Desde o momento em que Eduardo Cunha se tornou presidente da Câmara dos Deputados, agendas de controle da internet passaram a ter reais chances de serem aprovadas
Soa inacreditável, mas é pura realidade. No início de abril foi publicado o relatório final da CPI dos Crimes Cibernéticos. Com a desculpa de combater crimes na internet, os integrantes da comissão de relatoria propuseram oito projetos de lei com um objetivo cristalino: estabelecer um sistema de censura e controle da internet.
Os oito projetos propuseram o impensável. Um deles elimina a privacidade na internet. Qualquer delegado, membro do Ministério Público e outras “autoridades” passa a ter o direito de descobrir qual é o número do IP (endereço de internet) de um usuário e de revelar a identidade dele, sem a necessidade de ordem judicial prévia. Em outras palavras, o projeto acaba com a presunção de inocência, tratando todos os usuários da rede como se fossem culpados passíveis de investigação. Além disso, transforma autoridades policiais em “juízes”. O delegado irá decidir, ele mesmo, quem é “suspeito”, que pode ter sua identidade revelada na rede. Em suma, de uma vez só o projeto acaba com os elementos que são a pedra fundamental do Estado Democrático de Direito.
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Outro projeto propõe criar censura pura e simples. Autoriza que qualquer juiz, mesmo que de primeira instância (existem milhares deles), possa decidir “no curso do processo” bloquear sites e aplicativos de sua escolha, tidos como “ilegais”. O bloqueio é feito direto na conexão do internauta, tal como aconteceu com o WhatsApp, quando 200 milhões de brasileiros acordaram um dia e o app simplesmente não funcionava, porque foi bloqueado direto na raiz da rede.
Internet livre
A vontade dos deputados é que esse tipo de bloqueio se transforme em atividade cotidiana no Brasil, tal como acontece em países como Arábia Saudita, Coreia do Norte, Rússia, Irã ou Turquia. A internet brasileira se tornaria um enorme queijo suíço, cheio de buracos. Ficaria à mercê de qualquer juiz, que passaria a ter o poder extraordinário de decidir o que pode ser acessado por 200 milhões de pessoas. Esse poder não deveria jamais existir. O que garante a democracia da internet é justamente o fato de ela não estar sujeita a nenhuma autoridade com poderes sobre o que pode ou não ser acessado.
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Muita gente quando viu essas propostas disse: “Esses congressistas não entendem nada de internet, não sabem o que estão fazendo”. Tenho uma visão oposta a essa. Acredito que os congressistas sabem exatamente o que estão fazendo (e estão trabalhando com pessoas que têm interesse em aprovar a censura e o controle da rede no Brasil). O sistema de controle que está sendo proposto pela CPI é resultado de uma compreensão mal-intencionada de como a rede funciona.
Esse tipo de agenda por muito tempo foi inadmissível no Brasil. Desde 1995, com a edição da famosa Norma 004 da internet à época do ministro Sérgio Motta, que o Brasil deixou claro que defenderia uma internet livre e aberta. Esse entendimento vigorou por 16 anos. Propostas de controle (com a infame Lei Azeredo), encontraram grande resistência e não avançaram. No entanto, desde o momento em que Eduardo Cunha se tornou presidente da Câmara dos Deputados, agendas como essa passaram não só a avançar, como a ter reais chances de serem aprovadas.
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Se isso acontecer, jogará por terra toda a reputação que o Brasil construiu no plano internacional como defensor da internet livre (uma das poucas coisas positivas pelas quais o país ainda é reconhecido no exterior). E incapacitará uma das principais ferramentas para o desenvolvimento do país. Que tal pensar na internet não como uma ameaça, mas sim como fonte de desenvolvimento, inovação, geração de empregos e, por que não dizer, como uma ferramenta para a promoção da transparência e o combate à corrupção?
Créditos
Imagem principal: Talita Hoffmann