulsora do sucesso do padre super star Marcelo Rossi. Ela absorve e adapta movimentos seculares, como é o caso da atual febre sertaneja.

Na paisagem, cavalos, carros de boi e uma profusão de chapéus e estampas xadrez. O palco é decorado com blocos de fenos, rodas de carroça e porteiras. Destoando da decoração country, um barco monumental serve de depositário para o dízimo.

Após ensaiar algumas músicas com o sanfoneiro e o violonista no backstage e lamentar o fato de ter de fazer playback em alguns momentos, Alessandro sobe ao palco e saúda o público: “Seguuura, cristão!”. Ele pula e pede que todos façam o mesmo (“Tira o pé do chão!”). Puxa uma adolescente para dançar forró. Suas pregações são sobre sofrimento (“Quem aqui nunca pensou em desistir de tudo?”) e a salvação em Cristo (“O que é que eu sou sem Jesus? Nada, nada, nada!”). Na última música ele se ajoelha e canta fitando a câmera que registra o show, transmitido em tempo real pela internet e pela TV para todo o país e para um canal do Vaticano.

Não se passaram 15 min do fim da apresentação, e a equipe de comunicação da Canção Nova já lhe entrega um DVD com tudo registrado. Do lado de fora do camarim, uma multidão de mulheres de todas as idades aguarda pelo seu mais novo ídolo. Entre os berros, pedidos de foto e autógrafo, “Perdoe, meu Deus, mas esse padre é bonito demais”, “Ele é mil vezes melhor que o padre Fábio [de Melo]” e “Onde já se viu padre de calça apertada?” são algumas das frases que o gravador deste repórter consegue captar. O assédio, típico da beatlemania, ressurge em questão de segundos toda vez que paramos para fazer as fotos da matéria.

A cena induz à pergunta: “Padre, como é viver no celibato?”. “Muito fácil, demais da conta. Encaro o celibato como o casamento entre o homem e a mulher. Eu casei com a igreja e prometi fidelidade a ela por toda a vida. Se eu não conseguisse fazer isso, simplesmente não teria virado padre”, ele responde. No retorno a São Paulo, o silêncio só é interrompido pelas dezenas de SMS que apitam em seu iPhone. Um deles é de um de seus produtores em Brasília. Ele escreve que assistiu na televisão ao show e que acabara de decidir que estava largando o ateísmo para seguir os ensinamentos do padre. “Tá vendo?! É isso que me dá tesão.”

Créditos

Imagem principal: Domenico Pugliese

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