por Ronaldo Lemos
Trip #269

Em nome do futuro, faço aqui um rogo: da próxima vez que for ligar para alguém, pense duas vezes

Pouca gente ainda pensa nisso hoje, mas o telefone já foi uma tecnologia inovadora e “disruptiva”. Quando o telefone surgiu e começou a se expandir no final do século 19, ele levou à obsolescência a maior rede de comunicações que existia na época, gerenciada pela empresa Western Union e baseada na tecnologia do telégrafo.

No entanto, pouca gente botava fé de que isso ia acontecer. O próprio presidente da Western Union à época, William Orton, proferiu uma frase que entrou para a história. Ele disse o seguinte: “Esse tal de telefone não passa de um brinquedo elétrico. Ele tem muitos defeitos para ser levado a sério como um meio de comunicação”.

Nem precisa dizer que, alguns anos depois de a frase ser proferida, o telégrafo entrou em declínio e o telefone tomou seu lugar como a mais importante rede de comunicações existente no planeta.

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Essa mesma cegueira com relação às mudanças tecnológicas já aconteceu outras vezes. Por exemplo: no final dos anos 70, o presidente da DEC (Digital Equipment Corporation), Ken Olsen, então uma das maiores fabricantes de computadores da época, também cometeu outra gafe histórica. Ele disse: “Não existe nenhuma razão para que uma pessoa tenha um computador em sua casa”. A DEC fabricava computadores “mainframes”, feitos para empresas. Duvidava que empresas como a Apple, que então estava apenas no começo, teriam futuro. A história, como sabemos, foi outra.

Mais recentemente, o então presidente da Microsoft, Steve Ballmer, soltou outra pérola. Ao tomar conhecimento do então recém-lançado telefone celular da Apple, afirmou: “Não há nenhuma chance de que o iPhone consiga qualquer participação significativa no mercado. Nenhuma chance”. Uma vez mais, os fatos provaram que ele estava errado.

Será que Orton, Olsen e Ballmer eram burros? Será que eles eram cegos ou mesmo estúpidos? Claro que não. Eles eram algumas das pessoas mais bem informadas sobre a tecnologia dos seus respectivos tempos. Tinham acesso a recursos, pessoas, informações e infraestrutura. Mesmo assim, foram incapazes de projetar o futuro próximo.

NÃO PERTURBE

Isso mostra algo que já sabemos intuitivamente. Que a evolução da tecnologia torna-se cada vez mais imprevisível. A complexidade é cada vez maior e, muitas vezes, as transformações surgem dos lugares que menos esperamos. Mais do que isso, a informação sobre o que está acontecendo é totalmente assimétrica. Como diz o escritor William Gibson: “O futuro já está entre nós, só está mal distribuído”.

Com isso, voltemos ao telefone. Hoje em dia, ainda fazemos uma homenagem ao passado ao chamar o aparelho que carregamos no bolso de “telefone celular”. Esse aparelho hoje é tudo. É câmera de fotos e vídeo, é um terminal de acesso à internet, é um player de música e de filmes, é um videogame, uma bússola e tantas coisas mais. Ele é cada vez menos telefone. Cada vez menos gente usa esse aparelho como telefone.

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Aliás, arrisco a dizer que a função mais incômoda desse aparelho é a de “telefone”. Receber uma chamada hoje está se tornando um estorvo. Quando alguém nos liga assim, de repente, ficamos surpresos e nos perguntando: “Será que aconteceu alguma coisa?”. Ou ainda: “Precisa mesmo me ligar, não é melhor mandar uma mensagem?”.

Não por acaso muitas empresas estão mudando seus mecanismos de relacionamento com os clientes para fugir do telefone. Ele é cada vez menos atendido e cada vez mais inconveniente. Assim, em nome do futuro, faço aqui um rogo: da próxima vez que for ligar para alguém, pense duas vezes. É bom começar a dizer tchau ao passado e dar um “alô” para o ocaso do telefone.

Créditos

Imagem principal: Maximilian Schönherr

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