Escreva uma carta para seu filho ler daqui a 20 anos

por Redação
Trip #230

E descreva como você espera que esteja o país

Mathieu Le Roux

37 anos, é CEO na América Latina da plataforma de músicas on line Deezer. Francês, vive em São Paulo

Queridas meninas (agora vocês são “meninas” só para seu pai, né?),

Estou escrevendo esta carta para vocês lerem nos seus aniversários de 24 e 22 anos, com muita esperança em relação ao futuro do país onde vocês cresceram, nosso querido Brasil. Também escrevi uma carta em francês para falar da França, onde vocês nasceram, mas isso é outro assunto ;-)

Brasil de 2034 com certeza continuará loucamente apaixonado por futebol, música e qualquer tipo de debate relativo a esses assuntos entre bons amigos na praia – com cervejinha gelada na mão. Mas espero que daqui para lá outras coisas mudem. Desejo um país onde a pobreza e a violência ligada a ela sejam coisas do passado. Desejo que até o medo da violência recue, com grades de prédios e excesso de segurança deixando de fazer sentido. Espero um Brasil com mais vida na rua e menos centros comerciais assépticos. Espero um Brasil onde a revolução tecnológica traga o melhor da educação e da saúde para todos que precisam e merecem. Espero um país superconectado com o mundo. Espero um país onde o termo “importado” não seja sinônimo de “melhor qualidade”, onde a produção local tenha se reinventado para trazer inovação e autenticidade. Espero um país que continue a soar como um sonho para o resto do mundo pela qualidade de vida, pela beleza do povo e pela riqueza da cultura. Espero um país unido e orgulhoso dos desafios que conseguiu vencer em 20 anos e cheio de ambição para os próximos 20.

Beijos,

pai

Marcelo Loureiro

47 anos, é empresário. Mora em Los Angeles há 5 anos

Yuri,

 Quando você ler esta carta você já vai estar com 26 anos. Não sei onde você vai estar morando, pois essa decisão será sua. Quando saímos do país, você tinha 9 meses de vida e, conforme os anos foram passando, ficou mais difícil eu pensar que você teria uma vida melhor no Brasil do que na Califórnia. Sentimos muita falta da família e dos amigos. Seria ótimo se você tivesse crescido vivendo no mesmo país dos seus primos e filhos dos meus grandes amigos, indo ao Morumbi ver os jogos do Tricolor, para a praia ou para a fazenda. Sim, se estivéssemos no Brasil a nossa situação econômica nos permitiria viver uma vida bem acima da média, mas eu também estaria expondo você a uma outra série de questões que, na balança, acabaram pesando mais na minha responsabilidade de pai.

Esta foi a minha escolha: enquanto eu não sentisse perspectiva de melhora, principalmente na questão da segurança, iria continuar morando fora. A vida é feita de escolhas de caminhos, como esse que escolhi para você. Espero ter feito a coisa certa no momento certo. Agora, 20 anos depois, a decisão é somente sua.

Grande beijo,

 

teu pai

Iggor Cavalera e Laima Leyton

Iggor, 43 anos, é ex-baterista e fundador do Sepultura. Laima, 36 anos, é artista. O casal forma o duo de música eletrônica Mixhell e mudou-se com os cinco filhos para Londres no ano passado 

Filhos (nossos cinco melhores amigos neste mundo, a esta altura),

Esperamos que vocês já tenham vivenciado o mundo a ponto de escolherem o melhor lugar para ficar. Tem que ser o lugar onde seus corações estão, onde você estejam seguros e capazes de sobreviver de algo que te deixem muito felizes. Esperamos que o Brasil, aquele lugar tão especial onde nascemos, ainda seja repleto de paisagens. Esperamos que uma revolução artística tenha mudado como as pessoas entendem o espaço público e que a corrupção tenha diminuído. E esperamos também que a educação seja mais importante do que o futebol.

Com amor,

 

seus pais

Francisco Bosco

38 anos, é poeta, letrista, filósofo, escritor e colunista do jornal O Globo. Nasceu e mora no Rio de Janeiro

Meus filhos amados,

 

A esta altura vocês ja terão lido a Carta do Descobrimento, de Pero Vaz Caminha, o documento histórico que marca o surgimento do Brasil, o relato que o escrivão enviou para o rei português comunicando-lhe a chegada a nossa terra (então terra indígena), descrevendo sua paisagem exuberante e seus habitantes, que não tinham vergonha de suas vergonhas de fora. Pois bem, reparem em como a carta termina. Depois de apresentar ao rei o novo mundo, Caminha pede a sua majestade que faça um favor a seu genro. Esse detalhe, protótipo do nosso famoso jeitinho, encerra nossas virtudes e misérias.

Mistura de portugueses aventureiros, índios e, em seguida, negros escravos, todos submetidos aos interesses exploratórios do capitalismo nascente, no Brasil desde o início o concreto venceu o abstrato. Padres tinham filhos bastardos. Brancos, negros e índios se miscigenaram. As grandes ideologias europeias foram enfraquecidas aqui pela pulsão vital da realidade. Nunca tivemos terrorismo, conflitos étnicos e mesmo o racismo, trágico e terrível como em qualquer lugar, foi desmoralizado por dentro pela miscigenação. Nossa vocação para a realidade, para o corpo, para o prazer, para a diferença é a nossa maior virtude – mas faz parte do mesmo nó que encerra nosso maior fracasso.

falta de espessura moral, a incapacidade de regular as relações sociais por princípios abstratos e universais, a mentalidade exploratória, tudo isso nos formou como uma sociedade profundamente injusta, incapaz de agir no sentido do bem comum, pois nunca houve o comum.

desigualdade, meus filhos, é o mal maior do Brasil, que deteriora a vida social. O Brasil que desejo a vocês tem muitos negros no legislativo, gays passeando de mãos dadas pela avenida Paulista, serviços públicos de qualidade, polícia desmilitarizada e ecossistemas preservados. Espero que, no momento em que vocês leem esta carta, esse desejo encontre eco no desejo de vocês – e na realidade.

 

Com amor, do seu pai

Carlos Burle

46 anos, é surfista de ondas grandes. recifense, mora entre o Rio e o Havaí

Queridos filhos,

 

Espero que vocês encontrem um Brasil digno de se orgulhar, onde os nossos líderes governem para o povo, pensando em um país para todos, com foco em saúde e educação. Que a gente continue sendo esse país que gosta de festas, futebol, esporte, cultuar o corpo e a saúde. Mas que esses valores jamais estejam acima da dignidade das coisas mais simples e importantes da vida, que são 
o respeito, o amor e a compaixão pelo próximo e tudo 
o que existe nesse mundo. Espero que o nosso país seja um exemplo de sustentabilidade. Que as causas que 
o nosso povo apoie sejam baseadas em uma sociedade justa e compatível com um mundo globalizado. Onde todos nos entendemos e vivemos em harmonia uns com os outros. E, claro, aproveitando esse momento que seu país está vivendo agora, por favor, sejam responsáveis, principalmente quando o assunto for eleger os vossos líderes. Sejam rigorosos quanto a um histórico adequado dos candidatos. O seu voto é muito importante!

 

Amo muito vocês,

Carlos Burle

fechar