A ciência não gosta do poder

A ciência não é amiga do poder. Sempre foi assim. E quando ela mostra que os humanos estão errados, começam os problemas

Caro Paulo,

Sentei para escrever esta coluna depois de assistir a uma deliciosa Conversa com Bial com Lucinha Araújo, Ney Matogrosso e Frejat, em homenagem aos 60 anos do Cazuza. Para não sair do clima, coloquei ele para tocar no Spotify e me concentrei para organizar o pensamento sobre o tema desta Trip: Ciência.

De repente, acordei nestes versos de “O tempo não para”:

“Tua piscina está cheia de ratos

Tuas ideias não correspondem aos fatos                                              

O tempo não para.”

É isso! Viva Cazuza!

A ciência não para, como o tempo.

Mas as ideias das pessoas param e, quando as ideias param, os ratos imperam.

Data venia aos ratos, a quem a ciência deve muito, ideias paradas no tempo favorecem o pior de nós, nos tornam menos humanos e mais ratos.

Ratos! Tudo certo com os ratos!

Ratos não têm ideias sobre o mundo. Para eles, a vida simplesmente acontece e se repete darwinianamente.

Para os humanos, não! Humanos têm ideias sobre como as coisas funcionam e sobre como deveriam ser.

E quando a ciência mostra que as ideias dos humanos estão erradas, começam os problemas; porque é difícil admitir que se está errado, principalmente quando são esses conceitos que mantêm no poder quem está no poder.

A ciência não é amiga do poder. Sempre foi assim.

Por isso cientistas sofrem e morrem quando suas revelações ameaçam a hierarquia instalada. (Em particular, quando “transformam o país inteiro num puteiro, porque assim se ganha mais dinheiro”– viva Cazuza, de novo!)

Já acreditamos que a mulher nasceu da costela do homem, que manga com leite faz mal, que a Terra é plana, que não pode nadar depois do almoço, que a Terra é o centro do Universo, que não pode lavar a cabeça depois do parto, que negro não tem alma, que homossexualidade é doença, que fumar não combina com esporte, que mulher não pensa… E, acredite, nós não somos mais inteligentes que nossos antepassados. Apenas temos mais ciência que eles, assim como nossos descendentes terão mais ciência que nós.

Mais tranquilidade no futuro? Não necessariamente.

É mais provável que o conflito entre ciência e poder seja cada vez maior.

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Risco reacionário

Nossa época se chama Sociedade do Conhecimento, e sua dinâmica, em redes, é mais horizontal do que nunca. Portanto, em tese, com mais ciência para mais gente, o mundo poderia resolver melhor seus problemas. #sqn

Quanto mais conhecimento se produz e se distribui, mais surgem movimentos conservadores que negam os avanços e as evidências científicas. Afirmam que, com mais ciência, o mundo caminha para a barbárie.

Repare que os discursos de Trump, Bolsonaro e Kim, ilustres representantes do pensamento reacionário, são baseados no medo do futuro. Seus discursos, conservadores, querem repetir o passado.

Como Cazuza alertou: “Eu vejo o futuro repetir o passado”. 

O risco existe, sim, e é bom que todos nós fiquemos espertos.

Que sejamos generosos no uso de fatos e dados para fundamentar nossas opiniões e rigorosos na busca e citação de boas fontes.

E se a ciência perder aqui ou ali, não desanimemos: “Saiba que ainda estão rolando os dados… O tempo não para!”.

Que Deus abençoe a nós e ao Cazuza (que não morreu). 

Abraço do amigo, cheio de fé na ciência, Ricardo.

Créditos

Rodrigo Lopes

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