O Brasil está na elite do kitesurf, modalidade que vai estrear nos Jogos Olímpicos em 2024. Muito além das competições, o esporte vem mudando a paisagem do litoral nordestino
O kitesurf, que vai estrear como modalidade olímpica em 2024, nos jogos de Paris, começou a se popularizar no Brasil no início dos anos 2000, época em que foi disputado o primeiro campeonato mundial da modalidade. Dois brasileiros vem se destacando na jovem história do esporte: o cearense Carlos Mario (conhecido como Bebê) e a paulista Bruna Kajiya, ambos com três títulos mundiais na carreira.
No último dia dia 27 de agosto, Bebê, de apenas 20 anos, foi campeão da GKA Kiteboarding World Tour na modalidade air games (uma mistura de manobras, em que o atleta pode tirar o pé da prancha), criada esse ano. Ele participa da primeira etapa da World Kiteboarding Championships (WKC), que rola entre os dias 4 e 9 de setembro, na Turquia, mirando o tetracampeonato de freestyle (em que se pode fazer manobras livres com os pés presos em botas fixadas à prancha).
No feminino, a paulista de Ilhabela, Bruna Kajiya, 31, tricampeã mundial de freestyle, liderou o ranking da WKC até sofrer uma lesão no joelho durante um treino, em agosto deste ano. “Acabei de fazer uma cirurgia no menisco e não vou me recuperar para a próxima etapa”, lamenta a atleta, que ainda não sabe se volta para a competição.
O mundial terá três etapas nos próximos meses e a final será disputada em novembro, em Cumbuco, no Ceará, um dos melhores picos de kite do mundo. Entre o litoral do Ceará e do Piauí estão os ventos que atraem centenas de kitesurfistas por ano, principalmente da Europa, o que vem transformando a paisagem local.
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Vento a favor
“O Brasil é uma potência pelas condições geográficas. Além disso, a temperatura da água facilita bastante para que os atletas possam ficar muitas horas no mar”, comenta Augusto Sampaio, ex-presidente da ABK (Associação Brasileira de Kitesurf), que atuou como juiz do circuito mundial por sete anos.
Mesmo com o esporte movimentando a economia e trazendo títulos para o Brasil, falta apoio e reconhecimento para os atletas de ponta. “Eu mesmo estou há quatro anos no circuito mundial e não tenho um patrocínio brasileiro, nem apoio do governo, só de uma marca estrangeira”, explica Bebê.
Nativo da Barra do Cauípe, ele cresceu observando os tios que praticavam kite e os estrangeiros que visitavam a região. Hoje, como profissional, treina ao lado dos melhores atletas: “Nossas condições estão trazendo gente do mundo todo para praticar. O pessoal que corre o circuito mundial vem pro Ceará para treinar junto com a gente”, explica.
A intensa movimentação em torno do esporte transformou a vida de quem vive ali. Há seis anos, Isabel Lupiañez e João Bosco Neto coordenam a Kite Escola Paraíso, na praia da Barra Grande (Piauí), um povoado de pescadores. “A Barra Grande cresceu bastante num prazo de quatro anos por causa do kite. Em 2014, rolou uma etapa do mundial aqui. É um pico com condições de ventos e maré muito boas, para apender, inclusive”, explica Isabel.
Paralelamente, ela coordena a ONG Projeto Vivo que há seis anos oferece aulas gratuitas do esporte, reforço escolar, entre outras atividades, atendendo cerca de 90 crianças. Hoje o kitesurf é também uma ferramenta social.
Para ela, o crescimento da cidade tem os lados positivo e negativo: “O turismo gera mais empregos, pousadas, restaurantes. Só aqui existem três escolas de kite e o intercâmbio com outras culturas é muito bom. O aspecto negativo é o crescimento sem planejamento. Falta saneamento básico, água e luz na temporada. Só agora chegou a internet via cabo, antes era só via rádio”, explica.
“Aumentou também a circulação de drogas, a gente tem que trabalhar bastante junto com as escolas”, relata. Outra preocupação é com a APA (Área de Proteção Ambiental) do Delta, onde os projetos de kite se desenvolvem. “É uma área de desova de tartarugas, o número de veículos na praia precisa ser limitado, os passeios no mar são feitos a remo. Vigiamos toda a região.”
Na temporada de ventos, entre julho e dezembro, a escola recebe muitos turistas, principalmente suíços e franceses. “A gente dá aula em inglês, francês, espanhol e português”, explica Isabel, que também é instrutora de kite.
O kitesurfista Roberto Mossoró também atua no turismo ligado ao esporte, como organizador da Kangaceiros Kite Trip, uma viagem feita de kite no esquema downwind (a favor do vento), com paradas em diversas cidades. Em novembro, farão o maior trajeto já registrado no Brasil, com 1100 quilômetros, do Rio Grande do Norte até o Maranhão.
O vento parece estar soprando a nosso favor e, com planejamento e sustentabilidade, dá pra voarmos bem alto na onda do kitesurf.
Créditos
Imagem principal: Svetlana Romantsova