Como a administradora de cartões de crédito descobriu que minha sogra passou as férias em casa?
Esta é para quem gosta de quebra-cabeças. Recebi em casa outro dia uma carta curiosa. Era da American Express e estava endereçada para minha sogra. Uma daquele tipo “Mensagem importante para você. abra e confira. Sua proposta já está pré-aprovada”. Alguns detalhes me intrigaram. A minha sogra não mora na minha casa. Não digo isso nem com alívio nem com tristeza. Considero, apenas, que é um fato importante a ser lembrado na sucessão de dados que vou desfiar. E, digo mais, não mora no Brasil. E, mais ainda, não é nem brasileira. Mora na França, em Paris. Considerando que ela é uma sogra quase virtual (por causa do trabalho, ela raramente vem nos visitar), me pergunto como a American Express soube, sabe, descobriu, que ela tinha acabado de passar uns dias na minha casa. E, atenção aos outros detalhes, fazia mais de dois anos que minha sogra não colocava os pés no Brasil, e ela não possui cartão dessa bandeira. Mais um detalhe interessante: o nome dela, que mistura a grafia inglesa e a francesa, estava escrito corretamente. E, para minha surpresa, descobri que ela tem um sobrenome que eu desconhecia, mesmo depois de tantos anos de convivência, e que me fez constatar que ela também tem ascendência polonesa. Ou seja, essa senhora, minha sogra, tem ascendência inglesa-francesa-polonesa, o que resulta em um nome e um sobrenome que não são fáceis de escrever. Na carta que chegou outro dia, eles estavam escritos impecavelmente.
Bem. Intrigado com os acontecimentos, liguei para a sogra em Paris. Perguntei se podia abrir o envelope. Ela me autorizou a fazê-lo. A carta explicava que ofereciam a ela todos os benefícios e vantagens do cartão American Express Gold Credit sem ter de pagar anuidade. Bastava apenas ter mais de 18 anos. Ficou, a senhora, agradecida, mas bastante surpresa também. Como poderiam ter mandado uma correspondência dirigida a ela para aquele endereço, em outro país?
Perguntei se em algum lugar, em alguma ocasião, durante a sua estada no Brasil, ela tinha preenchido algum documento, alguma aplicação, qualquer coisa que juntasse o nome dela com o endereço de minha casa. Ela me disse que não, que nem pensaria em fazer uma coisa dessas. Acredito nela. Uma coisa, porém, a intrigou também. A forma com que o nome dela estava escrito na carta era uma forma que ela usava apenas em documentos oficiais. Como, por exemplo, no passaporte. Perguntei se ela o tinha escrito dessa forma nos papéis solicitados pela Polícia Federal, que todo estrangeiro tem de preencher na hora de entrar no país. Me disse que não lembrava, que não poderia ter certeza.
ARQUIVO X
Decidi, então, expressar a minha perplexidade para a American Express. No fim das contas eram eles que tinham decido mandar a carta misteriosa. A moça do número zero-oitocentos tentou ser gentil e paciente ao responder às perguntas. Me disse que os nomes das pessoas para quem são mandadas as propostas são obtidos em bancos de dados. Quando perguntada como chegavam a esses bancos, ela disse que era confidencial. Começou a perder a gentileza quando soube que minha sogra nunca teve cartão American Express, em qualquer lugar do mundo, e disse que achava estranho que mandassem uma oferta dessas para minha casa. Quando foi solicitado que o supervisor dela ajudasse a esclarecer minhas dúvidas, ela disse que os supervisores estavam muito ocupados para responder naquele momento. Me pareceu que ela estava começando a perder a paciência. Quando questionada sobre... Desligou na cara.
Como uma informação dessas aparece no banco de dados de uma companhia? O que mais está arquivado sobre a minha sogra, isso ela gostaria de saber também, em algum canto da memória de um computador protegido pelo sigilo comercial? Está aí, meus caros, um mistério típico dos tempos modernos, que nem George Orwell, quando imaginou o Big Brother (o do livro 1984, não o programa de televisão), poderia sonhar.
*J. R. Duran, 55, é fotógrafo e escritor. Seu e-mail é studio@jrduran.com.br