Will Gadd é escalador, parapenter, caiaquista, moutain biker, cavernista e esquiador. Aos 48, foi o primeiro homem a escalar as cataratas do Niágara - no auge do inverno canadense
Estalactites de gelo que mais pareciam punhais, de tão afiadas, ameaçavam cortar o rosto do escalador canadense Will Gadd. A água gelada da cachoeira rugia a centímetros de seu rosto. Os -35°C de temperatura faziam com que suas mãos quase congelassem sobre sua piqueta, equipamento que ele manuseava enquanto escalava a rocha congelada na lateral da Helmcken Falls, cachoeira de 210 metros de altura nas profundezas de British Columbia, no Canadá, uma subida extremamente complicada e de alto risco. Até o ano passado, ninguém jamais havia escalado uma rota mista (em gelo e rocha) naquele lugar. “Frio e água são uma combinação muito ruim. O gelo se quebra com mais facilidade, as cordas congelam, a visibilidade é péssima. Aquelas foram as duas semanas mais difíceis da minha vida”, diz ele. "Isso antes de Niágara..."
Lenda viva do mundo dos esportes extremos e filho de escaladores, Will Gadd ganhou todos os maiores prêmios da categoria: do Campeonato Mundial ao Winter X Games. Também conhecido por Capitão Aventura, ele já escalou uma parede de gelo de 40 metros por 24 horas, quebrou o recorde mundial de distância num parapente (não uma, mas três vezes), e se envolveu com caiaquismo, montanhismo, cavernismo, esqui alpino e nórdico e mountain biking. Pelo conjunto da obra, ele foi eleito um dos Aventureiros do Ano pela National Geographic em 2015.
No começo deste ano, ele fez história ao ser a primeira pessoa a escalar as cataratas do Niágara, na fronteira entre EUA e Canadá.
Gadd é um veterano com gás de menino. Escalou as cataratas do Niágara aos 48 anos. O percurso, que fica no lado americano, em um trecho chamado de Ferradura do Niágara, estende-se por aproximadamente 45 metros, de cima a baixo. “Eu tinha pensado muitas vezes sobre essa escalada, mas sabia que nunca obteria a permissão. Seria como pedir para escalar a estátua do Cristo Redentor, no Rio. A resposta seria um grande não!”, conta ele. “Mas os responsáveis pelo parque viram que eu não era apenas um viciado em adrenalina, que a escalada no gelo é o que eu faço. E então eu tive que descobrir como escalá-la, e foi difícil!”
Com 150 mil toneladas de água escorrendo por suas três quedas a cada minuto, a uma velocidade de quase 100 km/h, o impacto do turbilhão das Cataratas do Niágara é equivalente a quatro mil carretas de sete eixos batendo no chão ao mesmo tempo - o tempo todo. Esse enorme fluxo de água sacode constantemente o solo, fazendo com que as plataformas e as paredes de gelo em volta sejam inseguras e imprevisíveis para quem se arrisca a escalá-la.
O escalador teve uma ajudinha das baixas temperaturas registradas nos Estados Unidos e no Canadá no inverno deste ano, que causaram um fenômeno raro, o congelamento de parte das cataratas. “Vai achando que foi fácil assim...”, zomba ele. “O gelo ali é formado por camadas, o que significa que há uma de gelo, então neve (com um bocado de ar), e então outra camada de gelo. É muito instável.”
No dia anterior à escalada, o Gadd desceu do alto da rota até a base para se livrar do gelo acumulado que por ventura estivesse mais solto e pudesse quebrar durante a escalada. “Me livrei de pedaços do tamanho de pequenos carros”, diz ele, sem demonstrar nenhum temor de que um acidente fatal pudesse ter ocorrido. “O segredo da escalada extrema em gelo é encontrar os pequenos lugares certos entre uma infinidade de possíveis perigos mortais. Se estou receoso, paro ou diminuo o ritmo das coisas. Trabalho para entender de onde vem o pânico e tenho medo do novo, aliás, de qualquer coisa que eu não entendo bem. O medo é a minha melhor ferramenta, sem ele eu já estaria morto”.
O trajeto da escalada se iniciava com uma travessia intensa sobre algo que Gadd resolveu chamar de “caldeirão da danação”, onde a queda d’água despejava com tudo em um buraco no gelo. “Se você entrasse ali, estaria frito. Cairia sobre pedras, se afogaria ou morreria congelado”, diz ele. Acima do caldeirão, o escalador instalou uma estação suspensa em uma caverna de gelo um pouco menor do que uma geladeira, onde parou para descansar. A partir dali, ele seguiu escalando rápido, parando a cada 6 metros para reforçar a proteção e colocar parafusos no gelo. “Fiquei bem molhado. Estava próximo da água e, em dado momento, eu estava debaixo d’água, escalando a água que congelou por trás da cachoeira”.
“O segredo da escalada extrema em gelo é encontrar os pequenos lugares certos entre uma infinidade de possíveis perigos mortais ”
Will Gadd, escalador canadense
Gadd levou cerca de uma hora para cada subida e escalou a via três vezes. Nem por isso considera ter alcançado uma grande vitória. “Esta escalada me arrebentou. Eu posso ter chegado ao topo, mas a Niágara venceu a guerra. No final do trajeto eu tive hipotermia. Aquelas cataratas fizeram muito mais estrago em mim do que eu nelas”, diz ele, que pretende seguir expandindo os limites da escalada no gelo. “Por enquanto, é top secret, mas terá gelo, água e um pouco de fogo também."