Às vezes, penso que vivemos a decadência dos anos finais de Roma sem ter tido o apogeu da Grécia. Sem uma educação séria, laica e pluralista, não iremos a lugar algum
Na antiga Grécia, o propósito de um debate intelectual geralmente não era ganhar a discussão, mas fazer com que cada participante saísse da conversa melhor do que havia entrado. Aprender com o oponente era mais importante do que derrotá-lo. Essa prática se manteve por séculos, inclusive durante quase toda a existência do Império Romano. Os filósofos entendiam que as verdades eram provisórias e que o choque das ideias valia mais do que a imposição de umas sobre outras.
O mundo greco-romano estava longe de ser perfeito, mas tinha suas qualidades. Entre elas estava a valorização do aprendizado, da razão e da cultura. Poetas, filósofos e historiadores eram respeitados. A cidade de Roma, no seu apogeu, chegou a contar com 28 bibliotecas públicas, e um sinal de respeitabilidade para uma família era manter grandes acervos de livros em casa, além de hospedar sessões de leitura de poemas e debates filosóficos. Tudo isso começou a mudar em meados do século 5 d.C., quando a decadência do Império se mostrou irreversível. Os “bárbaros” varavam seguidamente as cada vez mais frágeis fronteiras, a economia afundava, imperadores perdiam-se em intrigas palacianas e nada revertia a situação. Filosofia e poesia já não atraíam tanto as pessoas e, no campo das ideias, o Cristianismo avançava. A pluralidade dava lugar à verdade única, aquela que estava escrita no Livro.
O tempo foi passando e, nos séculos seguintes ao desaparecimento do Império Romano, a cidade de Roma continuou no mesmo lugar, mas já não possuía nem o brilho nem as bibliotecas de antes. Sede do Papado, deixou que se perdesse, de propósito ou por desleixo, a maior parte da gigantesca produção escrita por gregos e romanos, de modo que só uma ínfima parte chegou até nós. Da extensa produção do filósofo Demócrito, por exemplo, só restaram fragmentos. Das 123 peças que Sófocles escreveu, apenas sete sobreviveram. Mesmo de Aristóteles, que teve o pensamento em boa parte apropriado pelo cristianismo, estima-se que só um terço sobrou (para mais sobre como os textos antigos desapareceram e foram, em parte, recuperados a partir do Renascimento, recomendo fortemente a leitura de A virada, de Stephen Greenblatt).
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Decadência histórica
Por mais que os historiadores discutam as causas que levaram ao desaparecimento do Império Romano, uma coisa é certa: em certo momento, faltou, aos romanos, educação. Deixar que livros apodrecessem e trocar o diálogo por uma verdade única pode ter sido parte das causas ou das consequências, mas são fatos.
E quanto a nós, brasileiros? Às vezes penso que vivemos a decadência dos anos finais de Roma sem ter tido o apogeu dos anos dourados da Grécia. Somos mal-educados. Sem uma educação séria, laica e pluralista, não iremos a lugar algum. Com todo respeito às exceções, acredito que nossas escolas e faculdades não ensinam a pensar direito, transmitem pouco conteúdo e fracassam na formação ética. Somos também mal-educados no cotidiano, e isso independe de renda ou escolaridade: ricos e pobres ocupam assentos (ou vagas) preferenciais, jogam lixo nas ruas, desrespeitam leis. Finalmente, nossos políticos, escolhidos por eleitores mal-educados, são também mal-educados, gerindo mal ou simplesmente afanando os recursos públicos provenientes dos impostos que todos nós pagamos (os pobres mais que os ricos).
Sei que tem gente séria dando duro para melhorar as coisas. Sei que não podemos desistir. Mas é difícil ser otimista. Quando vejo que se pretende levar educação religiosa de volta às escolas públicas (oficialmente laicas); quando vejo a (falta de) importância que se dá ao salário dos professores; quando vejo gente à direita e à esquerda desprezando jornais, livros e diálogo, preferindo informar-se e estapear-se mutuamente em redes sociais, me lembro de gregos e romanos. E de como, no fim das contas, eles não deram certo.
Créditos
Imagem principal: Fernando Villalvazo | Educación Cristiana I