Minha casa, minha vida

A gente mora no espaço, mas vive no tempo. Por isso dá para mudar de casa, de cidade e de país e continuar feliz

Caro Paulo,

 

Você já foi em alguma casa em que o sofá é coberto com um plástico que só é tirado no dia em que vem visita? Ou casa em que os donos cortam todas as árvores e ladrilham o piso para não ter que varrer o chão todo dia? Essas imagens ilustram uma das mais dramáticas lutas que a gente cultiva em nossos corações e mentes: o conflito entre espaço e tempo.

O espaço é o nosso corpo, nossa casa, nosso carro que a gente quer impedir que se deteriorem com o uso e com o tempo. Justo! Lembro do meu pai que mandava pintar a casa todo final de ano para causar boa impressão aos parentes de Minas que viriam nos visitar em São Paulo nas férias de verão. Era o meu pai impedindo que a ação do tempo fosse percebida e sua casa se apresentasse como nova, isto é, linda.

A verdade é que não temos intimidade com o tempo e por isso não conseguimos perceber a sua beleza, não admiramos as marcas que ele deixa nos espaços que habitamos e, pior, não nos dedicamos a conviver bem com os grandes desafios que ele nos apresenta, por exemplo, a morte, da qual a deterioração é apenas um trailer.

A falta de intimidade com o tempo e o medo de seus efeitos nos levam a negar a sua ação e, portanto, não aprendemos, não fazemos ciência suficiente a seu respeito para usá-lo a nosso favor, entender o que é viver e gerenciar bem a vida. Não é fácil cultivar essa intimidade.

Por exemplo, quando projetávamos nossa casa com o Isay Weinfeld, pedi um estudo de como o sol entraria em cada cômodo durante todo o dia nas quatro estações do ano. Quem frequenta a nossa casa sente que ela tem vida. Beleza!

No entanto, apesar desse cuidado e de ser superligado no tema “tempo”, tive a maior surpresa quando começamos a morar na casa nova. Achei que, como era nova, tudo ia funcionar direitinho. #sqn! Começaram a aparecer rachaduras, problemas hidráulicos, achei que a casa estava mal construída. Nada disso!

 

Vida pulsante

A casa nova leva um tempo para se ajustar depois que fica pronta. Como qualquer ser vivo que, quando nasce, tem um período de ajustes. Eu estava errado, minha expectativa foi frustrada – a casa é um ser vivo! –, tinha muito a aprender sobre a ação do tempo no nosso estilo de vida.

Nossa cultura é muito espacial, valorizamos tudo o que dá para pegar, guardar, armazenar, amontoar. O tempo não nos dá esse poder e nos coloca no nosso devido lugar, que pode ser bem legal, se a gente não negar a presença dele.

Negar o tempo nos afasta dos seus fluxos, seus ritmos, suas estações, suas cores, seus cheiros, seus ciclos, suas manchas, seus riscos, suas possibilidades. Ao negar o tempo (que traz a morte no pacote), negamos a vida.

Eu sei que essa é uma conclusão superclichê. Mas é necessário repeti-la enquanto não desistirmos da eternidade e abraçarmos a vida bela, cheirosa, pulsante, gostosa, fluida e animada (de alma) que deve acontecer todos os dias, e não só no dia da visita.

A gente mora no espaço, mas vive no tempo. Por isso dá para a gente mudar de casa, de cidade e de país e continuar feliz. Como disse a minha Lilipedia (mulher que eu amo e que sabe tudo), quando subi para o escritório para escrever a coluna: “Não se esqueça de que ‘Home is where your heart is’”. E o coração bate no tempo, certo?

 

Abraço do amigo,

Ricardo

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