”Eu e meu pai vivemos aquilo que sabíamos viver e creio que aprendemos juntos com os erros que cometemos um com o outro”
O dia dos pais está aí e, depois de escutar uma palestra, fiquei pensando sobre pai. Nada nos obriga a amar nossos pais, como em relação a tudo, amar é uma espontaneidade e jamais uma obrigação. Moisés em sua tábua, nos aconselha a honrar pai e mãe. Há quem interprete "honrar" como "amar". Para começar, para mim não há mandamentos mas, sim, aconselhamentos. Não matarei, não roubarei, não prejudicarei porque pessoas sofrerão e não posso me permitir a ser causa de dor para ninguém. A dor do arrependimento é mais ou menos terrível e temível na medida exata da nossa consciência do outro. Já sofri e sofro muito e sei o quanto é dolorido. Esse, para mim, é o motivo justo de não cometer esses e outros erros com o outro. Pelo menos não conscientemente. Depois, temos livre arbítrio, e as consequências de nossas ações estão implícitas em nossos próprios atos.
Há um ditado Iorubá que diz: "Os filhos caminham sobre a honra dos pais". Honrar para mim é não envergonhar. E, no caso, a recíproca é verdadeira: tanto o pai quanto o filho não devem deslustrar ou envergonhar um ao outro. Mas somos humanos, sujeitos a erros. Logo as nossas relações sofrem com nossa condição humana. E na relação pai/filho não poderia ser diferente. Meu pai me envergonhou muitas vezes e eu o envergonhei mais vezes ainda. Ele chegava quase todos os dias cambaleando e caindo de tão bêbado, fora os "espetáculos" que dava alcoolizado. Eu apareci nos jornais como bandido perigoso que furava cercos policiais a bala. Mas, no entanto, não sinto que o desonrei e nem me sinto por ele desonrado. Apenas vivemos aquilo que sabíamos viver e creio que aprendemos juntos com os erros que cometemos um com o outro.
Tenho uma pessoa que me é muito próxima, cujo pai, depois de uma separação litigiosa, foi impedido de vê-la pela família da ex-esposa e que desistiu, assim facilmente, de sua filha. Mas o pai dele o abandonou igualmente e recusou-se, inclusive, a pagar pensão para o filho, quando instado. Ele não soube o que era um pai, como poderia agir como um pai? Meu pai apanhou violentamente de sua mãe e me espancou barbaramente durante toda minha infância. Contrapondo a essa lógica, jamais relei um dedo nos meus filhos, não tenho coragem sequer de levantar a voz para eles.
O que pensar? Como escapei a essa sequência fatídica? São outros tempos. Nós, humanidade, avançamos alguns passos, talvez? Creio que sim. Na época de minha infância, a molecada da vila em que eu morava apanhávamos de nossos pais. A educação para a geração anterior, parece, entrava pela pele ferida. Hoje, se vizinhos ouvissem as surras que eu levava, provavelmente, denunciariam e meu pai seria preso por maus tratos. Percebo que no presente as pessoas tratam os filhos diferente. Há até um exagero de cuidados e mimos que pode até prejudicar na educação das crianças. Nós humanos somos assim. Como diria minha mãe, ou é 8 ou é 80. Não conseguimos o equilíbrio, é preciso que a vida nos ensine.
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Creio que se meu pai ainda estivesse vivo, no dia comercialmente consagrado aos pais, eu fosse vê-lo. Jamais pudemos dialogar depois que fui preso, há cerca de 44 anos atrás. Eu cumpri mais de 30 anos de prisão e ele nunca foi me visitar. Nos odiamos de longe, tendo minha mãe como vítima e intermediária. Meus pais morreram enquanto eu ainda estava preso. Hoje conversaríamos e provavelmente nos entenderíamos, agora velhos e experimentados pela vida. Lamentaríamos o tempo perdido com brigas inúteis e ficaríamos a comentar sobre os netos dele. Imagino que olharíamos um para o outro com os olhos úmidos, cheios de arrependimentos e ternura. Dia dos pais é dia dos filhos também.