Sobre ser homenageado pelo Trip Transformadores

por Luiz Alberto Mendes

”Não sou melhor e nem mais inteligente que os 206 mil homens atualmente aprisionados do Estado, qualquer um deles poderia ter chegado também”

Foi por e-mail que me chegou a notícia. Eu havia sido um dos escolhidos, por um grupo de empresários e convidados, para ser homenageado com o Prêmio Trip Transformadores do ano. Sequer imaginava que pudesse estar sendo indicado para ser um dos premiados. Nem cogitava. Por que me premiavam? E a resposta foi, no mínimo, interessante. Seria premiado pela minha história de vida, resiliência, luta e conquista de respeito. Pelo meu trabalho de educação, cultura e empoderamento do homem aprisionado. Algo assim.

Não sou muito chegado a elogios. Acho que eles são sempre imerecidos, particularmente quando tange a mim. Mas aí um amigo, conversando, convenceu-me que havia alguma coerência naquela premiação. Falou em quantas pessoas haviam encontrado alguma motivação e força para lutar lendo meus livros. Reclamei: mas eu não faço auto-ajuda! O amigo citou alguns casos que viu e outros que comentei, nos anos de nossa amizade. Falou do trabalho que desenvolvi com os meninos em algumas unidades da Fundação Casa; com o adulto preso nas penitenciárias dentro e fora do Estado; o guia "Dicas" que idealizei; a minha luta pela cultura e pelo livro nas prisões; meu trabalho como professor por anos dentro das prisões...

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Não me convenceu muito. Vejo essas atividades como obrigação de quem já esteve preso para com quem ainda esta aprisionado. Não é nem solidariedade. É mesmo consequência de haver estado na mesma condição. Afinal, o que restará de nós mesmos em nós mesmos se em tudo o que fizermos cobrarmos compensações? A satisfação em haver feito já me basta. Então deu para aceitar a premiação sem grandes problemas de consciência.

Fui lá, no Auditório de Parque Ibirapuera, receber a premiação. Na platéia, muita gente famosa e importante. Empresários, artistas globais e pessoas de importância social. Quando chamado ao palco, deram-me um microfone e tudo em mim gelou. De repente, não havia o que dizer, a palavra sumiu de dentro de minha boca. Mas tinha que agradecer, pelo menos. Iniciei falando que há alguns anos atrás eu mais parecia um rato, pelado, encolhido à beira de uma privada na cela-forte da penitenciária. E, de repente, ali estava eu sendo premiado e reconhecido, anos depois, de cara com a sociedade. O que fiz para merecer? Lembrei-me das vezes em que me contive, que me segurei, que aguentei mais um pouco e que me ralei por dentro de raiva, mas não deixei transformar minha frustração em ódio.

O que mais poderia dizer? Principalmente porque, como eu cheguei até ali e não sou melhor e nem mais inteligente que os 206 mil homens atualmente aprisionados do Estado, qualquer um deles poderia ter chegado também. Conheci, na prisão, pessoas altamente capacitadas e que poderiam estar colaborando para o progresso, a riqueza e a arte do país. Um homem aprisionado é apenas um ser humano que errou. Pouco ou muito, não importa. São os erros que cometemos no passado que constituem a base do conhecimento e da sabedoria que possamos ter no presente ou no futuro. Bertold Brecht diria a alguém que o importunava querendo uma atenção a mais: "Tenho muito o que fazer. Preparo meu próximo erro."

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Tendo já em mãos o troféu Trip Transformadores, voltei a sentar tranquilo. Jamais me sai bem em público. Sempre fica faltando algo fundamental para falar ou digo algo absurdo que não devia ter dito. Uma sensação de algo faltando sem ter a mínima idéia do que seja. Mesmo que não tenha brilhado, havia dito o que devia dizer, recebi meu troféu e... cumprido minha missão para aquele dia.

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