por Luiz Filipe Tavares

Campeã mundial de kitesurf fala sobre rivalidade no circuito e escola do esporte

Ela começou a competir direto no circuito mundial feminino de kitesurf, modalidade freestyle, aos 17 anos de idade. Em seu primeiro ano, 2005, viajava para as etapas seguintes com o dinheiro que ganhava em cada disputa. No final do ano, ela já era a terceira colocada no ranking de sua categoria e começou a crescer gradativamente até chegar a um muito comemorado título mundial no ano de 2009, o primeiro por uma atleta brasileira no kite. Quem diria que Bruna Kajiya, hoje com 24 anos, chegaria ao topo em um esporte que conheceu ao encantar-se com as grandes pipas coloridas que via da janela de sua sala de aula em Ilhabela, litoral de São Paulo. 

Como boa moradora do litoral, Bruna começou a surfar cedo. Até que em uma tarde, indo com muita sede ao pote, sofreu um acidente que a afastou do mar por um bom tempo. "Foi em Ilhabela mesmo. Eu queria surfar um dia e o mar estava muito grande. Meus amigos ainda falaram várias vezes para eu não ir. Só que eu era meio cabeçuda e ai falei: 'eu vou sim!'. Fui escondida", ela conta. "Uma série muito grande me pegou. Uma hora a prancha subiu e cortou toda a minha boca, da gengiva até a parte de fora, e separou em dois." 

Depois do susto, ela demorou até cair na água novamente. Mas não resistiu ao impulso das pipas coloridas do lado de fora da escola e embarcou muito jovem para Maui, onde treinou muito kite ao lado dos amigos windsurfistas e acabou crescendo rapidamente no meio do esporte. Com a ascensão na modalidade, ela voltou para o Brasil e encarou o desafio disputar o circuito mundial. Em seu segundo ano na elite do kite, tornou-se a primeira brasileira a vencer uma etapa do World Tour, terminando em 2ª no ranking. Depois de mais dois vices, finalmente ela levou o caneco em 2009, mas voltou ao segundo lugar no torneio do ano passado.

"Agora quero ser a primeira a ganhar dois títulos", ela sorri um riso de campeã. "Quero vencer muitas vezes ainda. Ganhar um mundial foi uma coisa que eu nunca tinha imaginado quando eu comecei a velejar. Eu não tinha esse sonho. Foi uma coisa que foi meio que acontecendo. Eu batalhei muito. Ter chegado aqui, para mim, já é muito legal. Mas é claro que eu quero continuar. Quero ganhar mais."

Rivalidade

Ao contrário do que acontece no circuito masculino da modalidade, que tem em comum com o surf e o skate a amizade entre a imensa maioria dos competidores, Bruna afirma que o clima entre as mulheres costuma esquentar nos campeonatos. Ela diz isso até com um certo pesar, triste porque a rivalidade entre as atletas muitas vezes extrapola os limites até mesmo do espírito esportivo. Como nossa campeã destaca, jogo sujo e pressão psicológica são as armas principais de algumas das competidoras do World Tour feminino de kitesurf.

"O clima entre as meninas não é muito bom não. Tem muita rivalidade envolvida. Os meninos não, eles são super tranquilos entre eles. Agora, no feminino rola muita picuinha", explica Bruna. "Eu tenho muito problema com a Gisela Pulido (da Espanha). Ela é bem jovem, sempre viaja com o pai. Quando eu comecei, rolava muito jogo sujo, até trapaça mesmo. Eu me considero tranquila, mas jogo sujo é uma coisa que eu não gosto. Infelizmente isso rola muito dentro do kite. É muito feio."   

"E tem casos horríveis. Teve uma menina, por exemplo, que estava passando por um problema de anorexia. Então a menina não comia, ia treinar sem comer e desmaiava. Antes de competir só comia uma bolacha, acabava indo mal nos campeonatos. E aconteceu do pai de outra menina chegar pra ela e falar: 'você viu como as outras competidoras estão gordas? Gente gorda não veleja bem'. Coisa dark assim, pressão psicológica. E não se fala isso pra uma menina que está doente", ela comenta, visivelmente indignada com a história que contou. "Então a competição ali não é muito saudável."

Da escola em Ilhabela para a escola do kite

Foi aprendendo, na escola, que Bruna se apaixonou pelo esporte. E mesmo depois de terminar os estudos, o kite continuou ensinando muito para essa paulista do Litoral Norte. Com os campeonatos, as viagens e a vivência que adquiriu velejando nos lugares mais paradisíacos do planeta, a brasileira acumulou muito mais do que troféus, contratos de patrocínio e vitórias esportivas. Ganhando ou perdendo, ela transformou o esporte em seu estilo de vida, treinando pesado e colhendo os frutos de seu trabalho.

"Eu aprendi demais com o kite. Coisa do dia a dia do esporte que eu aprendi e que servem para qualquer coisa durante a sua vida inteira. Aprendi a ter paciência, uma virtude que eu nunca tive antes. Você tem que ser paciente no mar. E ainda tem as outras coisas. Perder o vôo, lidar com a vontade de querer ir embora e não poder, esperar equipamento chegar... São coisas com as quais você vai lidando e aprendendo", explica a campeã mundial. 

"Competindo eu aprendi muito sobre quem eu sou.  Foi assim que eu consegui superar muitos dos meus problemas. Eu vivi sempre muito protegida pelos meus pais e nunca tinha batido de frente com alguma coisa que me fizesse crescer de verdade", reflete. "Perder me ajudou muito também. Sempre fui cabeça dura, não gosto de ser contrariada... Então imagina eu assim, tendo que viajar o mundo todo pra competir e acabando perdendo. Isso foi importante. Do dia que eu comecei a competir até hoje, já mudei muito." 

Vai lá: www.brunakajiya.com

Bruna em ação

 

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