Mendes: 'Eu aprendi a amar na cadeia'

por Luiz Alberto Mendes

O que dá sentido à nossa vida é a relação com o outro. E na prisão vivemos rodeados dos outros

Amor não é algo a ser conquistado ou desenvolvido. Nós temos capacidade de amar e amamos, simples assim. Onde estivermos, com quem estivermos e em qualquer situação que estivermos, somos capazes amar. É uma capacidade nossa, algo que nascemos com. Uma das atribuições da condição humana. Amei várias mulheres durante o tempo em que estive preso. Porque estava preso, então, devia cortar minha capacidade de amar? Se vocês querem saber, eu aprendi a amar na cadeia. Quando solto eu era um bichinho terrível, confuso demais para sequer pensar nisso de amor.

Amei meus poucos amigos enquanto preso; devo a eles minha sanidade, o conhecimento, o desenvolvimento, a compreensão, o ouvido para o desabafo. Vocês querem saber, devo até o afeto, a profunda amizade e o enorme bem querer. Tenho um amigo, morto pela polícia, que hoje tenho contatos e afetos com a esposa, filhas e os netos dele. Vi muitos casais dentro da prisão, homens que amavam homens desesperadamente. Era uma loucura: entravam em choque, brigavam, era muita intensidade de sentimentos, às vezes tínhamos até que separar para que não fossem mandados para a cela-forte. Mas quando estava tudo bem, a gente via o amor com que se olhavam, o carinho, a rapidez com que se identificavam. O preconceito era enorme dentro da prisão, maior até que aqui fora, e juntos eles enfrentavam tudo e todos. Vi até chegarem ao extremo de matarem a facadas quem os oprimiam só pelo fato de se amarem. Há pessoas que querem determinar como e com quem os outros devem amar ou estar. Parece absurdo, mas é o que mais acontece.

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Nós podemos amar muitos e até todos de repente. Conheci pessoas que amavam aos montões, tinham afetos com quase todos que se aproximassem, seres grandiosos e presos. Sim, presos. Não há cavalo, cães ou leões na prisão e sim seres humanos, habilitados para tudo que qualquer ser humano seja capaz. Pessoas bem humoradas, erraram e estavam presas, mas sempre traziam um sorriso no rosto, não sabíamos como eles conseguiam. Nós, aquelas estrelas apagadas, estávamos sempre neuróticos, emburrados e tristes. Eu só fui entender o que sucedia com eles, e tentar fazer minha vida como a deles, depois que amadureci um pouco. O que dá sentido à nossa vida é a relação com o outro. E na prisão vivemos rodeados dos outros. Quando tentei ajudar, compreender, virei professor, fui dar aulas, então também eu, mesmo preso, fui capaz de ser feliz porque era útil e amava pessoas.

Num momento de oração ou de profundo entusiasmo, somos capazes de amar tudo e todos em um sentimento só. De repente todas as barreiras são transpostas e nosso amor explode em cada ser  humano ou animal, animado ou inanimado. Somos nós chegando ao nosso mais profundo sentido de existir: amar indiscriminadamente. É como fechar os olhos, pensar o universo e ainda vê-lo com suas estrela brilhando no céu escuro. Sentir as pessoas, as plantas, os animais, a vida e ficar feliz até ir as lágrimas por conta disso.

Às vezes me sinto culpado por não haver realizado meus desejos, ao ponto de nem ser capaz de desejar mais. Dá um cansaço de ser eu mesmo que até eu tenho dó. Então aquele que eu sou reage e eu me penso como um largo vento a envolver a tudo e a todos com seu frescor. Não se aprende a amar, assim como não se aprende a morrer. Amar é uma capacidade que temos naturalmente, não o fruto de um adestramento. De um momento para o outro o amor ou a morte aflorarão do âmago de nosso ser e seremos felizes ou seremos fulminados.

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