O papa, o sexo e a periferia

Bento 16 disse que o amor foi reduzido a mercadoria; faz sentido nas quebradas de SP

O papa Bento 16 recomendou aos jovens que não se adaptem a um tipo de amor reduzido a mercadoria, a ser consumado sem respeito por si e pelos outros. Havia outras ideias e talvez outras intenções na fala do papa. Mas qualquer pessoa percebe que essa recomendação em particular não está destituída de sentido. Alguns falam de sexo espiritualizado. Afeto comprometido, quiçá amor. Sexo como carinho mais profundo, talvez romântico. Essa é a posição que a sociedade tem como ideal. Está no núcleo das ideias de família e comunidade.


É, mas a vida não pode ser reduzida a conceitos. O impacto de duas guerras mundiais despiu a humanidade de parte de sua hipocrisia funcional, conduzindo-a para uma realidade mais visceral. É então que se inicia a chamada revolução sexual, que vai ter no psicanalista Wilhelm Reich seu maior defensor. Nascem a partir daí outras posições que veem o sexo como algo necessário para a saúde física e mental do ser humano. Acusam a cultura por desviar a função sexual de sua origem natural. Expõem que a privação da libido enfraquece o instinto da vida, nos mergulhando em melancolia e depressão. Freud já afirmava que a falta de sexo leva o ser humano à agressividade compulsória, provocando a autodestruição.

Aqui na periferia, a questão sexual é mais embaixo. A maior parte dos moradores do bairro é constituída por crianças e jovens. As meninas andam rebolando com a calcinha enfiada, como se houvesse um tesouro de valor inestimável naquela região. Parece que é tudo o que elas têm a oferecer. Aqui se encaixa perfeitamente a recomendação papal sobre a redução do amor (sexo) a mercadoria.

Celular e Adidas
Rapazes mais pobres têm poucas chances. As garotas preferem aqueles que têm moto ou carro. Só serão notados se vestirem Adidas, Puma, Nike, M.Officer, Forum ou essas grifes do rap. O celular tem que ser multifuncional, com display enorme que custa os olhos da cara (pais sabem do que falo). Vivem empenhados (eles e os pais) em prestações. A pressão é tamanha que muitos desses rapazes “viram” motoboys sem nenhuma qualificação, habilidade ou vocação. O resultado a gente vê todos os dias: eles morrem como moscas em nossas ruas.

Pergunto sobre as alternativas que eles têm. Meu filho, 15 anos, quer tênis Adidas, cujo preço é o de um salário mínimo. Aconselham que eu converse. Tento, mas com que moral se eu também gosto de tênis Adidas? Embora use aqueles já fora de moda, mais baratos. Mentir? Meu esforço é para que ele se dê bem. O tênis é bonito mesmo, mas há famílias no bairro vivendo o mês todo com o que ele quer pisar em cima.

Então volto à conversa inicial. Sexo espiritualizado ou sexo natural? Um pouco dos dois, não é mesmo? Mas isso é tão teórico, tão distante dos jovens... E são eles as principais vítimas do consumismo sexual. A redução de sexo a mercadoria é algo que nos cerca, nos sufoca o tempo todo. O marketing aproveita-se do fato de que mentimos saberes que não possuímos sobre sexo.

Creio que a única solução é o desenvolvimento da capacidade crítica. Estabelecer diálogo com nossos filhos baseado na sinceridade. Demonstrando nossa fragilidade diante do fascínio sexual e da sedução da propaganda e desmascarando apelos mentirosos. Insistindo na tecla de que questionar sempre foi a única saída.

*Luiz Alberto Mendes, 58, é autor de Memórias de um sobrevivente, sobre os 31 anos e dez meses que passou na prisão. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com

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