O organismo da indústria

Michael Moss investiga como a indústria alimentícia nos faz gostar e querer cada vez mais dos seus produtos

No livro Sal, açúcar, gordura (Ed. Instrínseca), publicado nos Estados Unidos em 2013 e que agora ganha versão em português, o jornalista americano Michael Moss investiga como a indústria alimentícia usa essas três substâncias, e também o marketing - todos em grandes quantidades -, para controlar o paladar do público, sem nenhuma preocupação com saúde. Moss falou à Trip por e-mail.

O que te surpreendeu durante a pesquisa para o livro? Primeiro, a ciência extraordinária que a indústria alimentícia usa para nos fazer gostar dos seus produtos e querer cada vez mais — isso inclui biologia, química e marketing. Segundo, como essas empresas acabaram se tornando ainda mais viciadas em sal, açúcar e gordura do que nós. E me surpreendeu descobrir que muitos cientistas e executivos evitam seus próprios produtos. Eles não caem nessa. Mas é uma questão de classe social também: as pessoas importantes da indústria de alimentos ganham o bastante para que possam comer alimentos mais saudáveis.

As populações pobres geralmente têm mais acesso a comidas processadas do que saudáveis. O que pode ser feito? Os produtos agrícolas precisam custar menos, e isso só é possível alterando o sistema que incentiva agricultores a plantarem milho e soja. Depois, a educação escolar precisa animar as crianças a comerem esses produtos. É muito mais fácil desenvolver bons hábitos do que consertar os ruins. E os 10% dos supermercados que vendem hortifrúti precisam de marketing: apoio de celebridades, comerciais divertidos, marcas de força. Uma grande vantagem do Brasil é que a produção agrícola já é abundante e as pessoas ainda sabem cozinhar. Algum desincentivo financeiro para a compra de junk food, como um imposto sobre refrigerantes, também pode ajudar.

Há algo mais que os governos possam fazer? Fora um imposto sobre refrigerante, estou mais interessado em achar formas de incentivar as empresas alimentícias a fazerem comida melhor.

O quanto das mudanças na indústria é apenas uma versão de greenwashing para a saúde? No começo do ano passado, várias das maiores empresas de comida processada tiveram queda nos lucros. Elas estão descobrindo que também ficaram dependentes em grandes quantidades de sal, açúcar e gordura e estão tendo problemas para responder a essa preocupação crescente das pessoas. Mas, sim, há muito healthwashing, produtos que tiveram algum ingrediente ruim reduzido, ou um ingrediente bom adicionado, mas não de uma forma realmente significativa.

Você acha que a comida industrializada é viciante? Eu ainda estou me debatendo com a questão. Certamente pode ser um hábito muito ruim e levar a um comportamento compulsivo, como comer demais, da mesma forma que fumar e álcool ou até algumas drogas fazem. Mas eu não tenho certeza ainda se usar a palavra "viciante" tem alguma utilidade em corrigir o problema alimentar. Vai fazer com que as pessoas façam escolhas melhores? Ou vai causar regulamentação, como foi com o tabaco? Estou pensando nesses questões para o meu próximo livro.

Seus hábitos alimentares mudaram? É engraçado, ao escrever o livro eu me pegava desejando coisas como batata chips, sabendo perfeitamente como elas são pensadas para ter este efeito. Agora estou mais consciente, presto atenção no que, e quando, como. Também estou aprendendo a cozinhar. É tão fácil e mais barato fazer seu próprio molho de macarrão, por exemplo, e você não precisa usar mais do que uma pitada de sal ou açúcar. Quanto mais cozinho, mais consciente fico, e com dois filhos, é sempre divertido – nem sempre! – tentar envolvê-los na cozinha também. 

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