Arthur Veríssimo vive um dia de celebridade no movimentado calçadão de Osasco
Destacamos o pessoal do nosso DVA (Departamento Verificador de Anonimato) para levantar a tenda num calçadão de Osasco com uma faixa sem maiores explicações: “Tire uma foto com o grande Arthur Veríssimo”. Quantos transeuntes reconheceriam o mito do jornalismo excepcional? Quantos iriam na onda? Alguém haveria de ignorá-lo? Confira o resultado da nossa experiência nas memórias da própria cobaia
Uma dupla de adolescentes quer porque quer tirar uma fotinho. Ana Paula e Michele espumam alegria. Curtiam o programa Manhã Maior na RedeTV e se lançaram nos meus braços para o clique. O tempo escoava e continuava empoleirado na tenda indiana, onde eu recebia visitas agradáveis ou nem tanto. Eliana com seu bebê quis tirar uma foto a todo custo. Colocou o bebê no meu colo e, enquanto o momento era registrado, senti o peso da fralda recheada. Um sujeito com a juba tingida de loiro chega junto, diz que me viu no Fantástico – onde nunca apareci – e que mesmo não sabendo meu nome gostou da iniciativa.
Anonimato, segundo o Aurélio, é o “estado daquilo que é anônimo”; “guardar o anonimato, não se revelar o autor de um fato, de um escrito”. Evidentemente, no meu caso, naquela tarde no calçadão da rua Antônio Agu, em Osasco, eu estava numa situação oposta, exposto como um octópode em um aquário no coração de um dos centros comerciais mais movimentados da Grande São Paulo. Meu nome estava escancarado em uma faixa na nossa tenda-parangolé, convidando as pessoas a chegar junto para uma foto: “Tire uma foto com o grande Arthur Veríssimo!”. E lá estava este escriba provocando a curiosidade da multidão, sendo julgado, acariciado e bombardeado por palavras, afagos e perdigotos. No calçadão de lojas, produtos e serviços, o corpo estranho era nossa tenda de tecidos, estátuas e almofadas made in India. No meio disso, eu era apenas uma picanha maturada, uma chuleta nesse açougue da curiosidade.
Para convocar o pessoal, peguei meu berrante em forma de concha e toquei um som dualém. A multidão anônima cercou a tenda. O primeiro que tomou coragem e se aproximou para sair na foto foi o baiano Raul, que já tinha ouvido falar vagamente sobre minha pessoa –“acho que te vi na IstoÉ, com o Serguei...”. Três jovens se jogam nas almofadas. O mais falante diz que reconheceu minha voz. Um casal não se faz de rogado e, borbulhando alto-astral, me cumprimenta. Débora e Juvenal são sócios da Casa do Cabelo, um salão das cercanias. Juvenal lembra das minhas reportagens para a TV, e comenta passagens deste repórter por China, México, Filipinas, Cuba e, claro, Índia.
“Ele é ator? É indiano? De repente ele tem muito ouro, né? Inxalá!”
“Mas ele não morreu?”
- Ana Paula Macedo
“Pensei que fosse alguém passando trote.”
- Armando Nunes Gomes
“Eu já tinha visto ele no Manhã maior.
Ele faz bastante documentário, né?”
“Não conheço ele, não. Só tirei foto porque ele pediu!”
- Beatriz Rodrigues
“Conheço ele de algum lugar, mas o nome do
programa eu não lembro...”
- Luiz Carlos Dias
“É escritor?”
curiosa não-identificada
“Só quis tirar foto porque achei o cenário legal”
“Vixe, tirar foto com homem feio? Quero não!”
- moça bonita não identificada
Percebo mais sorrisos amistosos no entorno. Luiz Carlos é mais um que me conhece da TV, dessa vez do SBT. “Achei bacana conhecê-lo pessoalmente, ainda mais que eu sou do interior e, pra quem é do interior, tudo é novidade!”
Esgotado de tanto zum-zum, fecho os olhos e entro em estado meditativo. Transcendi intolerâncias, rejeições, desconfianças e estranhamentos. Estava sossegado e relax. Renovado, abri os olhos apenas quando algumas gotas de chuva finalizaram nossa empreitada. Na minha humilde conclusão, deduzi que o anônimo é o típico sujeito que atua para si próprio, pois não se comunica e não troca – e quem não se comunica se trumbica. O anonimato é uma forma de ser apenas mais um, como se nunca fizesse muita diferença se posicionar, opinar individualmente. Uma situação bem diferente da que vivi no calçadão de Osasco.
*Reportagem de Olívia Nachle