O que eu quero, mesmo, é poder dar uma parada todos os dias

A ideia que temos das férias está ultrapassada. Gosto de dar uma parada maior de vez em quando.

TODO DIA É DIA DE FÉRIAS

Todo o mundo adora férias, e eu também. Dar uma parada, viajar, relaxar, não pensar em nada. Algumas vezes a praia, outras, a montanha; há aqueles anos de viajar para o exterior e os de explorar o Brasil. Ah, férias, que delícia... Quer saber o que eu penso? Eu penso que a ideia que temos das férias está ultrapassada e necessitando urgentemente de uma revisão.

Como você deve saber, as férias não existem desde sempre. Elas são, na verdade, uma invenção bem recente, que coincidiu com o avanço dos movimentos operários após a Revolução Industrial. Antes, a vida dos ricos era um constante entrar e sair de caçadas e festas, e a dos pobres era trabalhar o tempo todo. Com o tempo, e com diferenças importantes em cada país, o descanso anual remunerado foi virando lei e passou a fazer parte do cotidiano de todas as pessoas, mesmo daquelas que, como a maioria de nós, vivem uma realidade infinitamente melhor do que a enfrentada pelo proletariado do século 19 e começo do 20. Conquistamos, enfim, como defendeu Paul Lafargue, o genro de Marx, o direito à preguiça. E, como no capitalismo até retrato de revolucionário cubano vira produto, as férias, concedidas inicialmente muito a contragosto pelos patrões, se transformaram, com o turismo, numa indústria global, gigantesca e – literalmente – trilhardária.

Naquela situação de vida tão penosa de nossos antepassados, as férias, assim como os fins de semana, sempre foram o momento de “viver de verdade”: eram o tempinho - paraíso de uma existência infernal. Os momentos em que se podia curtir a vida, dar uma parada, desligar o cérebro. Mas será que ainda está certo isso? Eu quero férias, sim, para mudar de ares, conhecer novos lugares ou voltar àqueles de que gosto, mas que, dada a distância, não posso ir rotineiramente. Mas embarcar num navio, ou desembarcar num resort, e desligar o cérebro? Eu não. Pois, se nós (pelo menos a maioria de nós, incluindo você, leitor desta revista) não vivemos mais como os operários da Revolução Industrial, por que precisamos tanto de férias? Não, não estou propondo que elas sejam abolidas. O que estou sugerindo é que as férias não sejam uma oposição à nossa vida cotidiana, mas uma extensão dela. Que tenhamos férias gostosas, mas que tenhamos também uma vida rotineira melhor, com tempo e espaço para ler, refletir, observar, fazer coisas diferentes.

DESCONECTAR

Um exemplo é esse vício em conectividade que está assolando o planeta. Quer dizer então que precisamos ir para um sertão perdido no meio do Piauí para nos desligarmos um pouco do celular e das redes sociais? Não. Penso que não precisamos nos desconectar nas férias, o que precisamos é ficar conectados com um pouco mais de parcimônia o tempo todo. Há poucos dias, li no jornal uma entrevista com Barry Stroud, filósofo e professor em Berkeley, nos Estados Unidos. O que me chamou mais a atenção foi o trecho em que ele dizia que gostava de observar, da janela de seu escritório, as pessoas que passavam andando, pelas calçadas do campus. Em quase 100% dos casos elas estavam olhando para seus celulares, lendo e digitando. Elas não mais caminhavam, apenas, olhan- do para as árvores, para o céu, pensando, sonhando... Depois disso eu comecei, também, a prestar atenção e percebi que nas ruas de São Paulo tem cada vez mais gente se comportando assim.

Eu não quero sair de férias e desligar meu cérebro. Gosto dele ligado o tempo todo, sempre multitarefa. Na medida do possível, meus dias incluem, além das coisas chatas, como pagar contas, administrar problemas e pegar trânsito, também as divertidas, como conversar, namorar, estudar, escrever e traduzir poesia. E, como a gente só valoriza o frio quando sente calor, as coisas chatas acabam sendo importantes, pois, pelo contraste, elas deixam as divertidas mais divertidas.

Sim, eu gosto de férias e de dar uma parada maior de vez em quando, mas com moderação. Mas o que eu quero, mesmo, é poder dar uma parada todos os dias. E agora peço licença, pois não estou em férias mas vou dar uma paradinha para folhear o volume de poemas completos de Wei Ying-wu, que acabou de chegar pelo correio.


*ANDRÉ CARAMURU AUBERT, 53, é historiador, editor e autor do romance A vida nas montanhas. Seu e-mail é andre.aubert@hotmail.com 

Imagem do facebook: Flickr/Royce Bair 

 

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