Morito Ebine, o mestre da madeira

por Douglas Vieira
Trip #286

Sem se apressar jamais, o designer de móveis tornou-se uma referência importante no Brasil ao criar peças que traduzem a milenar sensibilidade japonesa

Em um ambiente amplo, madeiras descansam durante a secagem, extremamente organizadas; em outro, estão o maquinário e as ferramentas, igualmente em ordem. Por toda a parte, estão pendurados os gabaritos dos móveis criados por Morito Ebine, e quase não há aquelas camadas de poeira típicas de marcenarias. Quando as máquinas estão desligadas, não há barulho que não seja o do trabalho na oficina encravada nas montanhas em Santo Antônio do Pinhal, no interior de São Paulo. Em outro cômodo, o visitante encontra à venda criações de desenho harmonioso, sem excessos e de um acabamento impecável. A marcenaria que fez do japonês de 52 anos, radicado no Brasil desde 1995, uma referência no design de móveis brasileiro.

Quando chegou ao Brasil, o designer trouxe consigo o conhecimento da milenar marcenaria japonesa, tão tradicional que lá se tornou uma faculdade. “Fiz três anos de marcenaria no Japão, não completei os quatro”, diz, contando que, durante o curso, começou a trabalhar. Desse período, traz o mantra de um de seus mestres, Tadashi Inamoto: “A árvore leva 100 anos para crescer. Você tem que fazer um móvel que dure pelo menos  esses 100 anos”. Para isso, parte da madeira maciça e segue a cultura nipônica de não utilizar um parafuso sequer. “A gente não usa pregos ou parafusos porque a madeira acaba perdendo para o ferro. Madeira com madeira dura bem mais do que usar a madeira com alguma coisa bem mais dura do que ela.”

Ao se mudar para o Brasil, seu objetivo era se estabelecer e trabalhar apenas. O design estava distante. “Casei com uma brasileira no Japão e moramos três anos lá, mas ela quis voltar. Quando cheguei, fiquei dois ou três anos no sítio do meu sogro, em Mogi das Cruzes [região metropolitana de SP], no interior. Lá, ajudava com algumas coisas, plantava tomate, cogumelo”, lembra. O ressurgimento da marcenaria se deu sem planos, na época em que ele começou a criar móveis para si mesmo. “Eu estava precisando de algumas coisas em casa, tipo mesa, cadeira, e comecei a fazer, ainda com poucas ferramentas. O pessoal da madeireira onde eu comprava material me perguntou sobre os móveis que eu estava fazendo e contei que era marceneiro no Japão. E eles me pediram para fazer algo, uma mesa, acho”, diz. “Mas não era esse tipo de móvel que faço hoje, eram só pedidos.”

Faísca

Isso começou a mudar quando Morito teve uma inspiração e começou a usar suas horas vagas para dar vazão ao lado designer, e não apenas ao marceneiro. Nesse momento, entre 2000 e 2001, passou a criar as primeiras peças de sua respeitada coleção atual. “Foi algo que aconteceu. Todo mundo tem vontade de fazer alguma coisa própria, não é? Quando sobrava tempo, fazia meus próprios móveis. Mas a maioria dos ajudantes que trabalhava comigo achava feios”, brinca. “Só que de vez em quando aparecia algum conhecido e via o que tinha feito, falava que tinha gostado e pedia uma igual. Aí comecei a fazer pouco a pouco.”

Desde então, 20 anos se passaram; os primeiros, com uma oficina em Taubaté e os últimos 16 em Santo Antônio do Pinhal, onde conseguiu unir o ofício de marceneiro a outro que lhe agrada, o de professor. “Um dia, não vou poder ensinar mais. Aí essas pessoas que estou ensinando vão poder ensinar outras”, diz Morito. “Gosto de dar aula, você compartilha informação quando troca com outra pessoa.”

Entre seus alunos, estão pessoas sem nenhuma experiência, profissionais em busca de aprimoramento e mesmo designers-marceneiros também reconhecidos, como é o caso de Fernando Mendes de Almeida. Ele foi um dos principais colaboradores de Sergio Rodrigues (1927-2014) – criador da icônica poltrona Mole – e é hoje um assíduo frequentador de Santo Antônio do Pinhal, mesmo morando no Rio de Janeiro. Ao explicar sua relação com o japonês, do qual também é amigo, ele acaba por definir muito bem o lado professor de Morito. “Ele não tem ambição financeira, embora queira, claro, ganhar dinheiro para ter tranquilidade. A ambição dele é ensinar. Ele acha que transmitir o conhecimento é uma coisa muito importante. É um baita mestre, mas não se coloca como um”, diz, destacando que há lições dele que não são técnicas. “O que trago de ensinamento do Morito é o profundo respeito que ele tem pelo ofício.”

Seja em qual atividade for, o marceneiro japonês fará tudo de um jeito simples, sério e tranquilo. Quem conversa com ele se desacelera espontaneamente, para acompanhar sua fala pausada e sempre em tom baixo. Após tantos anos no Brasil, é seguro no português, mas, vez ou outra, Morito faz uma pausa na frase para buscar as palavras mais precisas. Com as madeiras ou com as palavras, não há pressa alguma no jeito como Morito Ebine se expressa. Tudo a seu tempo.

Créditos

Imagem principal: Victor Affaro

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