Fugimos dos grandes shows e fomos ver o que mais rolava no Jockey Club de São Paulo
Quem foi um um fã de rock alternativo nos anos 90 sempre sonhou com o Lollapalooza. A fascinação pelo festival começou no segundo boom da MTV no Brasil, quando pirávamos com a ideia de acompanhar uma turnê com Metallica, Soundgarden, Ramones, Rancid, Screaming Trees, Rage Against the Machine e muitos outros, como no line-up insano do ano de 1996. Somente 16 anos depois disso a montanha veio a Maomé e o Lollapalooza chegou ao Brasil com uma edição dupla, trazendo 43 artistas divididos em dois dias de sol e calor no Jockey Club de São Paulo, que se mostrou a melhor arena para festivais na capital paulista e única capaz de acomodar quatro palcos, superando assim a Chácara do Jockey, o Anhembi ou qualquer outro espaço do tipo.
O Lolla, apelido que acompanha o festival desde os primórdios, mudou. Mudou de ideia sobre quem deveriam ser os artistas presentes, mudou de formato, mudou de país e chegou a São Paulo arrastando 135 mil pagantes (75 no primeiro dia, 60 no segundo) e trazendo pela primeira vez à cidade uma das maiores bandas de rock da atualidade, o Foo Fighters. No segundo dia, quem fechou os trabalhos foram os britânicos do Arctic Monkeys, que fizeram um excelente show e presentearam os fãs que encararam a garoa insistente no fim da noite. Depois do evento, o deslocamento era difícil já que as ruas da região ficaram todas fechadas. Faltou aí um alinhamento entre produção do festival, Prefeitura e Metrô de São Paulo, que não ampliaram os horários de seu serviços de transporte para atender ao grande volume de pessoas que deixava o Jockey Club.
Como nossa missão não era esmiuçar os maiores shows da noite, gastamos a sola do All Star andando para cima e para baixo para ver o que rolava nos palcos menores entre um arrasa-quarteirão indie e outro. Vendedores itinerantes de cerveja e o clima ameno fizeram a alegria dos presentes nos dois dias, com meninas de biquini desfilando no melhor estilo Coachella entre os palcos do festival. Toda a arena estava bem sinalizada, com muitos acessos e corredores. O clima foi tranquilo durante todo o evento, com um mínimo de ocorrências. As filas para bares e banheiros alternavam momentos de lotação total e abandono completo. As maiores reclamações foram no sábado, quando a fila de entrada para quem portava ingressos com meia-entrada chegava a uma hora e meia.
Sábado: sol, filas e bons shows
O sol estava implacável e a pino quando entrou, pontualmente, às 13h01 o gaúcho Wander Wildner, abrindo o palco Butantã. Tocando sucessos de sua carreira solo e dos Replicantes, ainda teve tempo de pegar um gancho com o feriado religioso para dedicar a clássica "Jesus Voltará". Em seguida, desligaram o som do palco, dando o tom de como seria o resto do evento: shows começando e terminando com pontualidade britânica.
Depois foi a vez de Marcelo Nova no palco principal do festival. Acompanhado pelo veterano da guitarra hard rock no Brasil, Hélcio Aguirra (do clássico Golpe de Estado), fez seu set de sempre com participação nunca antes vista em um show do ex-Camisa de Vênus. Seja cantando sua parceria com Raul Seixas ("Pastor João e a Igreja Invisível") ou as intermináveis "Simca Chambord" e "Eu Não Matei Joana D'arc", o público surpreendeu e participou ligado no 220V durante todo o show. Nada de latadas para o príncipe do rock baiano.
Enquanto isso, no palco alternativo, Daniel Belleza e os Corações em Fúria abriram com "América do Sul", do Ney Matogrosso, referência à música que abriu o primeiro Rock'n'Rio, em 1985. O vocalista arrancou risadas do público ao exibir uma camiseta com um coração escrito Courney Love, em uma provocação sutil ao dono da noite, desafeto da cantora.
No palco alternativo, Pavilhão 9 foi uma boa surpresa mesmo sem lançar um disco há quase uma década. O show foi pesado. A banda passou do nivel rap e caiu de cara no nu metal.
O TV on the Radio fez um bom show, mas o público já estava na expectativa pelo Foo Fighters e injustamente não se empolgou muito. Nem o cover de "Waiting Room" do Fugazi agitou a pista - por falta de conhecimento de causa do público, diga-se de passagem. O show de Joan Jett & The Blackhearts atraiu roqueiras das antigas mas também toda uma nova geração, em parte por causa da cinebiografia de 2010 da sua banda, Runaways, com Kristen Stewart (Crepúsculo) interpretando a guitarrista. Mandou os hits logo de cara, para satisfazer o público que começou a abandonar a apresentação no meio para melhor se posicionar para o show de encerramento.
Foo Fighters fechou com o que se esperava, uma apresentação carregada de hits, com mais de duas horas de duração. Apesar do problema de voz de Dave Grohl, os caras fizeram a alegria dos fãs com um show longo e poderoso.
Enquanto isso, no palco Perry, a poeira comia solta com o set poperô de Calvin Harris, que animou o público mais Vila Olímpia do festival mas decepcionou os fãs indies da era I Created Disco, o seu primeiro álbum.
Domingo: menos gente, mais água e mais graves
Dia lindo (até as 18h) para o show punk cigano do Gogol Bordello, primeira banda do dia a realmente empolgar todos os presentes no Jockey, logo às 14h. Destaque absoluto para o MC equatoriano da banda que usava uma camisa de gari da Marquês de Sapucaí. Enquanto o Thievery Corporation tentava, sem sucesso, agitar o palco do outro lado e o pessoal no Twitter malhava a transmissão do show do Friendly Fires, corremos para o meio para ver o Black Drawing Chalks tocar alto. Muito alto. Ensurdecedoramente alto. A cada shows os caras do BDC estão melhores.
O Manchester Orchestra também fez um bom show no palco principal e foi uma das maiores surpresas de todo o festival. Quando o MGMT subiu ao palco se esforçando para tirar a péssima impressão de seu morgado show no Tim Festival de 2008, os santistas do Garage Fuzz dominaram o palco alternativo. E nem o começo da chuva afastou a galera, que cantou muito com a banda e agitou como pôde no show do palco alternativo que mais teve público, isso contabilizando os dois dias de festival. Nota dez, como de costume.
Na tenda do Perry o bicho pegou no set do esquisitão Skrillex. E como diria o velho Timbira: "meninos, eu vi". Apesar do DJ californiano de 24 anos espantar muita gente com sua versão pasteurizada de dubstep, demos o braço a torcer. Primeiro, a tenda estava lotada. Mais do que em qualquer outro show realizado naquele palco, o que significa que o cara sabe segurar uma pista cheia (e usando apenas os CDJs, mixer e um pen drive). E depois pelos graves - e que graves! E em toda a tenda parecia que só tinha uma pessoa que não se divertia: o operador de câmera do festival que ficava em cima de um pequeno andaime com uma cara que dizia: "o que é que esses caras estão pensando?!". Pior pra ele.
Aí foi a vez do dono da bola voltar. Grande show do Jane's Addiction, com o guitarrista Dave Navarro ainda em forma. E o set foi lotado de clássicos. Um prato cheio para quem ficou vendo até o final e não ficou plantado 50 minutos na esperança de ver um pedacinho dos Racionais antes do Arctic Monkeys. Os caras demoraram uma hora para subir ao palco, único atraso entre todas as mais de 40 bandas do Lolla. E o pior. Quando enfim os caras chegaram, o som estava longe de sua potência. Mas quem encarou a demora ficou extasiado com o poder de Mano Brown de dominar e unificar a massa de patricinhas, roqueiros, indies e até os seguranças e equipe de socorro médico, que deram uma escapadinha de seus plantões para curtir a apresentação. "Negro Drama", "Eu Sou 157", "Jesus Chorou", "Homem na Estrada", "Vida Loka" I e II, foram cantadas por todos a plenos pulmões. Memorável.
Do outro lado, os Monkeys fizeram um showzaço e não ficaram devendo em nada para o Foo Fighters, que fechou a noite anterior. As músicas são ótimas, a banda é bem carismática (apesar da tradicional fleuma britânica) e tem um vocalista com o estilo clássico de um rockstar. Surpreendeu para o bem.
No fim, o Lolla foi um festival acima da média para quem está acostumado com os perrengues para se ver shows em São Paulo. Para o próximo ano, caso o festival continue a acontecer na cidade, fica o pedido para uma maior atenção para a saída e retorno tranquilos do público.
Quem não deve ter gostado foram as dúzias de gatos que ali vivem, que devem ter achado que o mundo estava acabando em suas cabeças. No final, só fica uma pergunta: Onde é que ficaram os cavalos do Jockey? Olhamos, olhamos e não achamos nenhuma pista. Mistério...