por Ronaldo Lemos
Trip #276

O desenvolvimento do personal branding na internet parece ter se tornado um imperativo inevitável

Há uma frase que já virou clichê: “Se você usa um produto na internet e não paga por ele, isso significa que você é o produto”. No entanto, essa sentença dá conta apenas de uma pequena parte da discussão. Uma outra parte, pouco discutida, é que no mundo em que vivemos hoje, muita gente voluntariamente quer se tornar um produto.

Esse é o fenômeno que pode ser descrito como personal branding, ou, em português, marca pessoal. A ideia desse conceito denota que cada indivíduo que se conecta à rede, voluntária ou involuntariamente, está se convertendo em uma marca. Especialmente para quem trabalha com criatividade, o desenvolvimento de uma marca pessoal parece ter se tornado um imperativo inevitável.

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Mais do que isso, transformou-se em uma prisão. Especialmente entre a geração dos millennials, quem está exposto nas redes sociais trabalha quase que o tempo todo para construir sua marca pessoal. Muita gente faz isso até mesmo sem perceber. 

Quando vai a um restaurante e pede por um prato compatível com a imagem que quer projetar de si mesmo nas redes, tira uma foto e, voilá, mais um elemento da propaganda pessoal começa a circular. Quando se veste de determinada maneira que acha representar a imagem que gostaria de passar para outras pessoas, logo tira uma selfie (de preferência no elevador) e, de novo, mais uma peça de propaganda sobre si mesmo é lançada nas redes.

#comfiltro

Note que o esforço de construir uma marca pessoal é duplamente seletivo. Primeiro porque de todas as experiências que a pessoa vive – boas ou ruins –, ela filtra cuidadosamente apenas aquelas que acredita ressoarem com a autoimagem que gostaria de projetar. Isso é uma enorme causa de angústia porque é impossível controlar totalmente as experiências do dia a dia e como elas acabarão sendo retratadas e postadas on-line. É como Emma Hope Allwood, editora da revista britânica Dazed, relatou. Um belo dia, ela se pegou preocupada por estar andando ao lado de uma pessoa que não condizia exatamente com sua “marca pessoal” e se descobriu totalmente paranoica com a possibilidade de alguém postar uma foto daquele momento na internet.

A outra parte da seletividade da marca pessoal é que no início achamos que somos nós que a criamos. Mas é ela que nos cria. O pior: é ela que nos aprisiona. Sem perceber, os reféns da prática do personal branding começam a restringir e limitar seus gostos, suas experiências e a viver em uma câmera de eco de fazer inveja a qualquer candidato a narciso. É como se o reflexo no espelho da internet tomasse conta das nossas vidas.

Isso gera ansiedade, angústia, depressão e colapsos nervosos. Tenho muita preocupação com quem trabalha (ou ambiciona trabalhar) como “influenciador” na internet. É um mercado selvagem, em que todos os desafios e dilemas da prática de personal branding se materializam de forma ainda mais exacerbada. É o caso da influenciadora Elle Mills, que, com 1,2 milhão de seguidores no YouTube, postou um vídeo no qual tem um ataque de ansiedade ao vivo. Detalhe: ela tem apenas 19 anos. Outro youtuber, El
Rubius, com 30 milhões de seguidores, decidiu dar um tempo da plataforma por conta de um colapso nervoso do qual não conseguia mais controlar sua identidade.

Por tudo isso, a ideia de construção de uma “marca pessoal” pode ser algo que não só reduz nossa experiência neste mundo de infinitas possibilidades, mas também gera um fardo incontornável com relação à saúde mental. Talvez a melhor marca pessoal seja mesmo o desapego.

Créditos

Imagem principal: Barbara Krueger

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